DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

28/12/2015

Sobre a brevidade da vida



 
 
Sempre que me ponho a pensar sobre a curta existência que nos é permitida viver, sou levada a refletir sobre o que deixaram escrito os homens da Antiguidade. A sensação que tenho é a de que depois deles não temos feito muitos avanços em direção a um crescimento de nossas mentalidades. Como dizia Sêneca, há cerca de dois mil anos atrás, usamos mil e uma maneiras para prolongar a vida artificialmente, empregamos nosso tempo com futilidades e futricas sobre a vida alheia, sem no entanto enriquecê-la, sem abrir nossas cabeças para o que é novo, diferente de nós.

"A maior parte dos mortais lamenta a maldade da Natureza, porque já nasceu com a perspectiva de uma curta existência e porque os anos que lhe são dados transcorrem rápida e velozmente. De modo que, com exceção de uns poucos, para os demais, em pleno esplendor da vida é que justamente está o abandono. Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas."

Outro grande pensador, Hipócrates, considerado o "pai" da medicina, dizia que:

"A vida é curta, a arte é longa. A ocasião, fugidia. A esperança, falaz. E o julgamento, difícil."
Dinheiro, sucesso, e fama, quando chegam juntos, geralmente provocam estragos em muitas pessoas, principalmente quando ainda se é muito jovem, e sem uma bagagem emocional sólida. Há o desejo de alcançar os "degraus" do poder sem estar preparado para a subida. E entre esses "degraus" existem vários tipos de assédios, inclusive de inescrupulosos. Vêm à tona sentimentos de onipotência, de arrogância, vaidades, e, por que não dizer, de imortalidade! 
Muitos até desejam ir-se embora justamente no auge de suas carreiras para que perpetuem suas imagens per ommina secculum...
 
Nossa vida é tão longa quanto a nossa imaginação!   


22/12/2015

Círculo vicioso

 
 
 
Bailando no ar gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loura estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
 
"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela
Contemplou suspirosa, a fronte amada e bela."
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
 
"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
 
"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela
Por que não nasci eu um simples vagalume?" 
 
 
Machado de Assis

18/12/2015

"O jardineiro é eterno"



 
[...]. Rosas, quando recentes, importam-se pouco ou nada com as cóleras dos outros; mas, se definham, tudo lhes serve para vexar a alma humana. Quero crer que este costume nasce da brevidade da vida. "Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno." E que melhor maneira de ferir o eterno que mofar de suas iras? Eu passo, tu ficas; mas eu não fiz mais que florir e aromar, servi a donas e a donzelas, fui letra de amor, ornei a botoeira dos homens, ou expiro no próprio arbusto, e todas as mãos, e todos os olhos me trataram e me viram com admiração e afeto. Tu não, ó eterno; tu zangas-te, tu padeces, tu choras, tu afliges-te! a tua eternidade não vale um só dos meus minutos.
 
 
Machado de Assis, em Quincas Borba - Capítulo CXLI

15/12/2015

Paisagens com cupim * (Reedição ampliada)


 

 
No canavial tudo se gasta pelo miolo, não pela casca.
Nada ali se gasta de fora. qual coisa que em coisa se choca.
Tudo se gasta mas de dentro:
o cupim entra os poros, lento:
e por mil túneis, mil canais, as coisas desfia e desfaz
Por fora o manchado reboco vai-se afrouxando,
mais poroso, enquanto desfaz-se, intestina,
o que era parede, em farinha.
E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
do que não quebra, se desmancha.
 
João Cabral de Melo Neto,  em  Poesia completa.

* Os cupins são insetos que se organizam numa sociedade onde cada um deles tem uma função definida. Podem ser encontrados no interior do solo, mas também no interior de móveis de madeira, ou até no interior das paredes das casas e dos apartamentos. São a sociedade dos cupins: os operários, os soldados (responsáveis pela defesa do cupinzeiro), os reis e as rainhas. Uma casa pode ruir da noite pro dia, imperceptivelmente, se seus habitantes não tomarem as devidas precauções contra essa praga que vem se alastrando Brasil adentro!

11/12/2015

Nas franjas da noite


Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros,
 ninguém tenha. O maior direito que é meu
- o que quero e sobrequero -:
 é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim!
 
João Guimarães Rosa - Grande sertão: veredas
 
 

 

 
Existem muitas noites numa noite só como muitas folhas há na cabeça de um vivente, essa árvore que amarelece com o passar dos dias. Todos observam mudos e imóveis o fenecer de uma árvore que um dia deu frutos pra alimentar toda uma aldeia. Do seu tronco construíram-se barcos e todos lançaram-se ao mar, e todos alimentaram-se dos peixes. Os cabelos da árvore, de tanto crescer espalharam-se pelas areias da praia, mergulharam no mar, agitaram o mar em altas ondas: mar alto, maremoto mar e morte, mar e lama e nojo e vômitos.
O sal do fundo da terra transformou o que era podre em algas, e os pássaros em voos rasantes cantavam carregando em seus bicos outros organismos para outras plagas; outros bichos se reproduziam sob formas diversas aninhando-se em outras árvores, outros pousos. Nas noites daquela noite ecoaram gritos e  ranger de dentes, e cantares de galos nos quintais da memória, a memória que jamais dorme, que sempre se renova, que transforma seus galhos, suas folhas e seus frutos. A árvore de raízes profundas permanece altiva a observar do alto, apesar dos fortes vendavais, as intempéries que acometem a natureza humana.
 
