DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

26/02/2013

Por que escrevo? ( II )

Escrita ideográfica
 
 
Desde que me conheço é aquilo que faço. Às vezes tenho saudade da medicina, que deixei em 85. Àquela altura tinha a sensação de utilidade imediata: era muito agradável ver as pessoas melhorando e ficarem boas. Acho que há motivos que levam uma pessoa a escrever que não são conscientes, mas acho que há uma parte que tem função de catarse, como fator equilibrante. Podíamos modificar a Bíblia e em vez de dizer 'no princípio era o Verbo' [João1,1]dizer 'ao princípio era a depressão' porque, no fundo, nossa vida é a forma que encontramos para lutar contra a depressão. Viver, talvez, não seja mais que isso.
 
 
António Lobo Antunes, Lisboa, Portugal - 1942.
 
 
 
Posso  dizer sem exagero, sem fazer fita, que não sou propriamente um escritor. Sou uma pessoa que gosta de escrever, que conseguiu talvez exprimir algumas de suas inquietações, seus problemas íntimos, que os projetou no papel, fazendo uma espécie de psicanálise dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque não havia analista no meu tempo, em Minas.
 
 
Carlos Drummond de Andrade, Itabira (MG) - 1902-1987
 
 
 
Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que foi essa que seguí. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez que vou escrever é como se se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.
 
Clarice Lispector, nasceu na Ucrânia em 1920, e veio para Recife(PE) ainda criança. Faleceu no Rio de Janeiro em 1977. 

23/02/2013

Por que escrevo? ( I )


 
 

Às vezes, quando vejo o que se passa no mundo, pergunto-me para que escrever? Mas, há que trabalhar, trabalhar. E ajudar o que mereça. Trabalhar como forma de protesto. Porque o impulso de uma pessoa seria gritar todos os dias ao despertar num mundo cheio de injustiças e misérias de toda ordem: protesto! protesto! protesto!
 
 
Federico Garcia Lorca, Granada, Espanha (1898-1936)
 
 
 
A gente escreve a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os demais, para denunciar o que dói e compartilhar o que dá alegria. A gente escreve contra a própria solidão e a dos outros. A gente supõe que a literatura transmite conhecimento e atua sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe; que ajuda a nos conhecermos para nos salvarmos juntos... A gente escreve, em realidade, para a pessoa com cuja sorte ou má sorte nós nos sentimos identificados, os maldormidos, os rebeldes e os humilhados desta terra, e a maioria deles não sabe ler.
 
 
 
Eduardo Galeano, Montevidéu, Uruguai ( 1940-  )
 
 
 
Por que é que eu  escrevo? Pode ser por atavismo. Eu sei que não é uma boa resposta. Mas há uma resposta precisa para um sujeito tão impreciso? Todo ser que escreve tem, para esta loucura da escrita, razões públicas e privadas, e mesmo ignoradas por ele, que não lhe serão jamais conhecidas. E de um escriba para outro, essa gama de motivações atinge quase o infinito. Resta a escrita e nela a partícula da multidão que cada um é, mas com a multidão interior, parcelas de verdade, mas com a verdade dentro de cada um de nós. Como cada gota do mar com o mar dentro... Eu escrevo para tentar conhecer o outro, os outros, meus semelhantes, pois é apenas através deles que eu me conheço.
 
 
 
Augusto Roas Bastos, Assunción, Paraguai ( 1917-2005)
 
 
Coleção Mistérios da Criação Literária, Organização de José Domingos de Brito - Novera

21/02/2013

Presídio

Irene Sheri

 
Nem todo o corpo é carne...
Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?
E o ventre, inconsistente como o lodo?...
  E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor...
Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...
  É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memóra o fugidio vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
 
 
David  Mourão-Ferreira, Lisboa, (1927-1996) - poeta, escritor, ensaísta, tradutor e dramaturgo.

19/02/2013

Direitos humanos


Morrer aos poucos


Carlos Alexandre Azevedo pôs fim a sua vida no sábado (16), aos 40 anos de idade. Ele foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida à violência por parte dos agentes da ditadura. Tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Carlos era filho do jornalista Dermi Azevedo, que acaba de lançar um livro sobre sua participação na resistência à ditadura.

  Luciano Martins Costa

O técnico de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo. Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura militar. 'Travessias torturadas' é o título do livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de S.Paulo costuma publicar. Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja católica. Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família. Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça. Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos. Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço. Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente. Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops. Para não esquecer O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e democracia. Poderia também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais. Mas seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se legitimar. A morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops. A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos. No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos. Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor. A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça. Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo. Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa um livro intitulado Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas. Contando histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da ditadura.

Extraído de http://www.cartamaior.com.br

18/02/2013

Acerola louca

 


troquei o poema pela ema
as palmas pelas palmeiras
as vaias pelas uvaias
 
eu faço poesia como quem brinca
de trocar tristeza por alegria
 
nas profundezas das florestas
de palavras vivem os poetas
disfarçados de árvores e ditongos
 
se alimentam do nada
e de tudo o que a imaginação decompõe.
 
