DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

27/06/2011

O silêncio nunca é respeitado pela história

Wolfgang Amadeos Mozart, por Saverio dalla Rosa
A idéia de instituir uma lei de "silêncio eterno" para certos documentos oficiais foi lançada sem muito sucesso: houve a natural grita de quase todos os setores intelectuais e é bem possível que tudo não passe de uma iniciativa abortada, antes sequer de tomar forma. Há uma incompatibilidade entre o mistério e a democracia. Não deve ser por outra razão que a Igreja Católica cultiva o autoritarismo: nada mais insondável do que a vida dos religiosos fora do confessionário. Para a literatura, no entanto, o mistério é mais que um gênero literário. É a própria razão de um livro. H. Bustos Domecq, pseudônimo do autor policial, criado por Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares, parece ser uma espécie de exacerbação do que, por si, é literatura. Sabemos que no último momento Isidro Parodi - o detetive que desvenda os crimes de dentro da prisão - declinará o nome do assassino. Desfeito o silêncio.
Na paródia dos dois escritores argentinos, os próprios personagens periféricos, são nomes conhecidos da novelística universal de mistério, como o padre Brown, clássico do escritor inglês J.K.Chesterton. A questão do mistério, porém, ou do seu sucedâneo, o silêncio, parece ser que ele acaba, quase sempre, no que se convencionou chamar de segredo de Polichinelo. Numa certa medida o mistério parece, inclusive, ter prazo de validade. A história não tem como prêmio esconder fatos, sejam quais forem.
Em certas celebrações do Vaticano, séculos atrás, executava-se um "Miserere" (uma espécie de pedido de perdão a Deus) do compositor renascentista Gregorio Allegri (1582-1652) que, à parte ser muito belo , "um coro de anjos," dizia-se com certa razão - era uma espécie de monopólio da Igreja. Ninguém, por proibição expressa das autoridades religiosas, podia divulgar a partitura. Era escutá-la e só. Isso até o dia em que um menino de doze anos, no século XVIII, ao assistir o ofício religioso por apenas duas vezes, na Catedral de São Pedro, resolveu escrever, nota por nota, o contraponto intrincado da obra – tarefa de um gênio, mas que se explicava pela identidade do garoto. Tratava-se do Wolfgang Amadeos Mozart. Dali em diante estava quebrado o mistério da grande música da Igreja, o milagre do "canto dos anjos": a partitura, no tempo de divulgação possível para a época, seria, então, acessada pelo resto da Europa e, mais tarde, pelo mundo.
Para Mozart, música alguma constituía mistério. Era ouvi-la, e escrevê-la em seguida. No entanto, ele mesmo, ou melhor, sua biografia, seria assombrada, no futuro, por boatos que supõem mistérios e que acrescentam perguntas, aparentemente irrespondidas para a posteridade. Sua morte prematura prestou-se a muitas conjeturas que quase sempre avançaram para o fantástico. Seu passamento teria sido precedido por uma encomenda secreta de seu famoso réquiem. Durante anos propalou-se que o anúncio de sua própria morte, apareceu-lhe sob a forma de um espectro: ele lhe teria encomendado o réquiem (que Mozart, contudo, não concluiu), mas que deveria ser executado por ocasião da sua própria morte É uma bela página fantástica para as histórias detetivescas, mas se sabe hoje que quem a encomendou foi um nobre, que queria permanecer no anonimato, daí a sua aproximação velada do compositor E que no filme ¨Amadeus¨ aparece, claramente, como um fantasma. Uma inverdade "bene trovata", apenas isso.
Apesar de tudo, porém, persistiu o instigante da morte prematura do compositor. Como "não poderia ter morrido tão moço ", com apenas 35 anos, foi acrescentada uma outra história, ainda mais rocambolesca (palavra, aliás, que vem de Rocambole, um personagem de mistério de uma série saída em folhetim no século XIX, de autoria de Ponson du Terrail). Por ela, Mozart teria sido envenenado, e por ninguém menos que a Maçonaria. A organização secreta a que, de fato, Mozart pertenceu (escreveu várias obras para exaltá-la), teria se sentido devassada pelo compositor. Ao escrever a sua ópera "Flauta Mágica", Mozart teria revelado vários segredos do grupo esotérico. Sabe-se que isso, comprovadamente, não aconteceu, mas desde que se mantivesse silêncio a respeito, ficaria a dúvida.
Na verdade, nada desses acontecimentos tem a ver com qualquer coisa parecida com o "silêncio eterno" reivindicado por alguns políticos da base do governo. Essa é uma suposição que fica da Igreja, ou melhor, de todas as igrejas. E, mais que tudo, de todas as organizações, inclusive as empresariais. Quando não, por grupos clandestinos, que vão do IRA irlandês, a Al Qaeda islâmica. Mas disso se sabe tanto, que é até ocioso fazer qualquer menção.