A vida é mais forte e mais poderosa do que as palavras de um poema. Muito mais que a pequenez do homem. 
 
A vida é mais forte que qualquer arte.


09/12/2015

Luiz Gama e a boca da verdade

 



Guardadas as "devidas proporções", e o contexto da época, esse poema parece ter sido escrito recentemente!!!


SORTIMENTO DE GORRAS
 
(Para gente de grande tom)
 
Seja um sábio o fabricante,
Seja a fábrica mui rica,
Quem carapuças fabrica
Sofre um dissabor constante;
 
Obra pronta, voa errante,
          Feita avulso, e sem medida;
Mas no voo suspendida,
 
Por qualquer que lhe apareça,
Lá lhe fica na cabeça,
Té as orelhas metidas.
 
(F. X. de Novais)
 
Se grosseiro alveitar ou charlatão
Entre nós se proclama sabichão;
E, com cartas compradas na Alemanha,
Por anil nos impinge ipecacuanha;
Se mata, por honrar a Medicina,
Mais voraz do que uma ave de rapina;
E num dia, se errando na receita,
Pratica no mortal cura perfeita;
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois tudo no Brasil é raridade!
 
Se os nobres desta terra, empanturrados,
Em Guiné têm parentes enterrados;
E, cedendo à prosápia, ou duros vícios,
Esquecendo os negrinhos seus patrícios;
Se mulatos de cor esbranquiçada,
Já se julgam de origem refinada,
E curvos à mania que domina
Desprezam a vovó que é preta mina:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade
Pois tudo no Brasil é raridade!
 
Se o Governo do Império Brasileiro,
Faz coisas de espantar o mundo inteiro,
Transcendendo o Autor da geração,
O jumento transforma em sor Barão;
Se o estúpido matuto, apatetado,
Idolatra o papel de mascarado;
E fazendo-se o lorpa deputado,
N'Assembléia vai dar seu — apolhado!
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois tudo no Brasil é raridade!
 
Se impera no Brasil o patronato,
Fazendo que o camelo seja gato,
Levando o seu domínio a ponto tal,
Que torna em sapiente o animal;
Se deslustram honrosos pergaminhos
Patetas que nem servem p'ra meirinhos
E que sendo formados bacharéis,
Sabem menos do que pecos bedéis:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!
 
Se temos Deputados, Senadores,
Bons Ministros, e outros chuchadores;
Que se aferram às tetas da Nação
Com mais sanha que o Tigre, ou que o Leão;
Se já temos calçados — mac-lama,
Novidade que esfalfa a voz da Fama,
Blasonando as gazetas — que há progresso,
Quando tudo caminha p'ro regresso:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se cotamos vadios empregados,
Porque são de potência afilhados,
E sucumbe, à matroca, abandonado,
O homem de critério, que é honrado;
Se temos militares de trapaça,
Que da guerra jamais viram fumaça,
Mas que empolgam chistosos ordenados,
Que ao povo, sem sentir, são arrancados:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se faz oposição o Deputado,
Com discurso medonho, enfarrusca
E pilhado a maminha da lambança,
Discrepa do papel, e faz fundança;
Se esperto capadócio ou maganão,
Alcança de um jornal a redação,
E com quanto não passe de um birbante
Vai fisgando o metal aurissonante,
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se a guarda que se diz — Nacional,
Também tem caixa-pia, ou musical,
E da qual dinheiro se evapora,
Como o — Mal — da boceta de Pandora;
Se depois se conserva a — Esperança;
E nisto resmungando o cidadão                  
Lá vai ter ao calvário da prisão;
Não te espantes, ó Leitor da pepineira ,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se temos majestosas Faculdades,
Onde imperam egrégias potestades,
E, apesar das luzes dos mentores,
Os burregos também saem Doutores;
Se varões de preclara inteligência,
Animam a defender a decadência,
E a Pátria sepultando em vil desdouro,
Perjuram como Judas — só por ouro:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!            *
 
Se a Lei fundamental — Constipação,
Faz papel de falaz camaleão,
E surgindo no tempo de eleições,
Aos patetas ilude, aos toleirões;
Se luzidos Ministros, d'alta escolha,
Com jeito, também mascam grossa rolha;
E clamando que — são independentes —
Em segredo recebem bons presentes:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,        .
Onde possa empantufar a larga pança!
 
Se a Justiça, por ter olhos vendados,
É vendida, por certos magistrados,
Que o pudor aferrando na gaveta,
Sustentam — que o Direito é pura peta;
E se os altos poderes sociais,
Toleram estas cenas imorais;
Se não mente o rifão, já mui sabido:
Ladrão que muito furta é protegido —
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!
 
