DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

28/05/2016

Estilhaços


 
 

Sempre diga sim
Diga sempre sim
Sim, diga sempre
Diga sim, sempre
Sempre diga: sim!
 
"Água mole em pedra dura..."
 
Nunca diga não
Não diga não, nunca!
 
Mesmo caladas as
pedras-palavras um dia
se transformarão em lama
que por sua vez se tornarão
pó, e
de grão em grão serão
uma grande Babel de
palavras cruzadas expostas.
É mesmo? Não diga...
As pedras não falam
As pedras ouvem, e
escutamos através delas
As pedras veem e nós
enxergarmos os rabiscos
nelas deixados através
de séculos, de milênios
apesar dos predadores
das pedradas nas Genis da vida...

"Em terra de cego quem tem um olho...",
dirá sempre não!


25/05/2016

Se fosse apenas na Itália...!?

"...nós não temos parlamentares, temos paralamentares. E tanto a Câmara quanto o Senado têm dado demonstrações disso: são absolutamente lamentáveis. Não há nenhuma grande liderança, não há nenhum partido coeso, com posições definidas, e com fidelidade à programação partidária. Isso realmente desapareceu.

Giorgio Agamben filósofo e ensaísta italiano

18/05/2016

A Babel e seus labirintos



 
 
Sonhei que ontem é hoje, e que havia uma máquina trituradora esmagando alimentos pensamentos pessoas rastros passos dados passados no liquidificador
da memória; sonhei também com um dicionário analógico de páginas amarelecidas com palavras de baixo calão: corrupções corruptores corruptos corruptelas dança de cadeiras de cabeças guilhotinas carrascos verdugos vetustos togas capas máscaras torturas torturados e torturadores o pai o filho o neto o tataraneto, e o espírito santo "lavando" e enlameando os destinos da nação... Entrei num supermercado e encontrei pó-de-canela com pelo de rato, leite misturado com soda cáustica, feijão com pedras, carne bovina, frango e peixe alimentados com hormônios e antibióticos; saí dali para uma fábrica de roupas: jovens Penélopes tecendo roupas dia e noite noite e dia numa odisseia
de fome e exploração que se transformam em altas grifes com direito a desfiles "fashion" internacionais com lucros astronômicos para a indústria da moda...
Entrei em túneis, percorri labirintos e não encontrei a mão de Ariadne para indicar a saída! Nos manicômios e hospitais psiquiátricos seres humanos são tratados como bichos enfurecidos como se cada um de nós não carregasse uma boa dose de loucura. - o "louco" destrói a natureza pelo poder? o "louco" acumula riqueza em paraísos fiscais, investe-se de autoridade quando assume cargos públicos delegados através de voto popular? 
Os labirintos da sociedade estão recheados de Fausto e Mefistófeles que tecem em seus cantos escuros armadilhas sob a forma de pontes que desmoronam no meio do caminho entre o sonho e a realidade. A grande Babel da história guarda em sua memória sonhos e pesadelos de outrora e de hoje à revelia de seus autores ou detratores. Os labirintos são intermináveis...    

14/05/2016

Dois poemas de José Emílio Pacheco *

Mercado de Tlatelolco, cidade do México
 
 
Un Ritual
 
 
El ritual cotidiano deja una enseñanza: la verdadeira recompensa del trabajo es el placer que hay en intentar hacerlo bien, aun a sabiendas de que en poco tiempo nuestro esfuerzo será inútil y habrá que recomenzar a partir de cero.
 
Um Ritual
 
O ritual cotidiano deixa um ensinamento: a verdadeira recompensa do trabalho é o prazer que existe em tentar fazê-lo bem feito, ainda que sabendo que em pouco tempo nosso esforço terá sido inútil e terá que ser recomeçado a partir do zero.
 
***
 
Desorden de los factores
 
Todo me sale al revés a pesar de mis buenas intenciones. La noche que me invade no sabe que es noche. La vida se me acaba sin entender de que se trata. El mundo insiste en ser como es, no como yo quisiera. El desorden de los factores divide la multiplicación y suma una resta divisória.
 
Tudo me acontece ao contrário apesar de minhas boas intenções. A noite que me invade não sabe que é noite. A vida se esvai sem que eu entenda do que se trata. O mundo insiste em ser como é, não como eu gostaria. A desordem dos fatores divide a multiplicação e acrescenta uma diminuição divisória.
 
* José Emílio Pacheco nasceu no México em 1939. É poeta, romancista e ensaísta. 

