DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

22/08/2015

Uma questão de ótica



Diz-se que o mar é azul também que de azul-anil é o céu; também há quem diga que a cor da tristeza é azul e há também os que ficam azul de fome!





Verdes matas pendão da (minha) terra fica-se branco de medo ou de susto quando o sol que dizem ser amarelo põe-se ao poente (?) nos deixando de sorriso amarelo. Infinitas são as cores tantas quantas imaginarmos dependendo do ângulo e da visão que tenha o observador pois não já disseram também que a Terra é azul? e na terra também já disseram que "nunca se consegue alcançar a profundeza de um texto porque sempre haverá uma 'ausência' ".


 
 
E por mais que tentemos a 'ausência' jamais será preenchida porque assim é a vida...


20/08/2015

Três poemas de Carlos Machdo

Esfinges
 
Alguns, prudentes, não falam com estranhos.
Outros, muito práticos, dizem apenas o necessário
Para o bom andamento dos negócios.
 
Alguns, calmos e sérios, fecham portas e janelas.
Outros, afoitos, ou filhos de um deus sem-terra,
Oferecem biscoitos, talvez flores, e longa prosa.
 
De todos, quem sorri com mais dentes de ouro?
quem finge?
quem vê no espelho sua própria esfinge?


 
 
 
 

 
Pássaro de Vidro
 
 
 
o pássaro é cego
e cego é quem se agita
em seu espaço ambíguo
 
esse espaço
de incessante
tarde nua
onde o voo
risca um traço
branco
de vidro no vidro



Pássaro de vidro (2)
 


 
quanto mais escancaras
teu íntimo de vidro
 
quanto mais descortinas
o avesso dos sentidos
 
mais o que revelas
deixas escondido
 
 
Carlos Machado nasceu em Muritiba(BA) e reside na cidade de São Paulo. É autor dos livros de poemas Pássaro de Vidro e Tesoura Cega; é autor e editor do boletim semanal  poesia.net


16/08/2015

.. . e o tempo?



 
entre parêntesis provisórios segue-se
lutando contra a página em branco
luzidia e indiferente
 
tanto esquecimento lembranças
outras
muito a desaprender
 
e o tempo?
 
a aurora esvai-se
é o irromper da
noite do sono nas veias
pedaços de equívocos
embaralhados mal
costurados guardados
em gavetas
os cômodos do medo
e da ignorância
 
e a boca cheia de pedras
e silêncios:
nem ela nem eles
sabem as palavras interditas

14/08/2015

+ 1 poema de Antonio Brasileiro


Canyon do rio Poti (PI)


ESTUDO 175

Estar com o rio não é molhar-se na água.
Nem ser leito.
É ser a água e o leito.
E o mar.
E ser as nuvens do céu.


Nosso destino é o que somos. Somos
o destino – o olho d’água
e a foz.
Somos a foz
e o ruído das águas se encontrando.


E as nuvens do céu e o homem
sentado numa pedra. E a pedra.

10/08/2015

Balada do concurso de Blois



 
Morro de sede quase ao pé da fonte,
Quente qual fogo, mas batendo os dentes;
Em meu país vivo além do Horizonte;
Junto a um braseiro tremo e fico ardente;
Nu como um verme. O traje: um presidente;
Rio no pranto e espero sem esperança;
Conforto acho na desesperança,
E alegro-me sem ter prazer algum;
tenho o poder sem força ou segurança;
E sou bem vindo a todos e a nenhum.

Só me é certo algo com que eu não conte;
nada é obscuro, exceto o que é evidente;
E sem dúvidas, fora as que defronte,
Tomo a ciência por mero acidente;
Conquisto tudo e fico dependente
Digo "Boa noite" se a aurora avança;
Deito-me sem controle em confiança;
Tenho alguns bens, mas sem vintém algum;
Sou um herdeiro mas sem ter herança,
E sou bem-vindo a todos e a nenhum

Descuido-me de tudo e suo a fronte
Para ter bens, sem ter um pretendente;
Com quem mais me afague, me confronte,
Quem mais me é veraz é quem mais mente;
É meu amigo que diz procedente
De um cisne alvo e de um corvo a semelhança;
Em quem me nega enxergo uma aliança;
A patranha e a verdade acho comum;
recordo tudo sem a menor lembrança
E sou bem-vindo a todos e a nenhum.

Príncipe brando: se isso não vos cansa,
De tudo eu sei, e a mente não alcança;
Sou faccioso e sigo a lei comum.
Que faço? o quê? dos meus bens a cobrança,
E sou bem-vindo a todos e a nenhum.
 