Chesterton, inspirador de Borges e de Bioy Casares em muitos bons momentos de seus escritos, não apenas aos que pertencem ao gênero explicitamente ¨de mistério¨, aponta, não raras vezes, para o fantástico. Num de seus romances, em que a palavra "delicioso" talvez não seja um juízo exagerado, há que se aduzir o fantástico. Chama-se "O Homem que foi Quinta-Feira". Como o intrigante do título sugere, é um livro detetivesco , mas com um tom farsesco que se aproxima do incrível. De repente, lá pelo fim do livro, o grande vilão não é quem pensamos, se é que existe um vilão. E, nas últimas páginas, o que resta é o poético.
Talvez seja essa a questão do silêncio: ele valerá para o mistério na dimensão em que não se diz. Um dos maiores filmes de terror de todos os tempos traduzido como "Os Inocentes", do inglês Jack Klayton, assusta por nunca mostrar explicitamente as fantasmagorias. É como se os personagens fôssemos nós mesmos. A todo o momento ficamos na dúvida se estamos vendo o que parece nos observar do meio do lago. Os monstros não são explícitos e , no final, a questão persiste em aberto. Pois as dúvidas - os silêncios - são os que mais nos incomodam. E assustam.
Talvez fosse isso que o senador autor da proposta sobre a tal lei do silêncio eterno, na verdade, quisesse: que os brasileiros ficássemos na expectativa de que tenhamos medo da nossa história. Para exemplificar, o senador citou o Barão do Rio Branco. Como criador da Chancelaria, antes e depois da República, o Barão teria segredos a manter sobre o Brasil. Claramente, o tal senador, não se referiu à ditadura militar recente que a rigor, não tem como se manter silenciosa, já que os gritos dos torturados ainda ressoam entre nós, pois muitos estão vivos ainda. Mas ao se referir ao criador do Itamarati, ele talvez se referisse, entre outros, ao que quase todos sabemos; que a tomada do Acre pelos brasileiros, talvez não seja de molde mesmo a aquietar nossa consciência, já que o gaúcho Plácido de Castro, que chefiou os seringueiros contra o exército boliviano, era claramente um agente provocador a serviço do Brasil. E talvez tenha sido assassinado justamente como "Queima de Arquivo", uma história que, afinal, talvez a Globo nunca estivesse disposta a contar.
A questão, porém, continua: onde o segredo ou o silêncio, por mais "obsequioso" que seja?
No fundo, de novo, quem sabe, naquilo que a Igreja chama justamente de "Silêncio Obsequioso" que seria um calar boca que o candidato ao mutismo aceitaria de bom grado, como uma espécie de aceitação de sua confissão, de que errou em alguns pontos doutrinários. Mesmo isso, porém, sem qualquer intromissão via internet , tal qual o wikleaks , mostra-se, no mínimo, fragilíssimo. Acaba de sair nos Estados Unidos o livro de um jornalista norte-americano, "católico praticante" como ele se define, em que são reveladas com nomes e endereços, os casos de homossexualismo e de práticas heterossexuais de membros teoricamente celibatários, da Igreja. Em que até mesmo a prática do aborto - justamente para evitar escândalos, como sempre -seria explicitamente recomendada por bispos e outros membros da hierarquia da Igreja. Não se trata evidentemente de um assunto para ser discutido em colunas sociais. Ou em páginas em que se fale da arte e da cultura. Mas são casos claros em que o que sobra, afinal, é o sempiterno segredo de Polichinelo. Todo o mundo sabe,
Paganini gostava de fazer segredo quanto a sua técnica prodigiosa ao violino. Muitos juravam que ele tinha feito pacto com o demônio. Era uma história que o violinista sempre fez questão de não desmentir. O silêncio sobre sua técnica, porém, nunca foi além do que ele escrevia. E na medida em que outros instrumentistas se jogavam no violino, estudando-o e praticando-o, mais e mais foi se impondo a crença, não de que Paganini tivesse feito qualquer acerto com satanás, mas de que tudo estava nos dedos para quem quer que tivesse talento e vontade para chegar ao seu virtuosismo. Hoje sabemos que um músico extraordinário pode se alçar ao domínio que Paganini tinha de seu instrumento. Nunca houve segredo algum. Seria, aliás, uma bobagem para a sua memória que somente ele, apenas ele, tocasse as músicas que compôs.
Digamos que seja esse o limite do segredo - que é de não ser senão o começo da verdade. Pois daí, quem sabe, advenha todo o mistério, o mistério de Paganini. Mas também da história. Não será por a termos engavetada em arquivos indevassáveis, que ela deixará de bramir. As verdades são, ou se tornam caixas de pandora quando as tentamos reduzir ao silêncio eterno. Um dia elas se abrem e os monstros , como os de moninhos da lenda, vem nos puxar as pernas em nossas camas. Salve-se quem puder.


