DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

29/04/2014

Entrevista com Philipi Roth




Domingo à noite, li essa entrevista do escritor americano de origem judaica Philip Roth . Desde então fiquei pensando, assimilando, filosofando e, enfim, resolvi compartilhá-la com os meus poucos leitores rs  Philip Roth é um escritor de 81 anos de idade, autor de vários romances,  ( Adeus Columbus, O Complexo de Portnoy, Pastoral Americana, A Marca Humana, entre outros) recebeu muitos prêmios pelo que escreveu. Sabe do que está falando. Senão,  vejamos:.


O senhor disse que em 20 anos ninguém mais vai se interessar por literatura. Por que acha isso?

ROTH: Eu disse 20 anos? Estava otimista, provavelmente isso acontecerá em dez anos. É óbvio, isso já é verdade hoje. As pessoas têm muitas outras distrações, que lhes dão muito mais prazer. Elas usam aquelas coisas nos seus ouvidos, vêem televisão, filmes, coisas na tela do computador. Os livros estão em via de desaparecer, leitores com concentração estão desaparecendo. Poucas pessoas lêem três ou quatro horas de noite, o que é necessário para alguém ler seriamente um livro. O número desses leitores vai ficando cada vez menor. Acho que uma sociedade sem literatura será ruim, acho que literatura é uma das boas coisas da civilização. Mas as pessoas vão ficar bem sem livros, aliás elas não querem mais livros.

Mas o senhor acha mesmo que o papel da literatura na sociedade atual é menos importante do que antes?

ROTH: Eu acho que é sempre importante, o fato de as pessoas não estarem interessadas é outra questão. A literatura sempre parece ter sido parte da existência humana e das civilizações mas não está tendo um papel na vida das pessoas educadas. Acho que a literatura está morrendo aqui. Não me entenda mal, não é por falta de bons escritores, temos escritores maravilhosos, não acho que os escritores estão desaparecendo: o público é que sumiu. Não quero dizer que a literatura está morrendo, morreu o público para a literatura. Os livros continuam a ser escritos e temos muitos excelentes escritores.

Entrevista publicada no Jornal da Poesia. 

27/04/2014

Flores do Mais

Art Wolfe


Devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais.




Ana Cristina Cesar, Rio de Janeiro (1952-1983) - Poeta e tradutora, pertenceu à " geração mimeógrafo" ou poesia marginal da década de 70.

24/04/2014

Como se...(II)

o teto fosse chão
as estrelas se apagassem
no horizonte
o coração galopasse
nas pradarias do corpo
em chamas e
tudo fosse silêncio
no alvoroço das
línguas universalmente
estranhas
uma densa nuvem
precipitou-se trazendo
consigo os andaimes
de uma catedral
de papel cujos sinos
dobraram-se em
origamis sobre
um céu que não
era azul




23/04/2014

O Livro



 
 

De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou e só não me atacou com raiva porque
 a corrente de ferro o impediu.
Ao fim da tarde, depois de ler em voz baixa poemas
 numa cadeira preguiçosa do jardim
regressei pelo mesmo caminho e o cão não me ladrou
 porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em pontapeá-lo,
 a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho, o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente de ferro
 em redor do pescoço depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta: tinha perdido o livro de poesia.
 
GONÇALO M. TAVARES

17/04/2014

A Revoada, de Gabriel Garcia Márquez





Não há um só cheiro na casa que eu não reconheça. Quando me deixam sozinho no corredor, fecho os olhos, estendo os braços e caminho. Penso: "Quando sentir um cheiro de rum canforado, estarei no quarto do meu avô." Continuo caminhando de olhos fechados e braços estendidos. Penso: " Agora passei pelo quarto de minha mãe, porque cheira a...Depois cheirará a alcatrão e a bolinhas de naftalina." Continuo caminhando e sinto o cheiro no mesmo instante em que escuto a voz de minha mãe cantando no quarto. Então sinto o cheiro de alcatrão e de naftalina. (...) Então dobrarei à esquerda do cheiro e sentirei o outro cheiro de roupas brancas e a janela fechada. E ali me deterei. "Quando dou três passos sinto o cheiro novo e fico quieto, os olhos fechados e os braços estendidos, e ouço a voz de Ada , gritando: "Menino, já está você novamente caminhando com os olhos fechados."




"A revoada" foi o romance de estreia de sua carreira literária, e conta a história de Macondo, a cidade que se tornou célebre na Literatura;  três personagens narram o dia-a-dia da cidade através de monólogos interiores.

(Aracataca, Colômbia  1927-2014)

15/04/2014

Quase tudo é sem sentido.

