DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

18/01/2014

Juan Gelman: a despedida de um gigante




Chuva hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo nem numa mulher
 nem na alma quer dizer .  nessa caixa ou nave
 ou chuva que chamamos assim como hoje
/ que chove muito e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e só a alma sabe onde as duas se encontram
e quando e como, mas que pode a alma explicar
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol
 porque nascem e morrem na mesma noite
 em que ele amou e deixam cartas no pensamento
 que ele nunca escreverá
como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu
  que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho
 que vê a chuva e à chuva ao meu coração desterrado

 
 

  Depois de décadas de poesia e de resistência,  marcadas pela morte do filho nas mãos da ditadura,  o argentino Juan Gelman morreu terça na Cidade do México, onde vivia.
  Juan Gelman deixa uma obra marcada pelo amor,  a dor e a morte.  Lutou contra a ditadura militar responsável pelo assassinato do seu filho e foi forçado ao exílio em 1976.  Nunca deixou de se bater pelos direitos humanos,  contra qualquer forma de poder absoluto. Disse numa entrevista ao diário El País no ano passado,  quando já estava muito doente,  que não desprezava a vida,  mas que também não temia a morte. Tinha 83 anos. “Não creio que chegue aos 100 anos”,  disse ao jornal espanhol. “El País, ainda que queira ver casar os meus netos e ter algum bisneto, acredito que Deus, se existe, deve estar entediadíssimo com a sua eternidade.” Gelman, que segundo a imprensa espanhola morreu tranquilamente, rodeado de familiares, sofria de uma disfunção ligada à medula óssea. Autor de uma vasta obra em que a crítica social e política assume papel de destaque, foi por amor que começou a escrever,  dedicando os seus primeiros poemas às paixões de juventude em Buenos Aires, onde nasceu. Esqueceu-se desses primeiros versos,  mas não se esqueceu do nome de uma delas – Ana -, conta o El País. Apesar de ter também assinado textos de prosa e até traduções, foi com a poesia, que a mãe sempre duvidou que viesse a servir para o sustentar,  que Gelman se afirmou: El Juego en que andamos, Velorio del solo,  Cólera e Violín y otras cuestiones  estão entre os seus títulos mais populares,  num percurso que lhe valeu vários prémios, como o Cervantes, o mais importante das letras espanholas, o Neruda ou o Rainha Sofia de Poesia Latino-americana.


Extraído de http://www.cartamaior.com.br

4 comentários:

  1. BUEN VIAJE A ESTE GRAN POETA.
    UN ABRAZO

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  2. Há quem não morra nunca, demorei a aprender. Ele não morreu. Olha a vida pulsando no poema! E essa distância entre o Amor e a palavra "amor"????

    Beijos, Ci, saudades.

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  3. Os poetas são eternos. Bela homenagem!

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