DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

26/01/2013

A jaula




Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no e depois cantam
. Eu não sei do sol
 
. Sei a melodia do anjo
e o sermão quente do último vento.
Sei gritar até a aurora quando
 a morte pousa nua em minha sombra.
Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade dançam comigo.
 
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.
Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
 
 
LA JAULA
 
Afuera hay sol.
No es más que un sol
pero los hombres lo miran y después cantan.
Yo no sé del sol.
Yo sé la melodía del ángel
y el sermón caliente del último viento.
Sé gritar hasta el alba cuando
la muerte se posa desnuda en mi sombra.
Yo lloro debajo de mi nombre.
Yo agito pañuelos en la noche
 y barcos sedientos de realidad bailan conmigo.
Yo oculto clavos
para escarnecer a mis sueños enfermos.
Afuera hay sol.
Yo me visto de cenizas.
 
Alejandra Pizarnik, Buenos Aires (Argentina), 1936-1972

25/01/2013

PARABÉNS, LUANDA!!!

Luanda, a capital de Angola, completa neste 25 de janeiro, 437 anos. A cidade foi fundada em 1575, quando recebeu o nome de São Paulo da Assunção de Luanda. Sua população é de aproximadamente 5 milhões de habitantes. Vejam o vídeo e conheçam um pouco desse país maravilhoso!!!
 
 


23/01/2013

L'étoile a pleuré rose



 
 
Létoile a pleuré rose au coeur de tes oreilles.
L'infini a roulé blanc de ta nuque à tes reins.
La mer a parlé rousse à tes mammes vermeilles
Et l'Homme saigné noir à ton flanc souverain.
 
 
Arthur Rimbaud, França 1854-1891.
 
 
***
 
 
A estrela chorou rosa  no interior de tuas orelhas.
O infinito rolou branco da tua nuca aos quadris.
O mar perolou de dourado as tuas mamas vermelhas,
e o homem sangrou negro no teu flanco soberano.
 
 
(Tradução livre)

21/01/2013

Guardar silêncio não é tudo

 
 
 
Mas que silêncio, meus amigos, pois eu também tenho amigos em alguma parte, eu o sinto, em alguns momentos, neste momento, que silêncio, meus pobres amigos. E na verdade não é tudo guardar silêncio, mas é preciso ver também que tipo de silêncio se guarda.
 
