DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

28/05/2010

Quem conta um conto...

"Le fou de peur" - Courbet


Solitário procura companheiro(a)...


A solidão torna-se insuportável quando sobe pelo corpo, navega pelo sangue e se arruína em bebedeira de luto dentro do coração esfomeado, como um castigo, um amargo soneto à morte antecipada; a solidão é uma carteirista da felicidade alheia, uma cadela nocturna, uma máscara de morte. Convive com horas clandestinas, estrelas apagadas, chagas infernais. No desassossego da idade talvez fosse melhor partilhá-la com alguém a quem extorquir um pouco de ternura; talvez essa grave coima que é a solidão ficasse atenuada, se repartida com um qualquer, um companheiro de circunstância, uma mulher vendida aos ventos que se conhece na íntima noite numa rua vazia e difícil de encontrar. Há horas que são momentos de dor, jogos de relâmpagos e de cataclismos. Mas secam, porque a solidão também enlaça devagar, como uma deusa sonâmbula que desliza. Bruscamente tudo acontece: primeiro, a curiosidade, descoberta casta; depois, o desejo, desassossego na respiração; a seguir, a paixão que se desfaz na lua; e, por fim, entra em cena madame solidão, iluminada pelas luzes longas e em frente de uma cortina escura. Desiste-se, adoece-se, envelhece-se, geme-se como um animal estrangulado, morre-se mirrado até ao osso, sem conchego e sem deus. Sente-se as mãos molhadas do choro e já não se espera outra mulher que console, nem um amigo de braço estentido que amacie a alma esburacada e, até a pele passa a ser virtual. Cada discurso é estéril, mesmo o mais sapiente. Quanto egoísmo, quanto propósito supérfluo, quantos acrobatas a ensaiar o mortal, ninguém sai sem cadastro! Quando nos desiludem já pouco se espera do ser humano, nada é mais que profundo vazio, frágil instante, sala de tortura, carne ardida, punhal num peito, voo de pássaro ferido, animal que uiva, como se o mundo fosse um castelo-fantasma e perdesse todo o sentido, ficando tão só a escuta do grande sismo silêncio que, a pouco e pouco, começa a ressoar na alma em desagregação, como nas margens do tempo.
Ainda assim, pálido e frio, especialista em fracassos, insiste entrar sem bússola no labirinto das emoções, de recomeçar e deixar o seu cartão de visita, dados pessoais e telemóvel: solitário, 40 anos, escondido nuns óculos escuros, talvez poeta, talvez humano, procura companheiro(a)...



Luís Galego é contista, natural de Lisboa, escreve para o Portal da Literatura(http://portaldaliteratura.com.cronicas/ ), para a revista Letras et cetera(http://nanquin.blogspot.com/) e é autor do blog http://infinito-pessoal.blogspot.com/ , do qual sou seguidora assídua, praticamente desde a criação deste blog.