 
François Villon, Paris - 1431-1463

Tradução de Sebastião Uchôa Leite




08/08/2015

Esperando os bárbaros



O que esperamos na ágora reunidos?
É' que os bárbaros chegam hoje.


Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.

Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É   que os bárbaros chegam hoje.

O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?

Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e os aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.


        Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.


Konstantinos Kaváfis

(trad. José Paulo Paes)
 


07/08/2015

Jorge de Sena: A diferença que há

 Jean-Baptiste Chardin 
 
 
 
A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
é que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
a ver se conseguem decifrá-lo, e estes
abrem o livro, leem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas)
e sabem logo do assunto  que os outros não conseguiram saber.
Por isso é que os estudiosos têm raiva dos poetas, capazes de ler tudo sem
ter lido nada
( e eles não leram nada tendo lido tudo)
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,
e desacreditam a gaya Scienza. 

05/08/2015

Um conto de Augusto Monterroso






Os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distinguí-los deste. 



A girafa que compreendeu logo que tudo é relativo


Faz muito tempo, em um país distante, vivia uma girafa de estatura regular, mas tão descuidada que uma vez saiu da selva e se perdeu. Desorientada como sempre, pôs-se a caminhar às cegas daqui para lá, e por mais que se agachasse para encontrar o caminho, não o encontrava. Assim deambulando, chegou a um desfiladeiro onde naquele momento ocorria uma grande batalha. Apesar das baixas serem muito grandes em ambos os lados, nenhum estava disposto a ceder um milímetro de terreno. Os generais discutiam com suas tropas de espadas erguidas, ao mesmo tempo que a neve se manchava de púrpura com o sangue dos feridos. Entre o fumo e o estrépito dos canhões se viam caindo os mortos de um e de outro exército, com tempo apenas para recomendar suas almas ao diabo; porém, os sobreviventes continuavam disparando com entusiasmo até que chegasse a sua vez e caíssem com um gesto estúpido acreditando que a História iria considerar heróico, pois morriam para defender sua bandeira; e realmente a História assim os considerava já que cada lado escrevia sua própria história; Wellington era um herói para os ingleses e Napoleão era um herói para os franceses. Enquanto isso, a girafa continuava caminhando, até chegar a uma parte do desfiladeiro onde estava montado um enorme canhão, que naquele exato momento disparou a uns vinte centímetros  acima de sua cabeça, mais ou menos. Ao ver a bala passar tão perto enquanto seguia com a vista sua trajetória a girafa pensou: "Que bom que não sou alta, pois se meu pescoço medisse mais trinta centímetros  essa bala teria arrebentado a minha cabeça; ou, que bom que essa parte do desfiladeiro onde está o canhão não é tão baixa, pois se medisse trinta centímetros a menos a bala também teria arrebentado a minha cabeça. Agora compreendo como tudo é relativo".     

Augusto Monterrosso nasceu em 1921, na Guatemala. Em 1944, mudou-se para o México e, depois de muito observar a fauna daquele país e de outros, se convenceu de que "os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los deste". Dele disse o escritor russo Isaac Asimov: "Os pequenos textos de A ovelha negra e outras fábulas, de Augusto Monterroso, aparentemente inofensivos, mordem os que deles se aproximam sem a devida cautela e deixam cicatrizes. Não por outro motivo são eficazes. Depois de ler "O macaco que quis ser escritor satírico", jamais voltei a ser o mesmo."
Foi agraciado, em 2000, com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. Um dos escritores latinos mais notáveis,  "O dinossauro", uma de suas obras mais célebres, é considerado o menor conto da literatura mundial: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".
Augusto Monterroso faleceu em fevereiro de 2003.

01/08/2015

Gameleira




Bacia d'água. Beiço de gamela. Porta sem tramela. Palavra que espera no coradouro um frouxo falar. O anel de ciranda faz travessias numa rede de palavras sustentadas por armadores que se movimentam de norte a sul de leste a oeste ainda que presos nas paredes da casa. Cirandeia num mar de palavras que nadam como peixes fugindo das redes, escapulindo das armadilhas dos anzóis. É um mar de dureza a vida entre palavras - umas simples e belas outras sofisticadas, de difícil expressão - nem todas ficam à vontade em qualquer boca. A língua se enrola na palavra ou então desembesta feito louca se liberta e vai s'imbora, não tem dinheiro ou conselho que a segure. Porque nem sempre ela quer conversa com alguém: pode ser dor como pode ser alegria, dá saltos no escuro e pode surgir sombria e de repente é lua que brilha no alto.
Prateada, Palavra!