DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

23/06/2013

O folhetinista


Bairro do Cosme Velho, onde viveu Machado de Assis




Adeus minha ilusão de um instante, tudo continua velho!


30 de outubro de 1859
 
 

Uma das plantas européas que difficilmente se tem aclimatado entre nós, é o folhetinista. Se é defeito de suas propriedades organicas, ou da incompatibilidade do clima, não o sei eu. Enuncio apenas a verdade. Entretanto, eu disse - difficilmente - o que suppõe algum caso de aclimatação séria. O que não estiver contido n'esta excepção, vê já o leitor que nasceu enfezado, e mesquinho de formas. O folhetinista é originario da França, onde nasceu, e onde vive a seu gosto, como em cama no inverno. De lá espalhou-se pelo mundo, ou pelo menos por onde maiores proporções tomava o grande vehiculo do espirito moderno; fallo do jornal. Espalhado pelo mundo, o folhetinista tratou de accommodar a economia vital de sua organização ás conveniencias das atmospheras locaes. Se o tem conseguido por toda a parte, não é meu fim estudal-o ; cinjo-me ao nosso circulo apenas. Mas comecemos por definir a nova entidade litteraria. O folhetim, disse eu em outra parte, e debaixo de outro pseudonymo, o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista por consequencia do jornalista. Esta intima afinidade é que desenha as saliencias physionomicas na moderna creação. O folhetinista é a fusão admiravel do util e do futil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frivolo. Estes dous elementos, arredados como polos, hecterogeneos como agua e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo animal. Effeito extranho é este, assim produzido pela afinidade assignalada entre o jornalista e o folhetinista. D'aquelle cahe sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, á leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital proprio. O folhetinista, na sociedade, occupa o logar do colibri na esphera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules succulentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a politica. Assim aquinhoado póde dizer-se que não ha entidade mais feliz n'este mundo, excepções feitas. Tem a sociedade deante de sua penna, o publico para lel-o, os ociosos para admiral-o, e a bas-bleus para applaudil-o. Todos o amam, todos o admiram, por que todos têm interesse de estar de bem com esse arauto amavel que levanta nas lojas do jornal, a sua acclamação de hebdomadaria. Entretanto, apesar dessa attenção publica, apesar de todas as vantagens de sua posição, nem todos os dias são tecidos de ouro para os folhetinistas. Ha-os negros, com fios de bronze; á testa d'elles está o dia... adivinhem? o dia de escrever! Não parece? pois é verdade puríssima. Passam-se seculos nas horas que o folhetinista gasta á meza a construir a sua obra. Não é nada, é o cálculo e o dever que vem pedir da abstracção e da liberdade um folhetim! Ora, quando ha materia e o espirito está disposto, a cousa passa-se bem. Mas quando, á falta de assumpto se une aquella morbidez moral, que se póde definir por um amor ao far niente, então é um supplicio

Machado de Assis

5 comentários:

  1. Respostas
    1. Machado de Assis era mesmo magnífico!!!

      Obrigada pela visita, Antônio Eduardo

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  2. O folhetinista é a fusão admiravel do util e do futil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frivolo.

    Isso é que é fantástico, e não é fácil a incumbência diária.

    Beijos, Ci!

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  3. Ouso dizer que o exercício dessa admirável tarefa tem sido rara nos dias atuais! Machado de Assis conheceu de perto os meandros de uma redação de jornal, e sabia como ninguém, o que estava dizendo. Ele possuía o chamado "faro" jornalístico, uma percepção que estava muito à frente do seu tempo; uma visão séria e profunda do que é ser um jornalista, um folhetinista. Coisa que hoje está quase que diluída, infelizmente!

    beijos, Tânia

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  4. MUY INTERESANTISIMO POST. GRACIAS.
    BESOS

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