DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

31/08/2010

Ilha do Bananal - TO ( Reedição )


A Deusa da Terra


Terra
Olhai a Terra
não o planeta azul
o barro
Pote de água
a lama
estrada batida
canteiro - semente brotando
Oleiro
vaso de flor - tijolo
casa surgindo - pomar
Fruto maduro
curral - bicho dormindo
A Mãe - Deusa de terra
vermelha - criança no terreiro
Olhai - é tudo terra - vermelha
Brota da terra - Vida - volta pra terra
Mãe - vira terra outra vez
Vermelha
Nydia Bonetti

A Ilha do Bananal, assim chamada por abrigar grandes extensões de bananeiras
silvestres, é a maior ilha fluvial do mundo. Fica no Estado de Tocantins próximo à divisa dos Estados de Goiás, Mato Grosso e Pará. Existem cerca de 15 aldeias indígenas, como os Carajás, Xavaés, Kanoanã, Xavante, Tapirapé, Caiapó, Avá-Canoeiro, entre outras. Possui 20.000km quadrados de extensão.



Família de índios Carajás - todos eles habitam nessa tapera:cozinham e dormem!
Foto: Amauri Moreira


É considerada um dos santuários ecológicos mais importantes do país por estar localizada em uma área de transição entre a floresta amazônica e o cerrado, apresentando fauna e flora bastante diversificadas: orquídeas, piaçavas , maçarandubas, onças pintadas, uirapurus, garça azul...


Colônia de mandaruvás (lagartas)


...É rodeada pelos rios Araguaia e Javaés


29/08/2010

Azulejo encontrado em Toledo, Espanha



A sociedade é assim:

O pobre trabalha

O rico o explora

O soldado defende os dois (?)

O contribuinte paga pelos três

O vagabundo descansa pelos quatro

O bêbado pelos cinco

O banqueiro estafa os seis

O advogado engana os sete

O médico mata os oito

O coveiro enterra os nove

O político vive às custas dos dez

26/08/2010

Que fizeste....?

Frida Kahlo


Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?


E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?


Que lhes dirás quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?



Eugênio de Andrade, Portugal (1923-2005)

25/08/2010

Cora Coralina

Foto de Shuka Glotman (Museu de Jerusalém)

Andei pelos caminhos da Vida.
Caminhei pelas ruas do Destino -
procurando meu signo.
Bati na porta da Fortuna,
mandou dizer que não estava.
Batí na porta da Fama,
falou que não podia atender.
Procurei a casa da Felicidade,
a vizinha da frente me informou
que ela tinha se mudado
sem deixar novo endereço.
Procurei a morada da Fortaleza,
ela me fez entrar: deu-me veste nova,
perfumou-me os cabelos,
fez-me beber de seu vinho.
Acertei o meu caminho.



"A Procura" - Meu livro de cordel

23/08/2010

Preciosidades...!

Encontrei essa hilariante preciosidade ao folhear uma "Careta", de 1981! É uma pena que essa revista não exista mais, assim como "O Pasquim", "Opinião", enfim. Não pude resisitir ao "Analista de Bagé" , (de Luís Fernando Veríssimo), recebendo em seu consultório o megalômano de Passo Fundo. Confiram. E divirtam-se ...



- Te deita no divã, tche.

- Não deito.

- Te deita.

- Não deito.

- Por que não?

- Por duas razões. Uma é que só quem manda em mim é meu pai, que já está na Grande Invernada do céu, capando anjo pra encher linguiça. A outra é que o analista aqui sou eu.

E com isto o analista de Bagé fez o outro deitar no divã com um peitaço e o segurou sobre o pelego com um joelho na omoplata.

- Qual é o teu problema?

- Não digo pra qualquer um.

- Fala ou te arranco esse bigode!

- As pessoas dizem que eu tenho mania de ser melhor que todo mundo. Mas eu não acredito nelas.

- Por quê?

- Porque é tudo gente inferior!

O analista de Bagé saiu de cima do paciente e sentou no seu banquinho. Mas manteve o facão bem à vista para evitar complicação. O outro disse:

- Sou um megalomaníaco

- Não é - disse o analista de Bagé. Sabia que era verdade, mas não tolerava fanfarronice.

- Quer saber mais do que eu?

- Sei mais do que tu, tua mãe e teu pai se fosse conhecido.

- Ah é?

- É.