Enio Squeff, jornalista e artista plástico.

26/06/2011

O valor da crítica

Malangatana

Sem crítica não haveria progresso. Quanto a isso não há a menor dúvida. A crítica aponta o erro, esclarece, permite ao criticado corrigir a sua trajetória equivocada. A crítica põe fim às ilusões. Marx disse: “A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem usasse as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas sim para que retirasse as cadeias e apanhasse a flor viva”.
Sendo a crítica coisa necessária, indispensável até, por que algumas pessoas vêem a crítica como algo a ser evitado, como ofensa, como deselegância, como grosseria?
Afinal de contas, o que é crítica? Vejamos o que dizem os dicionários.
Para começar, um dos conceitos diz que crítica é “Apreciação minuciosa”, e quanto a isso não se pode emitir opinião desfavorável, o que implicaria na defesa de “apreciações descuidadas, levianas, irresponsáveis” ou na abolição de todas as apreciações.
Outro conceito diz que crítica é “Apreciação desfavorável”. Quanto a isso não pode haver reparos, pois ninguém está obrigado a ter opinião favorável sobre tudo. As pessoas sempre estão contra ou a favor de alguma coisa. Podendo ou não ter razão.
Quanto ao conceito que diz que crítica pode ser “Censura, maledicência”, talvez seja esse em que os que vêem a crítica como coisa condenável mais se apeguem. Mas nem essa definição pode ser aceita como argumento contra a crítica. Vejamos. Censura pode ser “exame crítico de obras literárias ou artísticas”. Nesse sentido a palavra ficou mal vista em nosso meio tendo em vista a ação da censura durante alguns regimes de exceção. O problema, contudo, não estava na censura mas sim nos regimes e na maneira pela qual eles exerciam essa censura. Mas um censor pode decidir que um certo filme ou espetáculo seja inapropriado para uma determinada faixa etária e nada estaria de errado com isso. Os pais fazem isso sistematicamente como, por exemplo, quando tentam impedir que os filhos “andem em más companhias”. Censura pode ser “crítica com o fim de corrigir”. E se é para corrigir algo que esteja errado então não pode haver condenação. Censura pode ser também “admoestação, repreensão”, que são coisas que autoridades, pais e professores fazem sistematicamente, coisas naturais e legítimas. No que concerne à maledicência, que os dicionários dizem que é “ato ou efeito de dizer mal”, também não dá, por essa interpretação, para condenar a crítica, pois não se pode falar bem de tudo e de todos. De algumas coisas se fala mal, de outras se fala bem.
Crítica também é “Discussão para elucidar fatos e textos”. Se é para elucidar não há o que condenar.
Também pode ser “Exame do valor dos documentos”. Ora, examinar o valor das coisas se faz a toda hora, nada há de condenável.
A concepção seguinte fala em “Arte ou faculdade de julgar o mérito das obras científicas, literárias e artísticas”. Machado de Assis fez crítica teatral. Wilson Martins fez crítica literária. Estariam os dois fazendo coisa errada?
Por outro lado, sendo a crítica também “Juízo fundamentado acerca de obra científica, literária ou artística”, não pode, por isso ser condenada.
Finalmente temos o conceito que diz que crítica é “Parte da filosofia que estuda os critérios”. Há algo de mal nisso?
Todo mundo sabe que jornais e políticos de oposição criticam os governos. Resta saber se o fazem dentro dos conceitos definidos e adotados para o que se entende por crítica. Caso contrário o que se pretende fazer passar por crítica pode ser, na verdade, mentira, pura e simplesmente, quando não calúnia e difamação. A crítica há de ser feita, em geral, sobre fatos concretos, comprováveis e observáveis. Um pai deixa de comprar comida para os filhos porque gastou o dinheiro no jogo. A própria mulher e os filhos o criticam por isso. Um governante desvia dinheiro público. Vamos criticá-lo. A programação televisiva é de baixa qualidade? Vamos criticá-la. O ensino público é ruim? Vamos criticá-lo. Os professores são mal remunerados? Vamos criticar essa situação. A seleção jogou mal? A crítica faz parte do nosso cotidiano.
Naturalmente que tem pessoas que não gostam de ser criticadas. Entre elas destaquem-se, especialmente, alguns governantes. Uma jornalista, sendo entrevistada num programa de televisão, contou uma conversa que teve com o general Costa e Silva. O general, que era então presidente do Brasil, se queixou do tratamento que a jornalista dava a ele no jornal em que escrevia. A jornalista se defendeu dizendo que era imparcial com o governo e que, na verdade, nem o criticava. Diante disso Costa e Silva fez a seguinte observação: “É, mas eu gosto mesmo é de elogio”.
Esse episódio é bastante revelador da natureza humana porque, no fundo, todo mundo gosta de receber elogios, mas nem todos convivem bem com as críticas. Os antigos diziam “Obsequium amicus, veritas odium parit”. Segundo o meu dicionário “Latim-Português” do F.R. dos Santos Saraiva (Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1993), obsequium significa “complacência”, “condescendência”, “deferência”, “submissão”, “humildade”, “docilidade”, “ação de ceder”, “de se deixar ir”. Ou seja, se a pessoa for humilde, submissa, dócil, o que às vezes não deixará de ser uma atitude falsa e hipócrita, ela terá mais facilidade de fazer amigos. Mas se disser a verdade, ou seja, se for franca, honesta, provocará o ódio.
O que fazer, então? Achar, panglossianamente, que vivemos no melhor dos mundos e achar que tudo corre às mil maravilhas?
O médico, crítico literário, professor, membro da Academia Brasileira de Letras, Afrânio Coutinho, que nasceu em Salvador, Bahia, em 15 de março de 1911 e morreu no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 2000, dizia que era preciso criar uma “classe de homens desagradáveis” para dizer certas coisas que precisam ser ditas, mas que ninguém diz. O que mostra que o ilustre acadêmico era um defensor da crítica.
De minha parte, eu penso que o problema não está na crítica, mas, em geral, nos que criticam a crítica e os críticos, sem se dar conta de que também são críticos.

