DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

07/06/2013



 
A José Olympio e Daniel
 
 Eis mais um livro (fio que o último)
de um incurável pernambucano;
se programam ainda publicá-lo,
digam-me, que com pouco o embalsamo.
 
 
É preciso logo embalsamá-lo:
enquanto ele me conviva, vivo,
está sujeito a cortes, enxertos:
terminará amputado do fígado,

 
terminará ganhando outro pâncreas;
e se o pulmão não pode outro estilo
(esta dicção de tosse e gagueira),
 me esgota, vivo, em mim, livro-umbigo.
 
 
Poema nenhum se autonomiza
no primeiro ditar-se, esboçado
nem no construí-lo, nem no passar-se
 a limpo do datilografá-lo.
 
 
Um poema é o que há de mais instável::
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações  
enquanto em nós e de nós existe.
 
Um poema é sempre, como um câncer::
que química, cobalto, indivíduo
parou os pés desse potro solto?
Só o mumificá-lo, pô-lo em livro.
 
João Cabral de Melo Neto

3 comentários:


  1. Um poema é o que há de mais instável::
    ele se multiplica e divide,
    se pratica as quatro operações
    enquanto em nós e de nós existe.

    Perfeito Isso! :-)

    Ah, o que não passa nunca, o que é sempre recém-nascido: um poema atemporal!

    Beijos, Ci!

    ResponderExcluir
  2. FASCINANTE PENSAMIENTO. GRACIAS POR COMPARTIR.
    UN ABRAZO

    ResponderExcluir
  3. Um dos grandes do Brasil e da Lingua Portuguesa!!!

    ResponderExcluir