Samuel Beckett, em O inominável


18/01/2013

Norte e Sul


Essa distinção que alguns cavalheiros procuram estabelecer entre o romance do norte e romance do sul dá ao leitor a impressão de que os escritores brasileiros formam dois grupos, como as pastorinhas do Natal, que dançam e cantam filiadas ao cordão azul ou ao cordão vermelho.
Realmente a geografia não tem nada com isso. Não podemos traçar no mapa uma linha divisória dos campos onde os cordões cantam e dançam.
O que há é que algumas pessoas gostam de escrever sobre coisas que existem na realidade, outras preferem tratar de fatos existentes na imaginação. Esses fatos e essas coisas viram mercadorias. O crítico, munido de balança e outros instrumentos adequados, pode medi-las, pesá-las, decidir sobre a mão-de-obra e a qualidade da matéria-prima, até certo ponto aumentar ou reduzir a procura, mas quem julga definitivcamente é o freguês, que compra e paga.
O fabricante que não acha mercado para o seu produto zanga-se, é natural, queixa-se com razão da estupidez pública, mas não deve atacar abertamente a exposição do vizinho. O ataque feito por um concorrente não merece crédito, o consumidor desconfia dele.
Ora, nestes últimos tempos surgiram referências pouco lisonjeiras às vitrinas onde os autores nordestinos arrumam facas de ponta, chapéus de couro, cenas espalhafatosas, religião negra, o cangaço e o eito, coisas que existem realmente e são recebidas com satisfação pelas criaturas vivas.
As mortas, empalhadas em bibliotecas, naturalmente se aborrecem disso, detestam o sr. Lins do Rêgo, que descobriu muitas verdades há séculos, escondidas no fundo dos canaviais, o sr. Jorge Amado, responsável por aqueles horrores da Ladeira do Pelourinho, a sra. Raquel de Queirós, mulher que se tornou indiscreta depois do "João Miguel".
Os inimigos da vida torcem o nariz e fecham os olhos diante da narrativa crua, da expressão áspera. Querem que se fabrique nos romances um mundo diferente deste, uma confusa humanidade só de almas, cheias de sofrimentos atrapalhados que o leitor comum não entende. Põem essas almas longe da terra, soltas no espaço. Um espiritismo literário excelente como tapeação. Não admitem as dores ordinárias, que sentimos por as encontrarmos em toda a parte, em nós e fora de nós. A miséria é incômoda. Não toquemos em monturos.
São delicados, são refinados, os seus nervos sensíveis em demasia não toleram a imagem da fome e o palavrão obsceno. Façamos frases doces. Ou arranjemos torturas interiores, sem causa. É bom não contar que a moenda da usina triturou o rapaz, o tubarão comeu o barqueiro e um sujeito meteu a faca até o cabo na barriga do outro. Isso é desagradável.
É mesmo. É desagradável, mas é verdade. E o que é mais desagradável, e também verdade, é reconhecer que, apesar de haver sido muitas vezes xingada essa literatura, o público se interessa por ela. Orientemos o público. A ordem é apitar, estrilar, reduzir ao silêncio alguns tipos indesejáveis.
Não há grupo do norte nem grupo do sul, está claro. Mas realmente os nordestinos têm escrito incoveniências. Pois não é que o sr. Amando Fontes* foi dizer que as filhas dos operários se prostituem? Ataquemos o sr. Amando Fontes e outros, os que têm aparecido ultimamente do Ceará  à Bahia, excetuando os que não disseram nada. Vamos falar mal de todos os romancistas que aludem à fome e à miséria das bagaceiras, das prisões, dos bairros operários, das casas de cômodos. Acabemos com isso.
E a literatura se purificará tornar-se-á inofensiva e cor-de-rosa, não provocará o mau humor de ninguém, não perturbará a digestão dos que podem comer. Amém.

 
Graciliano Ramos, em Crônicas brasileiras (abril de 1937)
 
*Amando Fontes, jornalista e escritor, nasceu em Santos(SP) numa família de sergipanos (1899-1963). Deixou dois livros publicados: "Corumba"(1933) e "Rua do Siriri".