Alfredo Pereira dos Santos, em http://redecastorphoto.blogspot.com/

22/06/2011

A confissão do acendedor de candeeiros



Eu que ponho luz nas noites.

Eu é que desafio o vento.Vocês repousam nas lareiras quentes das vossas famílias. Meu tremor na mão é já certo, a velhice me acusa todos os dias uma nova pontada nas costas. Estou seco - pele e veias. Não faz mal: meus olhos inda brilham, minha escada inda me perdoa tonturas de todos os anos que eu lhe subí com este carinho teimoso. Eu é que meto medo na escuridão. Meus passos fazem ela recuar velozmente. Eu, o pesadelo do breu, o matador de negrumes! Sou irmão das estrelas, acendo as primas delas aqui na terra. Lá nos céus universais, elas me cumprimentam com brilhos sorridos, ou serão sorrisos brilhantes? Toda estrela é luz bonita que nunca soube descansar de alegrar a noite. Toda noite é palco para estrelas, candeeiros e olhos acontecerem. Eu da velhice tenho respeito, da morte tenho medo nas carícias dela. Mesmo não queria morrer, eu. Assim velho, ía pedir reconstrução de uns candeeiros cambutas, onde eu, a empurrões suaves, um miúdo me ajudasse, pudesse no tempo acender meus candeeiros mais baixos. Eu é que faço esta cidade invadir-se de falsos pirilampos. Minhas mãos afinal dão luzes. Cada candeeiro - uma casinha que nenhuma noite eu posso esquecer de acender e soprar. Essa escada é minha outra perna, sem ela a escuridão me derruba. Mesmo o vento me empurra mas não sabe me sustar. Esses meus candeeiros, cada qual sua janela de vidro, estão muito agasalhados. E a lareira deles, eu que todos os dias, todas noites, acendo. Essas são minhas mais alegres lareiras - vocês repousam nas lareiras das vossas famílias. Minha vida só acontece de noite. Sou muito veloz a percorrer ruas porque minha missão me mete carinho de amor - eu gosto muito d'acender a noite. Esse meu reumatismo me quer enferrujar, ser a mancha nos meus prazeres. Eu de noite lhe fujo, de madrugada lhe acolho, de manhã lhe sofro. Velhice é todos os dias ir despedindo um pouco coisas que inda nos tocam as paredes do coração. Durante esta minha vida acendí candeeiros pela simples poesia desse gesto, sendo, cada chama, um poema que eu escrevia para quem passava. Depois, depois do último, acariciava minha escada amiga. A dois, dividíamos um momento de frio: esses que passam olham meus candeeiros? Esses que vão para casa, pras famílias deles, lareiras deles, olham as minhas chamas noturnas? Eu é que ponho luz nas noites, meto medo na escuridão, invento pirilampos na cidade. Fosse crente, julgaria fazer jogo de luzes pra deus. Como sou velho, julgo ter sido poeta das luzes, escrevedor das velas, conhecedor das ceras escorridas, quer dizer, artífice das minúsculas luzes amarelas. Minha vida acontece de noite - eu fosse uma chama provisória. Quando olho o céu, lhe vejo assim pintalgado de brilhos, indago-me: e eu, quem me acendeu sempre, enquanto acendí estrelas aqui na terra?