24/05/2010

Língua: sabor & sabedoria

Uma representação de Oxalá

Oxalá é considerado como o criador do mundo, embora diga-se também, que na hora de fazê-lo tenha bebido demais de um certo vinho de palma, passando o encargo, então, a Odudua.
A mitologia africana tem isto de belo: possui sempre variantes de um mesmo mito - o que, longe de confundir, apenas enriquece as possibilidades de compreensão do mundo.
Neste mito que começamos a contar agora, vemos Oxalá na condição de regente do mundo. Como um bom deus da criação, ele está pensativo.
"Orunmilá tem se mostrado como um dos deuses mais sábios e ponderados", pensa o deus do pano branco. "Acho que está na hora de elevá-lo a um grau de importância maior neste mundo".
Uma dúvida, porém, muito comum nestes casos, impede a decisão final do deus.
"É inteligente, mas terá sabedoria suficiente para ocupar o cargo que pretendo oferecer-lhe?"
É preciso, pois, testar a sabedoria do deus.
- Já sei! - exclama Oxalá, dando um tapa na testa - Vou aplicar-lhe um teste de sabedoria!
No mesmo instante manda Exu, o deus mensageiro, trazer Orunmilá até si.
- Aqui estou, grande deus - diz Orunmilá.
- Meu querido amigo, quero que me faça algo.
- Pois não, grande deus.
- Quero que me prepare o melhor prato do mundo.
Orunmilá, que não era exatamente um cozinheiro, meio que vacilou.
- O melhor prato do mundo?
- Sim, aquele que esplende não só no sabor, como na sabedoria.
" Um prato que esplende tanto no sabor quanto na sabedoria!", pensa Orunmilá, a coçar a cabeça.
- Está bem, grande deus, terá o seu prato sábio e saboroso - diz ele, numa súbita iluminação.
Orunmilá sai correndo dalí e começa a preparar o tal prato. Dalí a algumas horas retorna com uma grande travessa fumegante.
- Trouxe o prato que lhe pedí? - diz Oxalá, a lamber-se todo.
- Sim, grande deus, aqui está o mais sábio e saboroso dos pratos.
Oxalá espiou para o interior da travessa e viu uma grande língua de touro cozida com inhame.
- Hum, esté belo, de fato! - disse o deus, lambendo-se todo outra vez. - Mas diga-me uma coisa: por que escolheste este prato para ser o mais perfeito de toda a culinária?
- É que além de ser muito saboroso, traz em si uma mensagem implícita.
- Uma mensagem implícita?
- Sim, a língua em sí é um símbolo muito poderoso. Por ela, podemos desejar saúde para os outros. Por ela, podemos falar bem dos amigos e proclamar a retidão e a justiça. Por ela, podemos exaltar os deuses e todas as virtudes que a eles conduzem. São incontáveis, enfim, os bens que uma língua pode produzir!
Oxalá ficou tão satisfeito com a resposta que abraçou Orunmilá depois de comer a língua inteira.
- Sua resposta mostrou-se tão sábia quanto seu prato mostrou-se delicioso! Agora,
meu querido amigo, quero que me prepare a pior comida possível!
Orunmilá embatucou outra vez.
- A pior comida possível?
- Exatamente.
Orunmilá levou consigo a travessa e esteve o restante do dia a preparar a pior comida possível, até que, já quase ao entardecer, retornou com sua travessa repleta outra vez.
Oxalá olhou para a travessa fumegante com o nariz torcido.
"O que será que ele trouxe?", pensou, certo de que veria algo inteiramente repugnante.
Entretanto, quando Ifã desceu do alto a sua travessa, lá estava outra vez a língua do touro acomodada entre os inhames.
- Língua de touro outra vez? - exclamou Oxalá, com uma nota de decepção em sua voz.
- Sim, grande deus!
- Mas não entendo! Como a língua pode ser ao mesmo tempo a melhor e a pior comida possível?
- Pode ser a pior também, grande deus, porque, com a língua os homens podem cometer perjúrio contra os deuses e contra eles próprios. Podem caluniar e intrigar. Podem dizer mentiras e induzir ao erro uma alma boa e ingênua. São incontáveis, enfim, os males que uma língua pérfida pode cometer!
- Sábias palavras, disse o deus.
Por causa das duas sapientíssimas respostas que escutou, Oxalá tornou Orunmilá o primeiro babalorixá do mundo, palavra africana que significa "pai dos segredos".




Extraído de "As melhores histórias da mitologia africana", de A.S.Franchini e Carmen Seganfredo - Artes e Ofícios Editora Ltda., 2008

20/05/2010

Poesia Africana - Cabo Verde

Mindelo, importante centro cultural de C. Verde

praia da Gamboa




"estrada da corda"
Como a flor cortada rente e desfolhada
ou os olhos vazados da criança
e o seu fio de prano tênue e impotente
assim a noite caminha com os astros
todos em vertigem
até que se atinge o ponto da mudez
a pesada mó triturando a sílaba
a garganta com as cordas dilaceradas
e uma lâmina ácida e pontiaguda
enterrada ao nível da carótida

Entenda-se isto como noite
e o seu transe derradeiro
tanto assim que a flor desfeita
não embala o coração do poeta
oh não
porque a flor defunta
se voa
não sobe nunca
e só dura
o espaço breve duma nota

Assim o vento se detém imóvel
como se da flauta
falhando súbito
na boca do poeta
ficasse o hiato
ou a saliva
de um tempo devassado
por insectos cor de cinza

A voz suspensa e negada
cede a vez à letra amorfa
inserida no silêncio
com seu peso de chumbo e olvido acaba o poema
e um ponto final selando tudo.




"Canto final ou Agonia duma noite infecunda" - do poeta e escritor caboverdiano
Armênio Vieira, ganhador do Prêmio Camões 2009. Esse prêmio existe desde 1988 por iniciativa dos governos português e brasileiro, como uma maneira de destacar escritores e poetas dos países lusófonos. Miguel Torga foi o primeiro a recebê-lo. Em 2008 o premiado foi o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro.