 
Nicolas Behr (Nicolaus von Behr), poeta nascido em Cuiabá, MT(1958-)e radicado em Brasília, DF desde 1974.


14/02/2013

Poema-Orelha


 
 
Esta é a orelha do livro
por onde o poeta escuta
se dele falam mal
           ou se o amam.
Uma orelha ou uma boca
sequiosa de palavras?
São oito livros velhos
e mais um livro novo
de um poeta inda mais velho
que a vida que viveu
e contudo o provoca
a viver sempre e nunca.
Oito livros que o tempo
empurrou para longe
de mim
mais um livro sem tempo
em que o poeta se contempla
e se diz boa-tarde
(ensaio de boa-noite,
variante de bom-dia,
que tudo é o vasto dia
em seus compartimentos
nem sempre respiráveis
e todos habitados
enfim.)
Não me leias se buscas
flamante novidade
ou sopro de Camões.
Aquilo que revelo
e o mais que segue oculto
em vítreos alçapões
são notícias humanas.
 
 
Carlos Drummond de Andrade, em  Antologia Poética - José Olympio Editora, 1983

12/02/2013

Embolada

 

Rafa, Bebel, Linderléia, Adelicia, Marilene, Waldelurdes Eu quero que você me diga o nome de 4 meninas Eu quero que você me diga o nome de 4 meninas Eu quero que você me diga o nome de 4 meninas Diga Odete, Marinete, Rosinete e Orelina É pra você me dizer o nome de 4 meninas Eu vou lhe dizer agora o nome de 4 meninas Se segure camarada no batido do pandeiro Eu quero é cantar maneiro é no coco da embolada Isso aí é minha parada cantar coco é minha sina Poeta não combina você fala e não promete Odete, Marinete, Rosinete e Orelina Taí se eu não cantei o nome das 4 meninas E agora pra me dizer o nome de 8 meninas Eu tenho que lhe dizer o nome de 8 meninas Se eu não disser agora o nome de 8 meninas Se você me arretar eu falo no nome de 100 Que eu não perco pra ninguém na profissão de cantar Eu quero te avisar a poesia tu combina Mulher da perna fina eu engano com chiclete Digo Odete, Marinete, Rosinete e Orelina, Benice, Berenice, Creonice e Olindrina, ta aí se eu não cantei O nome de 8 meninas E agora vou dizer o nome de 13 meninas A conta vai aumentando você canta eu também canto Na profissão me garanto olha eu sou pernambucano Você é alagoano cantar coco é minha sina Eu cheguei de Belina você veio no seu Chevette Diga Odete, Marinete, Rosinete e Orelina Pra você me dizer o nome de 13 meninas Agora eu tenho que dizer o nome de 13 meninas Pois então vou lhe dizer o nome de 13 meninas Você quer que eu diga agora o nome de 13 meninas Escute que eu vou dizer o nome de 13 meninas Não me diga que é Maria não me diga que é Joana Não me diga que é Bastiana não me diga que é Luzia Não me diga que é Sofia diga o nome das meninas A nega lá no Pina botou contas com os pivetes Digo Odete, Marinete, Rosinete e Orelina, Benice, Berenice, Creonice e Olindrina Paula, Paulina, Judite, Mariana, Catarina, Amália, Natália, Soreia e Cristina E e'pra você me dizer o nome de 13 meninas Eu vou viajar do Brasil Nacional vou deixar a capital de José de Alencar Eu vou viajar do Brasil Nacional vou deixar a capital de José de Alencar Olha que eu tenho que lhe dizer o nome de 13 meninas Você tem que me dizer o nome de 13 meninas Tenha cuidado companheiro que eu vou dar uma lapada Nessa cara debochada vou quebrar o seu pandeiro Você quebra o roteiro porque não sabe cantar Se tu me abusar é tanta volta como vira Aqui não sobra mentira verdade eu quero falar Eu quero improvisar a poesia é minha sina Mineiro mora em mina vou te pegar de bufete Odete, Marinete, Luzinete e Orelina, Benice, Berenice, Creonice e Olindrina, Paula, Paulina, Judite, Donana e Catarina, Amália, Josália, Josefa e Severina Taí se eu não cantei O nome das 13 meninas Ta cantado o nome das 13 meninas Já cantou tá cantado o nome das 13 meninas Já cantou tá cantado o nome das 13 meninas Já cantou tá cantado o nome das 13 meninas Eu vou viajar do Brasil Nacional Vou deixar a capital de José de Alencar

03/02/2013

Da sabedoria popular



 
mandei buscar na farmácia um remédio
contra a ausência mandaram-me
a saudade embrulhada
em paciência...
 
 
(canção do folclore mineiro)