DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

22/09/2011

Uma "caçoada" de Mário de Andrade





"Prazeres e dores prendem a alma no corpo como um prego. Tornam-na corporal. Consequentemente é impossível para ela chegar pura nos infernos."

( Platão - 427 a.C - 347 a.C.)




Meu corpo profundo ante a manhã Sol

A vida carnaval...

Amigos

Amores

Risadas

Os piás imigrantes me rodeiam pedindo retratinhos

de artistas de cinema,

desses que vêm nos maços de cigarros.

Me sinto a Assunção de Murillo!

Já estou livre da dor...

Mas todo vibro da alegria de viver.

Eis porque minha alma é impura.


Após escrever esse poema Mário de Andrade teria sido vítima de pilhérias, e para "caçoar" dos que o criticaram, escreveu então esse outro a partir da epígrafe de Platão (acima)


PLATÃO

Platão! Por te seguir como eu quisera

Da alegria e da dor me libertando

Ser puro, igual aos deuses que a Quimera

Andou além da vida arquitetando!

Mas como não gozar alegre quando

Brilha esta alva manhã de primavera

- Mulher sensual que junto a mim passando

Meu desejo de gozos exaspera!

A vida é bela! Inúteis as teorias!

Mil vezes a nudeza em que resplendo

A clâmide da ciência, austera e calma!

E caminho entre aromas e harmonias

Amaldiçoando os sábios, bendizendo

A divina impureza de minha alma.


Mário de Andrade, São Paulo(SP) - 1893-1945

4 comentários:

  1. Há quem creia que os trabalhos clássicos, quase renascentistas, que Picasso realizava entremeados na sua produção cubista seriam para "provar" que podia fazê-los se assim quisesse, que tinha competência para tal. Acho que é bobagem isso.

    Mas parece que foi o que Mário de Andrade fez aqui, não é? Como fez também no Prefácio Interessantíssimo: "Por dez anos metrifiquei..." Provou que podia fazer um soneto clássico em decassílabos. Por isso, dá até pra imaginar o Oswald de Andrade censurando essa caçoada que poderia ser uma concessão. Rs.

    Poxa, mas me parece que ele "cristianizou" um tanto, talvez via tradução da época, o pensamento de Platão aí, não sei.

    Difícil imaginar alguém que estudava tanto, pesquisava imenso e não parava de escrever cartas, curtindo assim a vida adoidado, hehehe... Acho que ele tava mais pra se cobrir com a clâmide da literatura e com a militância cultural. Mas se poeta é fingidor...

    Beijo.

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  2. Mas não acho que ele "cristianizou"
    porque acho Platão tão cristão!?
    Até rimou sem eu querer e não querendo mesmo :)
    Oswald e Mário não se bicavam muito bem, e naquela época as divergências eram mesmo acirradas.
    Acho que ele quis mesmo mostrar do que era capaz, e independente de toda a sua erudição e competência,
    chega um momento em que o lado humano
    prevalece e vêm à tona todos os "fingimentos" que um poeta carrega em suas costas, porque ninguém é de ferro!, não achas?

    um beijo

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  3. Ninguém é mesmo de ferro, amiga.
    E as dores tantas e os prazeres muitos são marcas dessa alma-pregada-no-corpo, que já deu mote a tantos tratados teológicos, teleológicos e outros quejandos.
    Valeu por nos trazer de volta tão interessante polêmica desses dois pensadores brasileiríssimos.

    Um bom fim de semana.
    E um abraçamigo e fra/terno.

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  4. Salve!, Salve!, Eurico. Bom te receber por aqui 'tra vez :)
    As polêmicas são sempre saudáveis
    e sempre nos acrescentam algo de
    novo para se pensar sobre coisas já
    estabelecidas, acho.

    Um bom final de semana pra ti
    e um grande abraço

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