DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

03/10/2015

Resposta a uma pergunta

Paulo Pasta


Sempre penso que já não há quase nada a escrever, que tudo já foi dito, e que apenas repetimos de forma diferente, talvez, o que muitos poetas e escritores já disseram. "Todos os livros já foram escritos, as tarefas já foram todas elas, aparentemente cumpridas. Tudo aquilo que seus belos olhos viram são originários de anteriores esforços". Assim escreveu Robert Walser, escritor suíço(1878-1956) em seu poema Contemplação. É evidente que o mundo está em permanente transformação, que houve algumas mudanças nas relações humanas (muito poucas) e, principalmente na área tecnológica. Mas quando leio Herman Melville, William Faulkner, Samuel Becket, James Joyce, Franz Kafka, (que era leitor assíduo de Walser), para citar apenas os que considero mais marcantes, percebo quão pouco avançamos nessa área. Enfim, transcrevo abaixo trechos de Resposta a uma pergunta, de Robert Walser, escrito em 1907, há exatos 108 anos! Enquanto viveu não recebeu o respeito e admiração dos seus pares; aos 50 anos internou-se numa clínica psiquiátrica em razão de uma crise psíquica, e após quatro anos foi transferido para outra instituição psiquiátrica contra sua vontade, permanecendo ali até o fim de sua vida. Morreu sozinho durante uma caminhada pela neve. Foi encontrado por crianças .  

O senhor me pergunta se eu teria alguma ideia a partir da qual esboçar-lhe uma espécie de esquete, uma peça de teatro, uma dança, pantomima ou outra coisa do gênero que pudesse utilizar, na qual pudesse se apoiar. Minha ideia é mais ou menos a seguinte: providencie máscaras, meia dúzia de narizes, testas, tufos de cabelos, sobrancelhas e vinte vozes. Se possível, vá a um pintor que seja também alfaiate, mande confeccionar uma série de fantasias e trate de adquirir algumas boas e sólidas peças de cenário, a fim de que, envolto em um casaco negro, o senhor possa descer uma escada ou olhar para fora por uma janela e soltar um urro, um urro breve, leonino, denso, pesado, de modo a fazer com que de fato acreditem que é uma alma que urra, um peito humano.
Peço-lhe que dedique muita atenção a esse grito, que lhe confira elegância, que o emita com pureza e correção; depois, então, no que me concerne, o senhor pode apanhar um tufo de cabelos e deitá-lo por terra doucement. Quando realizado de maneira graciosa, isso produz um impressão horripilante. Vão pensar que o senhor embruteceu de dor. Para obter um efeito trágico, é necessário recorrer tanto aos recursos mais à mão quanto aos meios mais remotos, o que lhe digo para que o senhor compreenda que será bom, agora, enfiar o dedo no nariz e cutucar a valer. Muitos espectadores cairão no choro ao ver uma figura nobre e sombria comportando-se de modo tão grosseiro e lastimável.
[...]
 
Lembre-se do que lhe disse uma vez - e o senhor ainda há de se lembrar, espero, - ou seja, que com um único olho, aberto ou fechado dessa ou daquela maneira, já é possível transmitir o efeito do temor, da beleza, do pesar, do amor ou do que seja que o senhor queira transmitir. Representar o amor demanda pouca coisa, mas, alguma vez nessa sua vida - Deus do céu! - absolutamente dilacerada, é necessário que o senhor tenha sentido pura e sinceramente o que é o amor e como ele aprecia se comportar. Assim é também, claro, com a ira, com o sentimento de inominável pesar, em suma, com cada sentimento humano.
 
Robert Walser publicou três romances (Os irmãos Tanner, O ajudante, Jacob von Gunten, considerado sua obra-prima) vários volumes de prosas curtas e inúmeros textos em jornais revistas. O texto acima foi extraído do livro Absolutamente nada e outras histórias, com tradução de Sergio Tellaroli.


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