DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

30/09/2014

Quem quiser, que não acredite...!

Man Ray



O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto, cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.

Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro.
 
 
 
Jorge Agamben, Roma, 1942. É autor de várias obras que tratam de filosofia, política, literatura. Entre elas : Ideia da Prosa, O homem sem conteúdo, A comunidade que vem.

28/09/2014

Gostei de ler !!!

Enrique Vila-Matas (Barcelona, 1948), tem sido ultimamente um dos escritores que mais aprecio. Por um motivo muito simples, mas essencial a um escritor: convida-me, e quase me dá a mão para embarcar com ele em suas viagens ficcionais. Através dele tenho revisitado autores como Kafka, Melville, Musil, Robert Walser, Fernando Pessoa, Valéry, e tantos outros. E o mais interessante é sua capacidade de reinventar personagens a partir desses autores, ficções sobre ficções; num voo cujo percurso fazemos sem sair do lugar, podemos ir de repente a Budapeste, a Portugal, aos Açores, de uma forma agradável cheia de ironias, de autocrítica e muita criatividade.
O último livro que li dele, O mal de Montano, é fascinante. Partindo da ideia de que a literatura é uma doença, o autor vai nos demonstrando aos poucos que essa obsessão pode ser exatamente a sua cura; ao encarnar os personagens de outros autores, Vila-Matas tenta evitar a morte da literatura invocando autores já presentes em obras anteriores como Bartleby e companhia, História abreviada da literatura portátil, criando uma espécie de dicionário cujos verbetes muitas vezes são um diário fictício no qual o narrador e seus personagens se misturam num emaranhado de ironias e autoironias, num verdadeiro jogo de xadrez .
A literatura é, de fato, um antídoto para os males desse dia-a-dia cada vez mais cheio de adversidades e de personagens reais que nos provocam muitas vezes ânsia de võmito; a literatura talvez não possa transformar a realidade, mas pode muito bem nos ajudar a suportar de uma forma menos dolorosa nossa dura realidade, e a perceber de uma forma crítica tudo que está por aí... Como escreveu Henri Michaux, "Oceano, que formoso joguete fariam de você, se a sua superfície fosse capaz de sustentar um homem, como frequentemente indica sua aparência, sua lâmina firme. Andariam sobre você. Nos dias tempestuosos, desceriam com ar alucinado por suas rampas vertiginosas". 

25/09/2014

Exilados



 
 
Ensimesmados,
olham a vida
como exilados
fitando o mar.
 
Não estão no mundo
como quem o habita.
Estão de visita
num planeta estranho.
 
 
***
 
 
Pânico
 
 
Não há mais lugar no mundo
Não há mais lugar
 
Aranhas do medo
fiam ciladas no escuro
 
Nos longes, pesam tormentas,
rolam soturnos ribombos.
 
Súbito,
precipita-se nos desfiladeiros
a vida em pânico.
 
 
***
 
 
tão longa a jornada!
e a gente cai de repente,
no abismo do nada!
 
 
***
 
 
persigo um pássaro
e alcanço apenas
no muro
a sombra de um voo
 
 
Helena Kolody, Cruz Machado (PR)- 1912-2004
 


21/09/2014

Gostei de ler


 

" O povo é como tronco de árvore. Todos se apoiam a ele, sobem por ele para apanhar os frutos que estão lá em cima. Não é o povo que lhes interessa. Só os frutos".
 
"A raça humana anda sempre a olhar para trás, para o passado, à procura da cauda perdida na evolução. Por isso o homem não olha para o futuro e agarra-se ao que foi e ao que não foi, mas pensa ter sido, (ou o que gostaria que dele os  outros pensassem)."
 
 
Pepetela, em A geração da utopia, p. 212,  280 - Editora Leya


18/09/2014

Será que os tempos mudaram?




Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança, tomando sempre novas qualidades", já dizia Luís de Camões (1524-1580). Mas se recuarmos muito mais no tempo, poderemos também encontrar Esopo, aquele fabulista que viveu entre 620-560 a.C. Além de ter sido escravo de um senhor, era gago, corcunda, mas dotado de refinadíssima percepção da natureza humana. Após ser alforriado pelo seu senhor saiu viajando pelo mundo a contar estórias baseadas no que ele observava das pessoas, mas tendo o cuidado de atribuí-las a animais, deuses ou seres inanimados. Mesmo assim foi perseguido e acabou sendo assassinado pelos descontentes com suas estórias.

Atualmente, podemos perfeitamente identificar vários personagens das fábulas de Esopo, principalmente nestes tempos de eleições. Quem não percebe os lobos sob a pele de cordeiros, que se disfarçam para mais tarde devorar todo o rebanho de cordeiros? E a raposa, que aproveitando-se dos discursos em voga tenta aliciar os galos desavisados para em seguida servir-lhe de refeição? Os tempos mudaram, os costumes e as técnicas de aliciamento são outras, (mais aperfeiçoadas), mas os lobos e as raposas continuam subestimando a inteligência e a capacidade de percepção das pessoas!!!

17/09/2014

Ofício do poeta

Jardim dos livros, Raquel Caiano
 
 
"Poeta" pertence àquela categoria de palavras que durante um certo tempo, caíram enfermas, em desamparada exaustão: eram evitadas e dissimuladas - seu uso expunha-nos ao ridículo - e foram tão exauridas que, enrugadas e feias, transformaram-se em sinal de perigo. Aquele que, não obstante se punha a exercer a atividade - que como sempre, prosseguiu eistindo - chamava a si próprio "alguém que escreve".
 