16/01/2013

Os sapateiros da literatura

Foi uma questão muito séria que não chamou, como esperávamos, a atenção dos interessados e morreu no nascedouro. O Sr, Mário de Andrade, num dos seus excelentes rodapés do Diário de Notícias, condenou, entre amável e acrimonioso, a literatura feita à pressa, abundante nestes dias de confusão. Um dos nossos grandes homens de letras divergiu azedamente do escritor paulista. Este voltou à carga e afinal o Sr. Joel Silveira, no hebdomadário D. Casmurro, fechou a discussão rápida com uma nota curiosa que infelizmente não foi examinada pelos entendidos. Os telegramas de guerra mataram essa pendência que agora procuro desenterrar.
Em resumo, o Sr. Mário de Andrade sustentou, com citações e argumentos de peso, esta coisa intuitiva: um sujeito que se dedica ao ofício de escrever precisa, antes de tudo, saber escrever. Há tempo o Sr. Rubem Braga, num artigo curto, desprovido de citações e com poucos argumentos, tinha dito o mesmo. Isto é quase uma verdade laplaciana.
Dificilmente podemos coser ideias e sentimentos, apresentá-los ao público, se nos falta a habilidade indispensável à tarefa, da mesma forma que não podemos juntar pedaços de couro e razoavelmente compor um par de sapatos, se os nossos dedos bisonhos não conseguem manejar a faca, a sovela, o cordel e as ilhós. A comparação efetivamente é grosseira: o cordel e ilhós diferem muito de verbos e pronomes. E expostos à venda romance e calçado, muita gente considera o primeiro um objeto nobre e encolhe os ombros diante do segundo, coisa de somenos importância. Essa distinção é o preconceito. Se eu soubesse bater sola e grudar palmilha, estaria colando, martelando. Como não me habituei a semelhante gênero de trabalho, redijo umas linhas, que dentro de poucas horas serão pagas e irão transformar-se num par de sapatos bastante necessários. Para ser franco, devo confessar que esta prosa não se faria se os sapatos não fossem precisos. Por isso desejo que o fabricante deles seja honesto, não tenha metido pedaços de papelão nos tacões. E espero também que os meus fregueses fiquem satisfeitos com a mercadoria que lhes ofereço, aceitem as minhas ideias ou pelo menos, em falta disto, alguns adjetivos que enfeitam o produto.
Evidentemente o Sr. Mário de Andrade, homem de cultura e gosto, não iria aproximar um escritor dum operário. Mas agora estou pensando nos rapazes do D. Casmurro. E não atino com a razão por que eles torceram o nariz à oponião do crítico.
Afinal, que são os rapazes do D. Casmurro?  Os sapateiros da literatura. Não se zanguem, é isto. Somos sapateiros, apenas. Quando, há alguns anos, desconhecidos, encolhidos e magros, descemos das nossas terras miseráveis, éramos retirantes, os flagelados da literatura. Tomamos o costume de arrastar os pés no asfalto, frequentamos as livrarias e os jornais, arranjamos por aí ocupações precárias e ficamos na tripeça, cosendo, batendo, grudando.
Certamente há outros que são literatos por nomeação. Necessitamos letras, como qualquer país civilizado, e escolhemos para representá-las um certo número de indivíduos que se vestem bem, comem direito, gargarejam discursos, dançam e conversam besteira com muita suficiência.
Os rapazes do D. Casmurro, uns pobres-diabos, não sabem fazer nada disso. Peçam ao Sr. Joel Silveira ou ao Sr. Wilson Lacerda uma conferência a respeito do namoro e verão o desastre: as moças da platéia se chatearão horrivelmente.
Restam, pois, a esses desgraçados, a essas criaturas famintas as novelas e a faca miúda com que se corta o couro. Mas é preciso que a faca e as novelas sejam bem manejadas. Quando lá fora disserem: "Esta crônica está bem feita, este livro é mais ou menos legível", os autores, uns infelizes, pensarão: "Bem. Não há no mundo uma pessoa que tenha interesse em elogiar-nos. Fizemos qualquer coisa apreciável, é claro." E dormirão tranquilos um sono curto.
Enfim as novelas furam e a faca pequena corta. São armas insignificantes, mas são armas. 


Graciliano Ramos, crônica publicada no livro  Linhas tortas - Editora Record, 1962

11/01/2013

O Leviatã Midiático

Com reportagem de Eric Nepomuceno sob o título de  O Leviatã Midiático, Carta Capital n˚729 mostra a formação do Clarín, símbolo maior do oligopólio dos meios de comunicação na Argentina. É assustador!