Eu é que sou o velho - todos dias me despeço dos últimos candeeiros que inda me acendem o coração.


Extraído de E se amanhã o medo, de Ondjaki - escritor angolano nascido em Luanda

19/06/2011

Lisboa revisitada



Não: Não quero nada.

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões.

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral.

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos,

não me enfileirem conquistas

das ciências (das ciências, Deus meu!) -

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo:

Com todo o direito, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, cotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Ah, que maçada, querem que eu seja da companhia!

Ó céu azul - o mesmo da minha infância -

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

pequena verdade onde o céu se reflete!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais,

nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o abismo e o silêncio quero estar sozinho!


Álvaro de Campos por Fernando Pessoa

18/06/2011

Henry Fuseli



Ser ou não ser - eis a questão.

Será mais nobre sofrer na alma

Pedradas e flechadas do destino feroz

Ou pegar em armas contra o mar de angústias -

E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;

Só isso. E com o sono - dizem - extinguir

Dores do coração e as mil mazelas naturais

A que a carne é sujeita; eis uma consumação

Ardentemente desejável. Morrer - dormir -

Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!

Os sonhos que hão de vir no sono da morte

Quando tivermos escapado ao tumulto vital

Nos obrigam a hesitar; e é essa reflexão

Que dá à desventura uma vida tão longa

Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,

A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,

As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,

A prepotência do mando, e o achincalhe

Que o mérito paciente recebe dos inúteis,

Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso

Com um simples punhal? Quem aguentaria fardos

Gemendo e suando numa vida servil,

Senão porque o terror de alguma coisa após a morte -

O país não descoberto, de cujos confins

Jamais voltou nenhum viajante - nos confunde a vontade

Nos faz preferir e suportar os males que já temos,

A fugirmos pra outros que desconhecemos?

E assim a reflexão faz todos nós covardes.

E assim o matiz natural da decisão

Se transforma no doentio pálido pensamento.

E empreitadas de vigor e coragem,

Refletidas demais, saem de seu caminho,

Perdem o nome de ação.


William Shakespeare, em Hamlet. (1564-1616)

12/06/2011

Machadianas



(................)

Upa! Cá estamos. Custou-te, não, leitor amigo? É para que não acredites nas pessoas que vão ao Corcovado, e dizem que alí a impressão da altura é tal, que o homem fica sendo coisa nenhuma. Opinião pânica e falsa, falsa como Judas e outros diamantes. Não creias tu nisso, leitor amado. Nem Corcovados, nem Himalaias valem muita coisa ao pé da tua cabeça, que os mede. Cá estamos. Olha bem que é a cabeça do cônego. Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por este, que é onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da esquerda. Descoberta minha, que, ainda assim, não é a principal, mas a base dela, como se vai ver. Sim, meu senhor, os adjetivos nascem de um lado, e os substantivos de outro, e toda a sorte de vocábulos está assim dividida por motivo da diferença sexual...

- Sexual?

Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psico-léxico-lógica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra tem sexo.