O megalômano de Passo Fundo ficou de pé em cima do divã e apontou um dedo para o analista de Bagé.

- Posso te transformar em pedra!

O analista de Bagé se ergueu com um salto, chutou o banquinho para longe e abriu a camisa, expondo o peito.

- Pois transforma!

Mas o outro ergueu a mão num sinal de paz e entoou:

- Eu te perdoo.

Aí o analista de Bagé avançou.

A Lindaura (a recepcionista) tinha instruções sobre o que fazer de acordo com os sons que viessem do consultório. "Grito: te prepara; gemido de mulher: vai pra casa; mobília quebrada: entra". Decidiu entrar. Encontrou o megalômano de Passo Fundo estendido no chão debaixo do divã virado e com metade do bigode. O analista de Bagé explicou que não se contivera quando ouvira o outro declarar:

- Sou o maior megalomaníaco do mundo!

Doença era uma coisa, mas convencimento era outra.

21/08/2010

Faces...



Quando se nasce, a nossa morte sai do túmulo, como nós do ventre. Devagar, corcunda e velha, contrasta com a nossa juventude. Nós somos crianças quando ela é uma velha, enrugada, fraca e decrépita. E todos nós vamos envelhecendo enquanto ela vai rejuvenescendo. A certa altura da vida, os dois rostos, o nosso e o da nossa morte, cruzam-se e são iguais como num espelho. Acontece por volta dos trinta. Por isso, quando um homem antes de morrer vê a cara da morte, nesse trágico instante, ela tem a cara que nós tínhamos quando saltamos do ventre materno: uma cara de bebê recém-nascido.



Afonso Cruz, ilustrador, músico e escritor português.

19/08/2010

Escada em caracol...



É uma escada em caracol

e que não tem corrimão.

Vai a caminho do Sol

mas nunca passa do chão.


Os degraus, quanto mais altos,

mais estragados estão,

nem sustos nem sobressaltos

servem sequer de lição.


Quem tem medo não a sobe,

quem tem sonhos também não.

Há quem chegue a deitar fora

o lastro do coração.


Sobe-se numa corrida.

Corre-se p'rigos em vão.

Advinhaste: é a vida

a escada sem corrimão.



David Mourão-Ferreira, Lisboa (1927-1996)

17/08/2010

Eternamente Drummond !!!

Drummond e Mário Quintana

Não se mate


Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo e segunda-feira
ninguém sabe o que será.


Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve tudo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncio do melhor sabão,
barulho que niguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.

O amor no escuro, não no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.



Segredo


A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.


Ouço dizer que há tiroteios
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.


Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar.
Não conte.


Suponha que um anjo de fogo
varresse da face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.


Carlos Drummond de Andrade, nasceu em Itabira(MG), no dia 31 de outubro de 1902 e faleceu no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto de 1987.

15/08/2010


Soneto da Enseada



Sou sempre o que está além de mim,

como a ponte do Brooklin ao por-do-sol.

Sou o peixe buscado pelo anzol, e o caracol imóvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio, e sou tudo o que vive além de mim:

o barulho da noite e o cheiro do jasmim que corre

entre as estrelas, como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende

que a vida é simplesmente a travessia

entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.

Que luz? De que vigília ou de que dia?

De que barco ancorado na enseada?



Ledo Ivo, Maceió (AL ) - 1924-

12/08/2010

Metáfora das Meretrizes

Jardins do Palais-Royal, Paris
Faça sol ou faça chuva, tenho o costume de passear, lá pelas cinco da tarde, no Palais-Royal. Posso ser visto, sempre sozinho, a divagar no banco de Argenson. Entretenho-me comigo mesmo, conversando sobre política, amor, gosto ou filosofia. Abandono meu espírito a toda sua libertinagem, deixo-o livre para seguir a primeira ideia sábia ou tola que lhe ocorra, tal como se pode ver, na aléa de Foy, nossos jovens dissolutos a seguir os passos de uma cortesã de aspecto volúvel, rosto sorridente, olhar vivaz e nariz arrebitado; deixo uma pela outra, assediando a todas e a nenhuma me atracando. Meus pensamentos são minhas meretrizes.



Denis Diderot, O sobrinho de Rameau

11/08/2010

O Poeta



Trabalha agora na importação
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de dever e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade; suspende o gesto
que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
interrupção da morte.



