DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

27/11/2008

Ó África Pátria do Mundo
Enquanto te espreguiças numa letargia sem fim
O mundo lá fora implacável
Prossegue
Na senda auto-destrutiva do Planeta e de Ti
Ó África Pátria do Mundo
Teus filhos no poder, o que fazem então?
Aconchegados nos sofás dos Mercedes
Com wisky e televisão!?
Importados, longe do sertão(made in Germany, UK e Japão)
Enquanto seus sútidos minguam sem um tostão
Nas sobras dos donativos fora de prazo
Sobrevivem nas lixeiras do egoísmo
Sem chegarem a viver um dia sequer
Circulando como zombies no supérfluo do luxo
no entulho
Ó África Pátria do Mundo
Combatentes da outra Liberdade esquecida democraticamente
Em nome da modernidade globalizada nas contas bancárias
E nas propinas recebidas a troco da penhora do País
Ó África Pátria do Mundo
Reage
E diz-me que é só um pesadelo
Que amanhã é outro dia
E tu renovada surgirás enfeitando tuas crianças
De flores, pão e amor, livros e solidariedade
"Na mesa da fraternidade"
Como um teu descendente na América disse,
Também um dia que tinha um sonho!
Ó África Pátria do Mundo...

Ó África Pátria do Mundo - João Craveirinha, escritor e pintor moçambicano

26/11/2008

No fim das contas, penso que devemos ler somente livros que nos mordam e piquem. Se o livro que estamos lendo não nos sacode e acorda como um golpe no crânio, por que nos darmos ao trabalho de lê-lo? Para que nos faça feliz, como diz você? Meu Deus, seríamos felizes da mesma forma se não tivéssemos livros.Livros que nos façam felizes, em caso de necessidade, poderíamos escrevê-los nós mesmos.Precisamos é de livros que nos atinjam como o pior dos infortúnios, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, que nos façam sentir como se tivéssemos sido banidos para a floresta, longe de qualquer presença humana, como um suicídio.Um livro tem de ser um machado para o mar gelado de dentro de nós. É nisso que acredito.

Trecho de uma carta que Kafka escreveu ao amigo Oskar Pollak em 1904

23/11/2008

Xixiu mal olhou para fora, ficou alucinado com a paisagem. Parecia um monstro. Da janela mesmo gritou para o universo, que se compunha de quatro
pessoas, além dele e de minha irmã Belsie:
- Nanico, sujeito safado! Tá namorando, não é, seu animal de rabo?!
Nanico tirou rapidamente a mão dos seios de Belinha e respondeu desajeitado:
- Tou.
Apenas belinha, que estava gostando do jardim e das mãos do companheiro,não
se conformou com a intervenção de Xixiu, irmão dela. No entanto, disfarçou a
irritação.Ninguém se irritava naquele dia.Com naturalidade, virou-se para mim, que beijava a um canto a suave Marialice e propôs:
Vamos trocar Surubi, você fica comigo e o besta do meu irmão se ajunta com
a hipócrita da minha irmã.


A Casa do girassol vermelho, do livro de contos O ex-mágico (1947) de
Murilo Rubião, escritor mineiro nascido em Carmo de Minas-MG. É considerado um dos precursores do realismo fantástico brasileiro. Escreveu também A estrela vermelha(1953), Os dragões e outros contos
(1965), O pirotécnico Zacarias(1974), O homem do boné cinzento e outros contos e O convidado, que demorou vinte e seis anos para concluí-lo. Nasceu em 1916 e faleceu em 1991.

21/11/2008

Meu coração é como o frio espectro de Is, a submersa:
cobrem-no turvas águas silenciosas e a fluida fauna dos
pecados e das penas que eu vivi outrora, quando vivo.
Tudo é profundo, inerte, escuro, neste meu grande mundo
extinto e é vão que ainda perpassam sobre os seus escombros,
sobras de sonhos, lívidas, incertas, como peixes sonâmbulos.
De quando em vez, porém, sinto nascer de mim, como de um
estranho abismo, cantos plangentes, mil vozes em coro, que
me surpreendem e animam como deuses ou me apavoram.
Não sei como explicar - ninguém o sabe - esses cantos funéreos
ou divinos que assim despertam e vibram no meu peito, em meio
à grande deusa noite de minha alma, como sinos submersos.

"Os Sinos de Is" - Campos de Carvalho - 1916-1998

19/11/2008

"Porque em todas as circunstâncias da vida real,
não é a alma dentro de nós, mas sua sombra, o
homem exterior, que geme, se lamenta e desempenha
todos os papéis neste teatro palcos múltiplos,
que é a terra inteira".
Plotino, filósofo neoplatônico, nasceu na cidade egípcia de Licópolis em 205 e faleceu em 270 d.C. vítima de lepra. É autor de "As Enéadas".

08/11/2008

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.
Graciliano Ramos - 1892-1953