DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

25/10/2010

Poema para Galileu



Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não Galileu! Eu não disse Santo Ofício. Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.





Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria.
Eu sei...Eu sei...
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo, Galilei!
Olha, sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo de tua mão direita num relicário.


Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência, as coisas que me deste.
Eu, e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ía jurar - que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.



Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa
ou um seixo da praia?
Era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando um perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.


*******


Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores
deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a ralar pelos espaços
à razão de trinta quilômetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo, Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam
de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.

Antonio Gedeão, pseudônimo de Rômulo Vasco da Gama de Carvalho, historiador, professor e poeta, nascido em Lisboa (1906-1997)

5 comentários:

  1. Oláá!!!

    Tá aí um poema pra uma figura que merece todo o crédito!!!

    Bjão!

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  2. un saludo afectuoso para usted.
    un abrazo

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  3. Muchas gracias gracias, Reltih, eres mui gentil!

    Un abrazo

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  4. Tadinho do Galileu, foi querer ser sagaz - se fudeu.

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  5. Não concordo. Se ele tivesse agido sagazmente,
    não teria passado pelo que passou. Galileu era
    um cientista genial!!!

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