- Mas então, amam-se umas às outras?

Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo. Senhora minha, confesse que não entendeu nada.

- Confesso que não.

Pois entre aqui também na cabeça do cônego. Estão justamente a suspirar deste lado. Sabe quem é que suspira? É o substantivo de há pouco, o tal que o cônego escreveu no papel, quando suspendeu a pena.

Machado de Assis, em O cônego ou a metafísica do estilo - Várias Histórias - 1896.

10/06/2011

Sobre pessoas (Crônicas - 2)



Os dois ladrões


O primeiro era apenas um Zé, ou Zé Preto. O Zé do velho Lolô chamava de "Papai Lolô", embora não fosse seu filho. Nunca se soube quem foram seus pais, nem se chegou a conhecê-los. Corria a lenda de que aquele Zé havia sido encontrado numa porteira, dentro de um cesto. Outro mistério envolvia o seu achamento largado nu e solitário, ele no entanto sorria. Como se fosse a criança mais feliz desse mundo.

A bem da verdade, eu ainda não havia nascido quando isso aconteceu, se é que essa história não foi pura imaginação de um povo que vivia inventando histórias para espantar o medo da noite - ou para não perder o juízo. O certo é que, quando me dei por gente, Zé Preto já era um meninão grande, forte e risão. Nós, os garotos menores - meus primos e eu - vivíamos brincando com ele. Aquelas coisas da roça: bater pernas pelos pastos, caçar passarinhos, pegar canário, armar arapuca para codorna, pescar no riacho, subir em pé de urubuzeiro, espetar tanajura. E foi assim que o conhecí: já o Zé de Papai Lolô e Mamãe Adelaide, que vinham a ser os meus avós paternos. Logo, ele era como se fosse meu tio. Meu tio preto.

E assim ele cresceu: trabalhando a terra na enxada e no arado, cuidando do gado, fazendo os mandados.. Até tornar-se o carreiro de bois, a transportar sacos de feijão e de milho, carradas de areia e de madeira (gente também) pra todo lado. E como aquele carro de bois cantava nas estradas! A meninada adorava pegar uma carona nele. Não, Zé Preto não era apenas um agregado do meu avô. Era meu amigo.

Um dia fez-se a desgraça. Alguém das vizinhanças deu falta de uma galinha e cismou que o Zé a havia roubado. Alvoroço no povoado. Soldados no seu encalço. Zé foi apanhado na roça em que sempre esteve e levado aos empurrões e pontapés para a delegacia, onde um sargento truculento o aguardava com uma palmatória que devia pesar um bom meio quilo.

"Confessa negro" - o interrogatório do sargento era feito ao som das palmadas, que se alternavam de uma mão à outra. E as mãos do Zé íam engordando, inchando,estourando. E ele, os olhos se esbugalhando, jurava por tudo quanto era santo que não havia roubado galinha nenhuma. E quanto mais negava, mais apanhava. Tome soco, chute, bordoada. Quando meu avô chegou para tentar libertá-lo, encontrou-o desmaiado. Zé morreu um ano depois. Jamais se soube se das pancadas ou de desgosto. Ou das duas.

O outro era ladrão mesmo. Roubava gado. Chamava-se Dominguinhos, filho do velho Domingos, um fazendeiro endinheirado. Nunca foi apanhado. Quando as denúncias começaram, ele caiu no mundo - o maravilhoso mundo da impunidade. E essa é apenas mais uma história de ladrões cuja moral já se tornou clássica.


Antonio Torres

09/06/2011

Sobre pessoas (Crônicas)



O palhaço e o poeta


O palhaço se chamava Benjamin de Oliveiram o negro que se tornou uma lenda viva no mundo circense, em que começou como pau-para-toda-obra, vindo a ser o protagonista de um dos capítulos mais vibrantes de sua história, a partir da Proclamação da República.


Aclamado "mestre de gerações" por Procópio Ferreira - considerado o ator do século - e "rei dos palhaços do Brasil" em importantíssimo pleito, ele foi também o galã teatral que, devido ao preconceito racial, tinha de se pintar com alvaiade para desempenhar o papel de Otelo, que exigia dos atores brancos exatamente o contrário: uma mão de tinta preta em suas caras. Mas ainda é um personagem em busca de autores. Para um romance, um filme, uma peça de teatro, uma minissérie

Não faltam talentos que possam representá-lo em suas diferentes idades (morreu aos 84 anos). Olhem aí o Lázaro Ramos e o Milton Gonçalves, além dessa rapeize revelada em Cidade de Deus. Das peripécias da infância à epopeica fuga da sua aldeia, dos golpes do acaso que o levaram ao estrelato e dele ao seu melancólico fim, temos aí um enredo de alta voltagem, em aventura, ação, suspense, emoção, imprevistos.