 
Elias Canetti, trecho do discurso proferido sobre o Ofício do Poeta, em Munique, 1976.

14/09/2014

Opalescência


 

 

A primeira palavra passou rápido pela cabeça: estava oca. Depois surgiu o vazio, o branco, o nada. Pensou então ser o fim! Mas era apenas o começo de uma dispersão de letras soltas, avulsas, espiando, como que esperando por algo ou alguém. E repentinamente, como pássaros que saem em revoada no fim do dia à procura do ninho, espalharam-se pelo ar.
 Um fino e transparente cordão flutua no espaço a acenar-lhes, chamando-as para dar-lhes abrigo.
 
O vento é forte e as palavras voam sem rumo certo; talvez estejam perdidas, sem identidade e desvalorizadas vagueiam em busca de novos ninhos...

11/09/2014

O infinito


 
 
Tomei por arte
a pretensão do infinito
e uma ousada aspiração de eternidade
 
Mas vejo Hemingway
os dois canos de espingarda na boca,
Villa-Lobos passando giz no taco de bilhar,
Picasso segurando aquela sombrinha,
a mão ingênua de Pasolini apoiando o queixo,
Rimbaud traficando armas na África,
Fellini de pés descalços numa praia de Rimini
 
E eu aqui caneta, papel
e dois tostões de poesia.
 
O infinito é maior
 
 
*****
 
 
dá-me o prazer?
 
 
a mim não importa a janela
nem a vida
muito menos a porta
de entrada
ou de saída
 
sou mais é participar da miragem
e bailar entre os espelhos
 
 
Paulo José Cunha, jornalista, escritor e poeta piauiense.

07/09/2014

AQUARELA DO BRASIL

Favela


Capoeira


São Paulo(SP)


Casa da Linguagem - Belém(PA)


Mercado de Aracaju(SE)
 

Casa dos Contos - Ouro Preto(MG)


Artesanato indígena
 
 
 


Literatura de Cordel










 
 
 
 
 


04/09/2014

Horizonte imediato - Antonio Ramos Rosa


 
 
 Todos os dias me apoio em qualquer coisa
ando, como, esqueço
alguma coisa aprendo
e desaprendo
alguma coisa limpa nua grave

surge
ao lado passa
eu não sou este desejo
que às vezes arde
alto sobre o chão

Não encontrarás aqui a fluência
de algum ventre polido ou verso límpido
porque estas palavras conhecem as paredes
que não ouviram a angústia e a vertigem

mas têm o sal das lágrimas obscuras
para sempre ignoradas para sempre futuras
nem ouvirás o som das aves frias
mas sentirás o arrepio de sombras sobre as pedras

ouvirás talvez um suor de silêncio


Antologia Poética, Edições  Dom Quixote        

03/09/2014

Um poema de Mahmoud Darwich

Êxodo de palestinos, em 1948


Seja a corda para a minha guitarra, ó água


Seja a corda para a minha guitarra, ó água:
 os conquistadores chegaram, os antigos partiram.
É difícil lembrar o meu rosto nos espelhos.
 Seja-me a memória para eu lembrar o que perdi...
Quem sou eu depois da coletiva partida?
 Tenho uma rocha que carrega o meu nome sobre colinas
 que veem o que passou e acabou.
 Setecentos anos me acompanham atrás dos muros da cidade...
Em vão o tempo gira para eu salvar o meu passado num instante
que faz nascer agora a história do meu exílio em mim... e nos outros...
Seja a corda para a minha guitarra, ó água, os conquistadores chegaram, os antigos partiram
 para o sul, povos restaurando os seus dias nos escolhos da transformação:
 sei quem fui ontem, mas o que serei amanhã sob as bandeiras atlânticas de Colombo?
 Seja a corda para a minha guitarra, ó água.
Não há Egito no Egito, nem Fez em Fez, e Damasco está distante.
 Não há nenhum sacre na bandeira da minha gente.
 Não há rio ao leste do palmeiral cercado com os cavalos rápidos dos mongóis.
 Em que Alandalus vou terminar? Aqui ou lá?
 Saberei que morri e que deixei aqui o que há de melhor em mim: o meu passado.
 Nada me sobrou além da minha guitarra.
Seja a corda para a minha guitarra, ó água.
Os conquistadores se foram, os conquistadores chegaram...


Mahmoud Darwich  foi um poeta e escritor palestino que nasceu na pequena vila de Al-Birweh,(1942-208) totalmente destruída durante a ocupação de Israel em 1948. A família do poeta teve que refugiar-se no Líbano durante um ano. Foi preso várias vezes, entre 1961/1967. É o autor da Declaração de Independência da Palestina(1988). Sua obra já foi traduzida em mais de vinte países. 

01/09/2014

Quando se vê...



 
A vida são deveres que nós trouxemos
para fazer em casa.
Quando se vê já são seis horas
quando se vê já é Natal
quando se vê já terminou o ano
quando se vê não sabemos mais
por onde andam nossos amigos
quando se vê perdemos o amor
da nossa vida
quando se vê já passaram 50 anos!
 
Agora, agora é tarde demais para
ser REPROVADO
Se me fosse dado um dia,
uma oportunidade, eu nem olhava
o relógio, eu seguiria em frente,
iria jogando pelo caminho a
casaca inútil e dourada das horas
eu seguraria todos os meus amigos
que já não sei por onde andam
como estão e diria:
Vocês, vocês são extremamente importantes
para mim
Eu seguraria o meu amor que
está muito a minha frente e diria:
eu te amo


Mário Quintana