DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

04/05/2011

Guerra



Tanto é o sangue

que os rios desistem de seu ritmo,

e o oceano delira e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue

que até a lua se levanta horrível,

e erra nos lugares serenos,

sonâmbula de auréolas rubras,

com o fogo do inferno em suas madeixas.


Tanta é a morte

que nem os rostos se conhecem, lado a lado,

e os pedaços de corpos estão por aí

como tábuas sem uso.


Oh, os dedos com alianças perdidas na lama...

Os olhos que já não pestanejam com a poeira...

As bocas de recados perdidos...

O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...


Tanta é a morte

que só as almas formariam colunas,

as almas desprendidas...

- e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas

e os cadáveres ainda armados

e a terra com suas flores ardendo,

e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,

e este mar desvairado de incêndios e náufragos,

e a lua alucinada de seu testemunho,

e nós e vós, imunes,

chorando, apenas, sobre fotografias,

- tudo é um natural armar e desarmar de andaimes

entre tempos vagarosos,

sonhando arquiteturas.


Em "Mar absoluto" - Cecília Meireles, Rio de Janeiro (1901-1964)

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