Nascido em Pará de Minas, Benjamin de Oliveira era filho de um ex-escravo que foi peão da fazenda do avô de Gustavo Capanema, um dos mais reverenciados ministros de Getúlio Vargas. Primeiro emprego: "madrinha de tropa" de burros. Segundo: vendedor de bolos em porta de circo. Acabou fugindo com uns ciganos, que o escravizaram. Escapou deles e caiu no mato, indo parar no estado de São Paulo. Viu um circo e se apresentou. E, de circo em circo, acabou chegando a Cascadura, aqui no Rio. Surpresa: toda noite Floriano Peixoto, o presidente da República, ía assití-lo. E deixava-lhe uma gorjeta, Isso funcionou como deixa para o circo se mudar para bem perto do palácio da presidência.Resultado: o filho do homem, Florianinho, se apaixonou por uma trapezista e seguiu a trupe quando ela foi embora. E virou circense, na dupla condição de chefe da contabilidade e da carteirada , nas encrencas com a polícia. Bastava ele mostrar o seu documento de identificação para livrar a turma da cadeia.

O palhaço negro, que enriqueceu muitos empresários, terminou os seus dias vivendo de uma mísera pensão, conseguida pelo então deputado Jorge Amado.

Agora vamos ao poeta. Este era o chefe de gabinete de Capanema, no Ministério da Educação e Saúde. Uma vez cai-lhe às mãos o processo 6451/41, do Serviço Nacional de Teatro. Assunto: Benjamin de Oliveira, o mais velho palhaço e antigo empresário do pavilhão-teatro, pede o auxílio de pagamento de passagens de 42 artistas e o transporte de todo o material do seu circo, ida e volta, para uma excursão a Belo Horizonte. "Avaliação": "o teatro do requerente" não se enquadrava na proposta de "educação popular" do governo. Despacho final: "Indeferido, em face do parecer. De ordem do sr. Ministro..."

Autografa-o C.Drummond. Em 30.4.41.

E o palhaço dançou.

Antonio Torres, jornalista e escritor nascido em Sátiro Dias (sertão baiano), autor de Essa Terra, Sobre as pessoas(Editora Leitura), Meu querido canibal, Um cão uivando para a lua, entre muitos outros.

07/06/2011

Encomenda






Desejo uma fotografia

como esta - o senhor vê?

- como esta

em que para sempre me ria

com um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,

derrame luz na minha testa.

Deixe esta ruga, que me empresta

um certo ar de sabedoria.

Não me meta fundos de floresta

nem de arbitrária fantasia...

Não...Neste espaço que ainda resta,

ponha uma cadeira vazia.


Cecília Meireles

Foto: Ferdinando Sciana

04/06/2011

Um conto de Antonio Torres



Por um pé de feijão




Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (a nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulhos e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do por-do-sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida.

Até me esquecí da escola, a coisa que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora dava gosto trabalhar.

Os pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos desejar?

No dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos. Para mim, todos estavam enganados. Ía ser cem sacos. Daí para mais. Era só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto tempo. Ela disse que assim eu ía perder o ano e eu lhe disse que foi assim que ganhei um ano. E quando deu meio-dia e a professora disse que podíamos ir, saí correndo. Corrí até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo que ía se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada. E foi logo alí, bem no comecinho da cerca, que eu ví a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.

- Quem será que foi o desgraçado que fez uma coisa dessas? Que infeliz pode ter sido?

E vi os meninos conversarem só comos pensamentos e só o sofrimento se enrugar na cara chamuscada do meu pai, ele que não dizia nada e de vez em quando levantava o chapéu e coçava a cabeça. E ví a cara de boi capado dos trabalhadores e minha mãe falando, falando, falando e eu achando que era melhor se ela calasse a boca.

À tardinha os meninos saíram para o terreiro e ficaram por ali mesmo, jogados, como pintos molhados. A voz de minha mãe continuava balançando as telhas do avarandado. Sentado em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.

Fui o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era tudo. Quando voltei, papai estava falando.