16/05/2010

A mulher e o "amor romântico"...!? (Reeditada e ampliada)

Platão e Aristóteles, de Rafaello Sanzio
A noção de que certos livros se destinam aos olhos de certos grupos é quase tão antiga quanto a própria literatura. Alguns estudiosos sugeriram que, tal como a epopéia e o teatro gregos tinham como alvo
primário uma platéia masculina, os primeiros romances gregos destinavam-se
provavelmente a uma platéia predominantemente feminina. Embora Platão
escrevesse que na sua república ideal a escola seria compulsória para ambos os sexos, um dos seus discípulos, Teofrasto, argumentava que se deveria ensinar às mulheres apenas o suficiente para administrar um lar, porque a educação avançada "transforma a mulher numa comadre preguiçosa e briguenta."
Uma vez que a alfabetização entre as mulheres gregas era baixa (ainda que se tenha sugerido que as cortesãs fossem "perfeitamente letradas"), escravos instruídos liam os romances em voz alta para elas. Devido à sofisticação de linguagem dos autores e ao número relativamente pequeno de fragmentos que sobreviveram, o historiador William V. Harris sustentou que esses romances não eram muito populares, sendo antes a leitura amena de um limitado público feminino com certo grau de instrução.

Uma História da Leitura - Alberto Manguel, ensaísta, tradutor, organizador de antologias e romancista argentino, naturalizado canadense.

14/05/2010

As aparências enganam......!?

"Les gens d'Uterpan" - Giasco BertoliO quê você visualiza nessa imagem?


As aparências enganam, aos que odeiam
e aos que amam...porque o amor
e o ódio se irmanam na fogueira das paixões...
Os corações pegam fogo e depois
não há nada que os apague se a combustão
os persegue, as labaredas e as brasas são o
alimento, o veneno e o pão, o vinho seco,
a recordação dos tempos idos da comunhão,
sonhos vividos de conviver...
As aparências enganam, aos que odeiam
e aos que amam, porque o amor e o ódio
se irmanam na geleira das paixões...
Os corações viram gelo, e depois não há nada
que os degele, se a neve cobrindo a pele
vai esfriando por dentro o ser...
Não há mais forma de se aquecer,
não há mais tempo de se esquentar,
não há mais nada pra se fazer,
senão chorar sob o cobertor...
As aparências enganam, aos que odeiam
e aos que amam,
porque o fogo e o gelo se irmanam
no outono das paixões...
Os corações cortam lenha, e depois
se preparam para outro inverno...
Mas o verão que os unira, ainda vive
e transpira alí nos corpos juntos na lareira,
na reticente primavera, no insistente perfume
de alguma coisa chamada amor !



Sérgio Natureza/Tunai

12/05/2010

"Navio Negreiro"

Tela de Arlete Marques, pintora angolana



[............................]


Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, senhor Deus,

se eu deliro...ou se é verdade

tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas,

do teu manto este borrão?

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei dos mares, tufão!...



Existe um povo que a bandeira empresta

p'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!

E deixa-a transformar-se nessa festa

em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta

que imprudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa...chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto!...



Auriverde pendão de minha terra

que a brisa do Brasil beija e balança,

estandarte que a luz do sol encerra

e as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra

foste hasteada dos heróis na lança,

antes te houvessem roto na batalha,

que servires a um povo de mortalha!



Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo,

o trilho que Colombo abriu nas vagas,

com um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! Da etérea plaga

levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada!, arranca esses pendões dos ares!

Colombo!, fecha a porta dos teus mares!



Castro Alves, poeta baiano nascido em Curralinho(BA)
1847-1871)
Obs: "capturei" essa foto do blog do poeta angolano Namibiano Ferreira com sua devida permissão - http://poesiaangolana.blogspot.com

09/05/2010

"Lendo Lolita em Teerã"





