DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

18/10/2013

O traje novo

 
 
O traje novo que eu desejei
seria claro, leve, inconsútil,
teria raios de sol perdidos,
teria cheiro de campo agreste.
 
Com essa amável túnica branda
eu dançaria pelos caminhos,
aérea, fluida, fantasmagórica,
casada às aves e à ventania.
 
Meus gestos suaves se moveriam
seguindo o embalo verde dos ramos
meu corpo eurítimico encerraria
a ingenuidade profunda e lírica
da água mansa e humilde das fontes.
 
Foram-se as horas, foram-se os dias,
foram-se os sonhos. Naquela estrada
por onde andei na inquieta procura
do traje claro, leve, inconsútil,
o sol morrera. Na noite eterna
havia corpos despedaçados,
vozes gemiam gemidos roucos,
lobos uivavam gelando a treva.
 
E a noite enorme vestiu-me inteira
de uivos de lobos, corpos rangentes,
roucos gemidos, roucos gemidos,
roucos gemidos.
 
Oneyda Alvarenga, Varinha(MG) - 1911-1984. Além de poeta e jornalista, Oneyda era musicista e folclorista; e dirigiu a Discoteca Pública Municipal da Prefeitura de São Paulo. Foi aluna de Mário de Andrade, tornando-se sua colaboradora nos trabalhos de pesquisa sobre o folclore e a música brasileira. 


Um comentário:

  1. Nossa, você é mesmo fazedora e catadora de pérolas, Ci! Oneyda...não, não conhecia: eis mais uma para me falar a qualquer hora da noite, quando a poesia chamar!

    Beijos,

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