“Por trás desse conglomerado gigantesco, além do mais, há histórias escabrosas. O jornal Clarín surgiu em 1945, de forma relativamente modesta. Seu fundador, Roberto Noble, era um fervoroso admirador de duas figuras que haviam marcado época e deixado um rastro de barbaridades: um italiano chamado Benito Mussolini e um austríaco chamado Adolf Hitler. Terminada a Segunda Guerra Mundial, vencidos e mortos os dois, Noble achava que parte de suas ideias merecia ser resgatada. Quando Juan Domingo Perón foi derrubado por um golpe militar em 1955, o Clarín demonstrou claras simpatias pelo novo regime. E assim foi. Havia outros grandes jornais que faziam pesada sombra. E se hoje é um dos diários de maior circulação na América Latina, até a última ditadura argentina (1976-1983) nunca deixou de ser um jornal de segunda linha, sem a tradição do conservador La Nación ou a ousadia de publicações que inovaram a imprensa do país, como a revista Primera Plana dos anos 60 ou o jornal La Opinión dos primeiros anos 70. Na ditadura, o jornal ganhou corpo e voz. E tornou-se um grupo importante, graças às manobras de seu executivo, Héctor Magnetto, que começou como contador e hoje é o segundo maior acionista da empresa. Além da cumplicidade aberta com o regime genocida, o jornal – ao lado do vetusto La Nación e o popularesco (hoje desaparecido) La Razón – conseguiu um maná a preço de banana: apoderar-se do Papel Prensa, única fábrica papeleira da Argentina. A apropriação é uma das tantas histórias de horror absoluto da ditadura iniciada pelo general Jorge Rafael Videla e continuada por outros adeptos da barbárie como meio de vida. A Papel Prensa era, por certo, um negócio confuso. Foi fundada durante os efêmeros governos peronistas por um jovem e ousado financista, David Graiver, que contava com o apoio de José Gelbard, ministro de Economia de Héctor Cámpora e do próprio Perón. Graiver morreu num misterioso desastre aéreo no México, em agosto de 1976, quando a ditadura encabeçada por Videla cumpria cinco meses de horror. Sua viúva, Lidia Papaleo de Graiver, e a filha eram as herdeiras majoritárias, além de outros familiares do marido. Naquele período, além de torturar, assassinar, desaparecer e mandar para o exílio dezenas de milhares de argentinos, os militares se distraiam apoderando-se dos bens de suas vítimas. Gravier era especialmente odiado. Além de judeu, era considerado (e muito, possivelmente com razão) o administrador da fortuna do grupo guerrilheiro peronista Montoneros, criada a partir de resgates milionários obtidos em sequestros. A Papel Prensa era um butim muito ambicionado. Logo depois da morte de Graiver, sua viúva voltou para a Argentina. Queria cuidar das propriedades do marido morto. Foi quando conheceu a face cruel da ditadura e o rosto macabro de Magnetto. Presa, foi pressionada a vender as ações da Papel Prensa para um trio formado pelo Clarín, o La Prensa e o La Razón, além de uma participação que permanecia nas mãos do Estado. Fragilizada, Sob todo tipo de pressão – ameaçavam matá-la e desaparecer com sua filha, na época um bebê de 1 ano de vida -, capitulou. Vendeu suas ações e recebeu como sinal cerca de 8 mil dólares. O resto – outros 2 milhões, preço insignificante diante do que a Papel Prensa realmente valia – nunca foi pago. Até hoje ela move, na Justiça argentina, um processo na tentativa de receber o combinado. Neste ano, diante de um tribunal, ela contou como foi a venda e, principalmente, o que aconteceu em seguida. Disse que pouco depois de ter assinado a papelada, foi presa. Há razões para que a prisão acontecesse depois da venda da Papel Prensa. Uma lei determinava que os bens dos subversivos presos ou mortos passassem diretamente às mãos do Estado. A ditadura queria compensar seus aliados da mídia. Prender Lidia Papaleo significaria passar a única fábrica de papel do país para o Estado. Feita a transação, sobrava uma viúva jovem, atraente, e certamente dona do segredo de outros milhões de dólares. Seus algozes queriam encontrar o dinheiro deixado por Graiver. Diante do tribunal, Lídia Papaleo contou como foi violada, agredida, vexada. Teve o tímpano arrebentado a golpes de mão aberta contra o ouvido. Muitas vezes, depois de estuprada, era levada de volta para a cela e jogada, nua, no chão. “E então, contou ela ao juiz, “eles vinham e cuspiam, urinavam e ejaculavam em cima de mim”. Contou que até hoje, em seus pesadelos, revê o rosto de seus torturadores. E disse que nenhum desses rostos a amedronta mais do que o do homem que a pressionou para assinar os documentos da venda da Papel Prensa. Os olhos do homem que dizia, com uma voz serena e calma, que ou ela assinava, ou veria sua filha ser morta, antes de ela mesma ser assassinada. Esse homem chama-se Héctor Magnetto e é o presidente do Clarín, do qual detém 33% das ações. Graças a ele e aos seus métodos, o grupo tornou-se o que é hoje. É ele o patrão dos paladinos que dizem e asseguram que a Lei de Meios é um atentado à liberdade de expressão. É à sua voz que fazem eco os conglomerados de comunicação do Brasil. Cristina Kirchner acaba de cumprir o primeiro ano de seu segundo mandato, envolvida numa briga tremenda com o grupo capitaneado por semelhante personagem. O país enfrenta, seu governo também enfrenta, é verdade, um amontoado de problemas significativos. A inflação está em níveis elevadíssimos (deve rondar ou superar a marca dos 25%, em 2012), a economia apenas engatinha após anos de forte impulso, a classe média concentrada, principalmente, em Buenos Aires, e que sempre expressou contra o peronismo algo muito parecido ao preconceito (quando não ao ódio) de classe, se opõe de maneira cada vez mais radical a tudo que seu governo faz. Há acusações de corrupção, e, certamente, uma parte consistente delas tem fundamento. Os investidores desconfiam de suas ações, algumas multinacionais abandonam o país, há sérias dificuldades para obter divisas e honrar os compromissos internacionais. Nada disso parece insolúvel. Se ela conseguir, e tudo indica que conseguirá, desmontar um conglomerado ávido e feroz, que nasce a partir de uma história de horror e indecência, terá deixado uma significativa marca. E um exemplo – outro – para os vizinhos: da mesma forma que é possível resgatar o passado e fulminar a impunidade de quem cometeu crimes de lesa-humanidade, é possível desmontar os monopólios e democratizar a informação.”