A escritora Azar Nafisi nasceu no Irã e aos 13 anos de idade foi morar na Inglaterra com os pais. Concluiu seu doutorado em literatura inglesa, na Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Em 1979, após a queda da ditadura e a fundação da República Islâmica, retornou ao seu país com a esperança de encontrar grandes transformações políticas, mas deparou-se com um regime de terror imposto pelos aiatolás. Ainda assim, permaneceu em Teerã por 18 anos. Lecionou literatura inglesa na Universidade de Teerã de 1979 a 1981, quando foi expulsa por recusar-se a usar o véu. Tornou-se conhecida mundialmente a partir da publicação de seu livro "Lendo Lolita em Teerã", traduzido em 32 idiomas. Atualmente, vive em Washington e escreve regularmente para "The New York Times", "The Washington Post" e "The Wall Street Journal".
Através de seu livro podemos conhecer o cotidiano da vida de oito mulheres que se encontram secretamente para estudar a literatura ocidental proibida em seu país. Durante 2 anos, a autora e mais sete jovens, liam em conjunto, obras clássicas da literatura, como Madame Bovary(de Flaubert), Lolita (de Nabokov), Orgulho e preconceito (de Jane Austen), entre outras obras que estavam sob censura. Sua narrativa remonta aos primeiros dias da revolução islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini, em 1979, quando começou a lecionar na Universidade de Teerã.
Segue abaixo alguns trechos dessa obra que recomendo com entusiasmo:

[......................................]

Numa manhã de quinta-feira, tão quente que parecia que o calor havia entranhado em nossa casa refrigerada, sete de nós conversávamos antes de a aula começar. Falávamos sobre Sanaz. Ela perdera a aula da semana anterior e nem sequer telefonara para dar uma explicação, e agora não sabíamos se viria outra vez. Ninguém, nem mesmo Mitra, sabia qualquer coisa sobre ela. Imaginávamos que talvez seu irmão problemático tivesse aprontado novamente. O irmão de Sanaz era um assunto constante em nossas conversas, um de uma série de vilões masculinos que ressurgiam a cada semana.
- Nima me disse que não compreendemos a dificuldade que os homens têm que enfrentar no Irã - disse Manna com um tom de sarcasmo. - Eles também não sabem como agir. Às vezes se comportam como machos provocadores e tirânicos porque se sentem vulneráveis.
- Bem, essa é uma verdade - eu disse. - Afinal, é preciso duas pessoas para que haja um relacionamento, e quando se transforma a metade da população em seres invisíveis, a outra metade também sofre.
- Pode imaginar um tipo de homem que se sente sexualmente provocado somente por ver um cacho dos meus cabelos? - perguntou Nassrin. - Alguém que enlouquece ao visualizar o dedão do pé de uma mulher...uau! - ela continuou - Meu dedão é uma arma letal!
- As mulheres que se cobrem estão ajudando e favorecendo o regime - disse Azin, desafiadora.
Mahshid permaneceu em silêncio, seus olhos fixos no pé de ferro da mea.
- E aquelas cuja marca registrada é pintar seus lábios de vermelho forte e flertar com os professores - disse Manna com uma expressão gelada, - suponho que estejam fazendo tudo isso em prol da causa? - Azin ficou vermelha e não disse nada.
- Que tal mutilar os genitais masculinos - Nassrin sugeriu friamente - para diminuir seu apetite sexual? Ela estava lendo o livro de Nawal al-Sadwi sobre a brutalidade contra as mulheres em algumas sociedades muçulmanas. Sadawi, uma médica, fizera pesquisas minuciosas para explicar os efeitos horrendos da mutilação genital de meninas para controlar suas inclinações sexuais.
- Eu estava trabalhando sobre esse texto no meu projeto de tradução...
- Seu projeto de tradução? - perguntei
- Sim, não se lembra? Eu disse a meu pai que estava traduzindo textos islâmicos para ajudar Mahshid.
- Achei que era somente uma desculpa para você poder vir às aulas. - disse.
- Era uma desculpa, mas decidí fazer essas traduções pelo menos três horas por semana, às vezes mais, pelas mentiras extras. Firmei um compromisso com a minha consciência - disse ela com um sorriso.
- Tenho que lhes dizer que o próprio aiatolá Khomeini não era um noviço em assuntos sexuais - Nassrin continuou - Traduzí seu magnum opus, Os princípios políticos, filosóficos, sociais e religiosos do aiatolá Khomeini, e há nele muitas observações interessantes.
- Mas esse livro já foi traduzido - disse Manna - Qual é o seu objetivo?
- Sim - respondeu Nassrin - partes do livro foram traduzidas, mas se transformaram em piadas, e desde que as embaixadas no exterior descobriram que as pessoas estavam lendo o livro não por sua mensagem edificante, mas por diversão, as traduções se tornaram obras raras. Bem, de qualquer modo, minha tradução é completa, com referências a outras obras. Vocês sabiam que uma das maneiras de curar o apetite sexual de um homem é por meio de relações com animais? Há também o problema do sexo com galinhas. Você tem que se perguntar se um homem que teve relações sexuais com uma galinha, pode comer a galinha depois. Nosso líder nos forneceu uma resposta: Não, nem ele, nem a sua família, nem seu vizinho da porta ao lado podem comer a carne da galinha; mas não há problema se um vizinho que mora duas casas depois da sua comer a galinha. Será que meu pai prefere que eu passe meu tempo lendo esse tipo de texto ou de Jane Austen ou Nabokov? - disse ela, maliciosamente.
Não nos assustamos com as alusões eruditas de Nassrin à obra do aiatolá Khomeini. Ela se referia a um famoso texto de Khomeini, o equivalente a uma tese - um requisito para alcançar o grau de aiatolá - destinada a responder às questões e aos dilemas que seus discípulos poderiam lhes apresentar.(.....) O que era assustador era o fato de esses textos serem levados a sério pelos governantes, em cujas mãos repousavam os nossos destinos e o destino do nosso país. Todos os dias, em rede nacional de televisão e de rádio, esses guadiões da moralidade e da cultura faziam afirmações semelhantes e discutiam esses assuntos como se fossem temas sérios para refletir e meditar....