- Ainda temos um feijãozinho-de-corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar, despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.

Eu já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé de feijão



Antonio Torres, jornalista e escritor, nascido no povoado Junco (sertão da Bahia), atualmente cidade de Sátiro Dias, em 1940. Autor de vários romances, destacando-se Essa Terra, Um cão uivando para a lua, Os homens dos pés redondos, Sobre pessoas(crônicas), Meu querido canibal, O cachorro e o lobo, Balada da infância perdida. Seus livros já foram traduzidos para o italiano, inglês, francês, alemão, búlgaro, entre outros. Ganhador de vários prêmios, entre eles o Prêmio Machado de Assis(ABL), Chevalier des Arts et des Lettres(governo francês), União Brasileira de Escritores, etc.

03/06/2011

"Marcha das vadias"

Tudo começou no Canadá, ou melhor, na Universidade de Toronto. Por lá, no campus, ocorreu uma escalada de estupros a vitimar universitárias.
Então, um seminário foi organizado para o dia 24 de janeiro. Tudo para discussões sobre medidas de segurança nos campi das faculdades. Uma das palestras ficou por conta do policial canadense Michael Sanguinetti, que seria, no Brasil, ídolo do deputado Paulo Maluf.
Michael Sanguinetti, a mostrar que estultos existem em todas as polícias do mundo, soltou, preconceituosamente, uma pérola ao tachar as universitárias como corresponsáveis pelas violências sexuais. “Evitem vestir-se como putas se não desejarem se tornar vítimas de estupros. Vocês são estupradas porque se vestem assim.”
Depois dessa manifestação preconceituosa e machista de Sanguinetti, mais de 3 mil mulheres realizaram passeata em Toronto: a Marcha das Vagabundas (SlutWalks). Todas as universitárias saíram vestidas com muito humor. Algumas com roupas íntimas. Muitas com cartazes contendo escritos sugestivos: “Jesus ama as putas”, “Os verdadeiros homens não estupram”, “Também as putas sonham” etc, etc.
A SlutWalks virou um movimento mundial de prosteto contra a violência, pelo respeito à liberdade sexual e contra o preconceito. Em fevereiro já estava no ar o site “SlutWalks”. Pelo mundo ocidental foram realizadas manifestações contra o preconceito nos Estados Unidos, Austrália, Europa e América do Sul (Argentina).
No dia 4 serão realizadas marchas em Amsterdam e Londres.
A marcha de Boston, no dia 7 de maio passado, foi um grande sucesso na luta por civilidade e respeito. Uma das organizadoras, observou: “Historicamente, a palavra puta foi sempre usada para ferir as mulheres que reivindicam igualdade de tratamento”.
Frise-se que o estupro é um hediondo crime contra a liberdade sexual da mulher. E a liberdade de trajar não pode ser vista como justificativa para predadores sexuais.
O movimento SlutWalks é chamado no Brasil de “marcha das vagabundas”. Neste sábado, espera-se milhares de manifestantes na praça dos Ciclistas, a partir das 14h. A marcha é organizada por três amigos e divulgada no FaceBook. Mais de 4 mil internautas já confirmaram presença.

PANO RÁPIDO. Vida longa à organização não-governamental SlutWalks e ao seu sítio de internet (http://www.slutwalktoronto.com/). Abaixo os Sanguinettes, Malufs e Bolsonaros.

Walter Fanganiello Maierovitch
Extraído de http://brasilmostraatuacara.blogspot.com/
Instalação de Robert Morris

01/06/2011

eusemmim.com.br





Em qualquer canal de TV, madrugada

Até o último beijo do último filme dos anos 50.

Em qualquer @ roubo d'alma teclada,

em que "site" minha noite afora entra

Quem está aí que aqui não está?

Muito prazer! Que prazer há de haver?

Meu nome na verdade, não é de verdade.

Mas talvez o poema que sou não chegue a te comover.

Na TV, chuva. Lá fora, chove. Dentro de mim: gotas

Na outra tela, a espera por outra tela que o irreal erre.

Mas o virtual é um virtuoso torna passado o presente

e eu aqui só fico nesse "eusemmim.com.br".


Publicado em "Poeticário", de Carlos Correia Santos, natural de Belém do Pará (PA), jornalista, contista, dramaturgo e romancista, autor de "Velas na Tapera"(romance), "O baú de versos", "Poeticário" e "No último desejo a carne é fria" (contos)

Fotos: skyscrapercity