DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

28/11/2013

O presente

 
 
 
Vou-te dar um presente
eu gosto de presentes
é uma caixa de jóias
é tão bonita
dentro está um anel com uma pedra preciosa
porque é tão grande?
toma cuidado
dentro está um anel com uma pedra preciosa
mas talvez nunca o chegues a pôr no dedo
na caixa está uma serpente
para pegares no anel tens de abrir a caixa
se abrires a caixa a serpente pode picar-te o dedo
e tu podes morrer
se não abrires a caixa

Adília Lopes, Lisboa, 1960-

25/11/2013

Sob as ondas da imaginação

Nas águas salgadas mergulho as cordas do meu corpo que entoa canções que se propagam em ondas elétricas pelo Universo.
Água viva, água pura, água suja, plásticos, metais, garrafas transportam mensagens de amor, pedidos de ajuda. Meu corpo preso balança no vaivém das ondas, ora calmas, noutras agitadas, formando redemoinhos, oprimindo meu peito, afunilando meu coração.
Águas salgadas que se evaporam, deixando apenas rastros, miniaturas de palavras em estatuetas de sal sob a ação do tempo...


20/11/2013

As muralhas da noite

 
 

A mão ia para as costas da madrugada
As mulheres estendiam as janelas da alegria
nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.
Entre os dentes do mar acendiam-se braços.
Os dias namoravam sob a barba do espelho.
Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.
E da chuva de barcos chegavam colchões, camas, cadeiras,
 manadas de estradas perdidas
onde cantavam soldados de capacetes
por pintar no coração da meia-noite.
Eram os barcos que guardavam as muralhas
da noite que a mão ouvia nas costas da madrugada
 entre os dentes do mar.
 
 
João Maimona, Angola

19/11/2013

Sem título


 Todos os livros ainda estão para serem lidos e suas leituras possíveis são múltiplas e infinitas; o mundo está para ser lido de outras formas; nós mesmos ainda não fomos lidos.
 
Jorge Larrosa, filósofo e professor da Universidade de Barcelona



16/11/2013

...se pudesse...


(...) se pudesse me imaginar numa floresta, emboscado num bosque, ou girando em círculos,  seria o fim dos meus tatibitates,  descreveria as folhas,  uma a uma,  no momento de brotar,  no momento do húmus,  são bons momentos para quem não tem de dizer.  Mas não sou eu, não sou eu,  onde é que estou,  o que estou fazendo, todo esse tempo, (...)
  

Samuel Beckett,  O Inominável

12/11/2013

Dobradinha

Vivian Maier

 
Não sou vítima de nada; não sou vítima da ilusão do conhecimento. Escrever é literalmente um jogo de espelhos, e no meio desse jogo representam-se a cena multiplicada de uma carnificina metafisicamente irrisória.  As caçadas celestes, o esotérico pentagrama corporal, a antropofagia mágica, imprimiram-se no filme docemente truculento do cinema geral do bairro condenado à fruição analfabeta.


Herberto Helder


***

Arakem Alcântara
 
Terrível não é a altura, mas o declive. O declive de onde o olhar se precipita para baixo e a mão se estende para cima. Ali o coração é tomado de vertigem ante a sua dupla vontade.
 
 
Friedrich Nietzche
 
 
 

09/11/2013

Epigrama

 

 
 
A loucura é a grandeza dos simples:
assim são eles mais do que eles,
colhendo flores brancas e reles.
 
Os doidos, de olhos arregalados,
crescem devagar como as árvores:
só não dão folhas e frutos.
 
Amo as suas frases sem sentido:
dobram nelas os sinos abstractos
de um campanário sem janelas.
 
Dai-me ó loucos, a vossa razão
- esses remos de subir o tempo
até à fonte de um deus obsceno e nu.
 
Nuno Júdice,  Lisboa,  (1949  -   )


04/11/2013

"Curiosidades"

Os egípcios utilizavam as fibras  do papiro (planta encontrada às margens do Nilo), cujas tiras serviam como superfície resistente para a escrita hieroglífica. O desenvolvimento do papiro ocorreu em 2 200 a.C. dando origem à palavra papel.

Escrita do antigo Egito


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Os sumérios registravam suas estórias em tijolos de barro, sob a forma de "cunha", que acabou dando o nome ao seu sistema de escrita: cuneiforme.

 

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 Os livros maias tinham páginas semelhantes a um cartão feito de tecido sobre o qual era aplicada uma camada de cal e em seguida desenhados os caracteres e ilustrações. Os cartões eram atados entre si pelas laterais, formando uma longa fita que era dobrada em ziguezague para guardar e ser dobrada para leitura.


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Os romanos escreviam em tábuas de madeira cobertas com cera.

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O papel foi criado pelos chineses no século II, substituindo o papiro e o pergaminho.

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A partir do século XVIII foi criada a técnica da encolagem, que consistia na adição de cola ao papel para impermeabilizá-lo e torná-lo adequado para a escrita.


03/11/2013

Odeon (chorinho)


 
Ai quem me dera
O meu chorinho tanto tempo abandonado
E a melancolia que eu sentia
Tanto ouvia
Ter que fazer canto chorar

Ele me lembra tanto, tanto
De outro encanto de um passado
Que era lindo, era triste, era bom
Igualzinho ao chorinho chamado Odeon

Pensando flauta e cavaquinho
Meu chorinho se desata
Tira da canção no violão esse bordão
Que me dá vida, que me mata
É só carinho, meu chorinho
Quando pega e chega assim devagarzinho
Meia luz, meia voz, meio tom
Meu chorinho Odeon
Abre depressa
Chorinho querido, vem
Mostra a graça que o choro sentido tem
Quanto tempo passou, quanta coisa mudou
Já ninguém chora mais por ninguém

Ah, quem diria que um dia, chorinho meu
Você viria com a graça que o amor lhe deu
Pra dizer não faz mal,
Tanto faz, tanto fez
Eu volto pra chorar por vocês

Chora bastante meu chorinho
Teu chorinho de saudade
Diz ao Bandolim pra não tocar tão lindo assim
Porque parece até maldade
Ai meu chorinho, eu só queria
Transformar em realidade a poesia
Ai que lindo, ai que triste, ai que bom
De um chorinho chamado Odeon

Chorinho antigo, chorinho amigo
Eu até hoje ainda persigo essa ilusão
Essa saudade que vai comigo
Que até parece aquela prece no coração
Se eu pudesse recordar e ser criança
Se eu pudesse renovar minha esperança
Se eu pudesse me lembrar como se dança
Esse chorinho que hoje em dia ninguém sabe mais...

Ernesto Nazareth (música) e letra de Vinícius de Moraes