04/05/2010

Para onde vão...?

Cathelea araguaiensis (Ilha do Bananal - TO)

Para onde vão as ideias rejeitadas,

os projetos esquecidos, as crenças arruinadas?

A árvore está imóvel, permanece parada

em seu banho de luz.

Mas ontem mesmo ela se agitava

com todas as suas folhas, ramos e galhos,

até mesmo seu potente tronco,

cor de pedra e quase pedra.

Onde está sua agitação, seu entusiasmo,

suas torções de braços e mãos?




Paul Valéry



Celeste, de Bourgier-Mouginot


Objetos perdidos


Os guarda-chuvas perdidos...

aonde vão parar os guarda-chuvas perdidos?

E os botões que se desprenderam?

E as pastas de papéis, os estojos de pincenez,

as maletas esquecidas nas gares,

as dentaduras postiças, os pacotes de compras,

os lenços com pequenas economias,

aonde vão parar todos esses objetos heteróclitos

e tristes? Não sabes?

Vão parar nos anéis de Saturno,

são eles que formam, eternamente girando,

os estranhos anéis desse planeta

misterioso e amigo.



Mário Quintana

01/05/2010

Alta Costura *


No tecido da história familiar,

as mãos de minha mãe, reforçaram

as costuras para nos proteger

de qualquer empurrão da vida...

As mãos de minha mãe,

uniram um alinhavo às partes

do molde, sem esquecer que

cada uma é diferente da outra,

e que juntas formam um todo,

como a família...




As mãos de minha mãe, fizeram baínhas

para que pudessem crescer, e não

ficassem curtos os ideais...

As mãos de minha mãe, remendaram

os estragos, para voltarmos a usar

o coração...sem os fiapos

do ressentimento...



As mãos de minha mãe, juntaram retalhos

para que tivéssemos uma manta

única para nos cobrir...

As mãos de minha mãe, pregaram

botões e presilhas, para que

não perdéssemos a esperança...




As mãos de minha mãe, aplicaram elásticos

para podermos nos adaptar folgadamente

às mudanças exigidas pelos anos...

As mãos de minha mãe, bordaram maravilhas

para que a vida nos surpreendesse

com suas dádivas de beleza...



As mãos de minha mãe, coseram bolsos
para neles guardar moedas valiosas

das melhores recordações

e da minha identidade.

Tela de Lagley Walter
As mãos de minha mãe,

quando estavam quietas,

zelavam os meus sonhos

para que alimentassem

os meus ideais com o pó

de suas estrelas...


As mãos de minha mãe seguraram-me

com linhas mágicas, quando entrava na vida

para começar a vestí-la!

As mãos de minha mãe nunca abandonaram

o seu trabalho...

E sei muito bem que hoje, onde estiverem,

zelam por mim.

E eu as vejo como se

ainda estivessem aqui, comigo...!
* Recebí esse texto por e-mail, sem a identificação de sua autoria. Tomei a liberdade de publicá-lo com algumas modificações de gramática e do final do texto. A última foto faz parte de meu arquivo particular.