09/01/2013

O sábio louco

 
O sábio louco ía arrumando pacientemente
os pedaços de corpos humanos que caíam
que caíam como chuva
que vinham nas asas das abelhas
e nos sinais dos telégrafos Morse.
 
Depois da beira do abismo
um a um os corpos íam se despencando
assim mesmo de braços cruzados
atropelando no caminho
os automóveis e as almas penadas.
 
 
João Cabral de Melo Neto, Recife(PE) - 1920-1999

07/01/2013

Lundu do escritor difícil





Eu sou um escritor difícil
  Que a muita gente enquizila,
  Porém essa culpa é fácil
  De se acabar duma vez:
  É só tirar a cortina
  Que entra luz nesta escurez.
 
  Cortina de brim caipora,
  Com teia caranguejeira
  E enfeite ruim de caipira,
  Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
 
  Tanta luz nesta capoeira
  Tal-e-qual numa gupiara.
  Mas gaúcho maranhense
  Que pára no Mato Grosso,
  Bate este angu de caroço
  Ver sopa de caruru;
  A vida é mesmo um buraco,
  Bobo é quem não é tatu!
 
  Eu sou um escritor difícil,
  Porém culpa de quem é!...
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
 Bajé, pixé, chué, ôh "xavié"
  De tão fácil virou fóssil,
  O difícil é aprender!
  Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
 
Não carece vestir tanga
  Pra penetrar meu caçanje!
  Você sabe o francês "singe"
  Mas não sabe o que é guariba?
  — Pois é macaco, seu mano,
  Que só sabe o que é da estranja.
 
 
Mário de Andrade, São Paulo(SP) - 1839-1945

04/01/2013

 
Fayga Ostrower

 


o novo
não me choca mais
nada de novo
sob o sol
 
 
apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo
 
 
Paulo Leminski

03/01/2013

Desejo



Victor Hugo
 

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.