Se ardente campeão da liberdade,
Apregoa dos povos a igualdade,
Libelos escrevendo formidáveis,
Com frases de peçonha impenetráveis;
Já do Céu perscrutando alta eminência
Abandona os troféus da inteligência;
Ao som d'aragem se curva, qual vilão,
O nome vende, a glória, a posição:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!
E se eu, que amigo sou da patuscada,
Pespego no Leitor esta maçada;
Que já sendo avezado ao sofrimento,
Bonachão se tem feito pachorrento;
Se por mais que me esforce contra o vício,
Desmontar não consigo o artifício;
E quebrando a cabeça do Leitor
De um tareio não passo, ou falador,
É que tudo que não cheira a pepineira
Logo tacham de maçante frioleira.
 
 
Luiz Gama, poeta e abolicionista, nasceu em Salvador (BA), em 2l de junho de 1830. Era filho de Luísa Mahin, (Luísa era da tribo Mahin, vinda de Benin e pertencia a Nação Nagô) líder da revolta dos Malês, movimento que reuniu vários grupos étnicos, participando ativamente em organizações de escravos revoltosos. Seu pai, cujo nome ainda hoje é desconhecido, era de uma família de portugueses ricos e viciado em jogos de cartas. Após desperdiçar toda a sua fortuna para pagar dívidas, vendeu o próprio filho. Luiz Gama tinha então 10 anos de idade; nasceu livre, mas tornou-se escravo de um fazendeiro de Lorena(SP) que o levou para o Rio de Janeiro juntamente com outros escravos. Do Rio foi pra São Paulo, onde frequentou a Faculdade de Direito, como ouvinte. tornando-se rábula, isto é, um advogado sem diploma, autodidata que empenhava-se arduamente na defesa dos negros escravos, gratuitamente. Faleceu em 1882.


06/12/2015

Mesmices midiáticas

 

 
(...) É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que impor as próprias decisões com a violência. As formas conhecidas de política - Estado nacional, soberania, participação democrática, partidos políticos, direito internacional - já chegaram ao fim da história.
 Giorgio Agamben




Houve um tempo em que se ligava o rádio e podia-se ouvir notícias "frescas", da hora. Dizia-se que o rádio era melhor que o jornal impresso e a televisão, porque tinha sempre repórteres nas ruas atentos ao que acontecia. Hoje em dia, tanto o rádio como o jornal impresso nos dão apenas notícias requentadas (salvo raríssimas exceções), "pescadas" da internet. E depois que surgiu o aplicativo whatsapp  a coisa ficou mais séria: os locutores solicitam aos seus ouvintes que enviem mensagens informando sobre o que acontece nas ruas, porque o eles, os profissionais, nada mais têm a informar, claro, as empresas de comunicação lucram cada vez mais, e o mercado de trabalho fica cada dia mais reduzido. Fica-se então a maior parte do tempo ouvindo notícias requentadas, notícias sobre o trânsito, e a opinião dos "âncoras" e seus convidados sobre a situação do país. Aliás, por quê esse personagem é chamado de âncora? Por quê todos eles são tão empostados, tão artificiais, tão engravatados e tão engolidos pelo paletó? E por que será que eles falam tanto em "liberdade de expressão", "liberdade de imprensa"? Liberdade pra quem? Essas pessoas empostadas à frente das câmeras de televisão, ou como locutores de rádios AM/FM nada mais são do que os verdadeiros representantes dos grandes grupos empresariais, seus porta-vozes oficiais, pagos a preço de ouro! E ainda recebem "prêmios"!, dados por eles mesmos, diga-se de passagem.  A maneira arrogante como falam, a ambiguidade que é dada às notícias de forma a confundir o telespectador/ouvinte, mostra claramente a manipulação que é feita dos fatos. Eles pensam que não sabemos separar o joio do trigo, que não temos capacidade para distinguir alhos de bugalhos, e por isso acham-se no direito de "analisar", de "interpretar" os fatos para todos nós, pobres e ignorantes. Eles se julgam mesmo "os tais", que podem deturpar e distorcer os fatos a seu bel prazer; agem como se tivessem um rei na barriga, e xingam, dizem impropérios, até parece que estão acima do bem e do mal . Os "políticos"? Uma grande parcela desses que se julgam os "representantes do povo", têm concessão de rádio e televisão, ou seja, veiculam as notícias de acordo com seus interesses. Alguém já viu, leu, ou escutou alguma reportagem da "grande imprensa" sobre a verdadeira história do Brasil? Já viu alguma contextualização dos fatos que ocorrem ou ocorreram em nosso país? Por que será que omitem tantos fatos importantes que ocorrem nesse nosso imenso país cheio de diversidades culturais? O Brasil é muito mais, mas muito mais, mesmo, do que São Paulo & Rio & Brasília.
 É realmente lamentável. Ainda bem que existem outras vias pra se obter informações críveis, e bons livros pra se ler!!!