Nuno Júdice, Mexilhoeira Grande, Portugal

09/08/2010

"Retrato quase apagado em que..."

Marcel Duchamp


.............


II


Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas


V


Escrever nem uma coisa - Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escrever acende os vaga-lumes.


VI


No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de
falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer



"Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada"

Manoel de Barros, Cuiabá(MT) - (1916- )

07/08/2010



Há alguma coisa aqui que me dá medo; quando descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui. O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado.



Clarice Lispector

05/08/2010

foto: Diala Mdah Halabi - "Golan"




O Movimento do Mundo



Às vezes, um verso transforma o modo como

se olha para o mundo; as coisas revelam-se

naquilo que imaginação alguma a supôs; e

o centro desloca-se de onde estava, desde

a origem, obrigando o pensamento a rodar

noutra direção. O poema, no entanto, não

tem obrigatoriamente de dizer tudo. A sua

essência reside no fragmento de um absoluto

que algum deus levou consigo. Olho para

esse vestígio da totalidade sem ver mais

do que isso - o desperdício da antiga

perfeição - e deixo para trás o caminho

da ideia, a ambição teológica, o sonho do

infinito. De que eternidade me esqueço,

então, no fundo da estrofe?



Nuno Júdice, poeta e ensaísta, de Mexilhoeira Grande, Portugal.

04/08/2010

Foto: Gerhard Richter
Você nunca conhece realmente as pessoas.
O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, "tá quentinho, comprei agora." Conversamos uns quinze minutos, era hora do almoço, parecia tão meiga, convidei-a para almoçar, agradeceu muito, disse-me que eu era sua " ídala", mas ía almoçar com alguém e não podia perder esse almoço. Alguém especial?, perguntei. Respondeu nítida: "pé-de-porco". Não entendí. Como? "Adoro pé-de-porco, pé-de-boi também". Ahn...interessante, respondí. E ela se foi apressada no seu Fusquinha. Não sei por que não perguntei se ela gostava também de cu de leão. Enfim, fiquei pasma. Surpresas logo de manhã.
Olga, uma querida amiga passando alguns dias aqui conosco, me diz: pois você sabe que me trouxeram um pé-perna-de porco, todo recheado de inverossímeis, como uma delicadeza para o jantar? Parecia uma bota. Do demo, naturalmente. E lendo uma entrevista com W. H. Auden, um inglês muito sofisticado, o entrevistador pergunta-lhe: "O que aconteceu com os seus gatos?" Resposta: "Tivemos que matá-los, pois nossa governanta faleceu". Auden também gostava de miolo, língua, dobradinha, chouriços e achava que "bife" era uma coisa para as classes mais baixas, "de um mau gosto terrível", ele enfatiza. E um outro cara que eu conhecí, todo tímido, parecia sempre um urso triste, também gostava de poesia... Uma tarde veio se despedir, ía morar em Minas... Perguntei: "E todos aqueles gatos de que você gostava tanto?" Resposta: Tive de matá-los". "Mas por que?" Resposta: "Porque gatos gostam da casa e a dona que comprou minha casa não queria os gatos". "Você não podia soltá-los em algum lugar, tentar dar alguns?" Olhou-me aparvalhado: "Mas onde? Pra quem?" "E como você os matou?" "A pauladas", respondeu tranquilo, como se tivesse dado uma morte feliz a todos eles. E por aí a gente pode ir ao infinito. Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin(???) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz? A gente nunca sabe nada sobre o outro. E aquele lá de cima, o Incognoscível, em que centésima carreira de pó cintilante sua bela narina se encontrava quando teve a ideia de criar criaturas e juntá-las?

Oscar, traga os meus sais.



"Delicatessen", de Hilda Hilst (1930-2004) - extraído do jornal "Correio Popular", Campinas(SP), 1993

01/08/2010

"Meu corpo um livro"



Meu corpo um livro de poesia,

Onde tu lês os poemas,

Declamados em silêncio

Por minha pele...

Teu corpo uma epopeia,

Onde minha boca se sacia

Ao resgatar estrofes,

Com sabor a mel.

E na beleza da métrica perfeita

Nossos corpos bailando

Ao som das rimas

Cristalina e poética,

Exalando odores dourados

De primaveras outonais.

Numa lírica rica e fluída,

Onde tu barco eu ondina,

Nos amamos pelos caudais dos rios...

Quiçá sonhos astrais



Dinah Raphaelus, poeta angolana.