Alberto Buri
 
 
Mas de repente algo incrível surge como
uma nuvem incandescente no céu
 
e devora tudo.
Então todas as coisas se transformam
e você também se transforma
e aquilo que você ainda há pouco imaginava ter um valor enorme
não tem mais valor nenhum para você.
Então você se afasta das cinzas de tudo
e se transforma você mesmo em cinzas.
 
 
 
Pär Lagerkvist, escritor sueco, Nobel de Literatura em 1951
(1891-1974)

12/04/2014

VOZES

 Edward Hopper 
 

tantas que me falam
muitas que me calam
me confunde
tanta algaravia chegando
assim de repente
como relâmpagos
e a chuva não cai e
depois o silêncio sobre
o meu corpo a minha
boca muda minhas mãos
imóveis
e a sala cheia,
cheia de nadas,
vazia!
 

10/04/2014

NATUREZA


 
 
 
A natureza não faz milagres, faz revelações.
 
*
 
A natureza é tão abrangente que comporta
sua própria negação, sem se importar com isto.
 
*
 
Os três reinos da natureza padecem de falta de paridade;
ainda não se descobriu o quarto.
 
*
 
A natureza tem uma voz de milhões de registros
manifestados ao mesmo tempo, o que nos impede de apreendê-los.
 
*
 
Mesmo produzindo rugidos,
a natureza é a grande muda.
 
 
Carlos Drummond de Andrade, em O Avesso das Coisas. 

07/04/2014

O artista não é...

e nunca foi um homem isolado que vive no alto de uma torre de marfim. O artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da convivência, influenciará necessariamente, através de sua obra, a vida e o destino dos outros. Mesmo que o artista escolha o isolamento como melhor condição de trabalho e criação, pelo simples fato de fazer uma obra de rigor, de verdade e de consciência, ele está a contribuir para a formação duma consciência comum.
Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência, mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser.


Sophia de Mello Breyner Andresen

04/04/2014

Mergulho noctívago


 




Cada dia mais Tirésias
tateio no escuro uma
noite mais clara

 
(lá fora) cerra-se a cortina
 
Não,
preciso dizer:
arranquei-me da pele
estirei-a na imbira
 para secar
ao sol
 
olhei praquele céuzão azul
praquela vastidão
infinitiva e senti
seu voo a farejar
 meu perfume
 
 
levantei-me hirta
de dor e de medo
mergulhei-me
à procura do meu fio
de prumo!


02/04/2014

Como se...



fosse cega
sem cabeça
como se fosse
um fóssil no fosso
 
 
 
Ah!
a vida é tão bela
tão cheia de sol
de céu de mar
 
e as estrelas?
 
 
 
 
são tantos amigos
a solidariedade é
tão tamanha!
dá arrepios
dá calafrios
 
 
 
o silêncio é tão emocionante
mas as cigarras
cantam até morrer!!!


01/04/2014

A grande mentira




Há exatos 50 anos do golpe militar ocorrido no Brasil uma parcela da população civil ainda apoia os atos criminosos praticados por aqueles que tomaram o poder na calada noite de 1964. São aqueles que defendem e que contribuíram direta ou indiretamente para a implantação de um regime baseado no terror, nas prisões arbitrárias, na tortura e no assassinato de pessoas. Uma outra parcela da população desconhece os fatos ocorridos porque não haviam nascido ou eram muito pequenos. Ainda hoje os livros de História do Brasil adotados nas escolas contam apenas a versão dos "vencedores" A imprensa da época (com exceção  daqueles que apoiaram o golpe), estava sob censura total; o Congresso Nacional foi fechado, os políticos contrários ao regime militar foram cassados ou assassinados sem deixar pistas, como fizeram com o deputado Rubens Paiva. Vivia-se um regime de exceção : artistas de teatro, músicos, compositores, ou qualquer voz contrária ao governo foram proibidos de se manifestar.

Quantos jovens que possuíam um ideal, que apenas desejavam um país melhor, melhores condições de vida, melhor distribuição de renda, liberdade de expressão, foram impedidos, amordaçados, torturados barbaramente, assassinados e até hoje não encontrados?

Por quê existe tanta resistência ao trabalho que a Comissão Nacional da Verdade vem realizando no sentido de mostrar à sociedade as páginas da História do Brasil daquela época? Está mais do que na hora de todos tomarem conhecimento de tudo que ocorreu, afinal, vivemos em uma democracia.  

Precisamos descerrar essa cortina sombria que envolve nossa história.
Precisamos desmascarar as mentiras que tentam perpetuar no imaginário do povo para que tenhamos uma sociedade mais justa e mais transparente.

Precisamos e devemos respeitar a nossa memória histórica!