08/05/2016

Pedras poéticas

Destruição do sítio de Palmira (03.2015)


Enquanto alguns tentam destruir a cultura milenar de seu povo, o escultor Nizar Ali Badr, da cidade de Latakia (principal porto da Síria) tenta reconstruir essa mesma história, no que ele denomina de "jabl safoon", ou composição de pedras, oriundas da cidade de Djebel Al Agraa, a 50km de Latakia. Segundo o escultor, "o que acontece na Síria é semelhante a uma arena de touros em combate. O mundo assiste e aplaude; todos participam da dança sobre os corpos dos pobres". Seu trabalho é, simplesmente, uma poesia que nos toca profundamente, que através dos recursos existentes em seu país, mostra-nos qual a verdadeira função do artista; mostra-nos que até as pedras podem falar sem emitir qualquer palavra!
 

Nizar Ali Badr
 
 



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 


04/05/2016

Alberto da Cunha Melo *

 

 
 
Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento: escrevemos
cada vez mais, para um mundo
cada vez menos.
 
***
 
 
Quero o poema
terra-a-terra,
o poema raso
e rasteiro,
o poema vil,
louco e lindo
feito o bem sobre o mal.
 
***
 
Aos mestres, com desrespeito
 
Dizem que meu povo
é alegre e pacífico.
Eu digo que meu povo
é uma grande força insultada.
Dizem que meu povo
aprendeu com as argilas
e os bons senhores de engenho
a conhecer seu lugar.
Eu digo que meu povo
deve ser respeitado
como qualquer ânsia desconhecida
da natureza.
Dizem que meu povo
não sabe escovar-se
nem escolher seu destino.
Eu digo que meu povo
é uma pedra inflamada
rolando e crescendo
do interior para o mar.
 
 
* Alberto da Cunha Melo (1942-2007), nasceu em Jaboatão dos Guararapes(PE). Poeta, jornalista, escritor e sociólogo, deixou publicados Clau(poemas), Dois caminhos e uma oração, e Cão de olhos amarelos.

02/05/2016

"Exercício de história comparada"

Semelhanças e diferenças entre o golpe de hoje no Brasil e o golpe nazista em 1933

Hitler deu um golpe inteiramente 'legal', através de uma votação no Parlamento. com o apoio da classe média alta. Se olharmos os métodos, como se parecem!

 

Flávio Aguiar
reprodução
“Nem sempre o que é, parece. Mas o que parece, seguramente é”. Ditado brasileiro.

Muito se tem escrito, contra e a favor, sobre semelhanças e diferenças entre o golpe nazista de 1933 e o que hoje está em curso no Brasil.

Bom, vamos começar por alguns personagens principais. Ninguém de bom senso vai comparar o tacanho e tragicômico Michel Temer com o trágico e sinistro Adolf Hitler. Nem um nem outro merecem tanto. Aquele, “do lar”, este, bem, também era “do lar”, abstêmio, vegetariano, fiel pelo que se sabe, mas, de qualquer modo e por exemplo, os penteados eram completamente diferentes. Além disto, Hitler ficou no poder durante doze anos, de 33 a 45, digamos. Temer não ficará tanto. No Inferno de Dante Hitler estaria na boca de Lúcifer, mascado com os grandes traidores da história. Onde estará Temer? Provavelmente na porta do Inferno. Nem lá ele será admitido. Na porta, sem direito nem a meia-entrada, estão os que carecem até mesmo de um forte caráter pecador. Para alegria dos pós-modernos, estão no não-lugar universal e eterno.

Também ninguém vai comparar o grotesco Cunha ao também grotesco Göring, que foi quem presidiu a sessão do Reichstag que começou o golpe de estado nazista em 23 de março de 1933. Se estivessem num romance de Dostoyevski, ambos seriam qualificados como psicopatas. Mas não esteve um, nem está o outro. Vamos aguardar para ver como a história qualificará o mais recente deles. Boa coisa não será.
Agora, se olharmos os métodos, como se parecem!
 Em primeiro lugar, Hitler deu aquilo que a revista alemã qualificou, em relação ao Brasil, um “kalter Putsch”, um “golpe frio”, ou “branco”, na nossa tradição. Foi um golpe inteiramente “legal”, através de uma votação no Bundestag, o Parlamento, depois confirmado pelo Bundesrat, que equivaleria ao nosso Senado (como deve acontecer), assinado pelo presidente von Hindenburg, e largamente deixado correr ou apoiado pelo Judiciário.

O golpe ganhou o nome histórico de “Ermächtigungsgesetz”, que poderia ser traduzido por “Lei de Empoderamento”. Era muito breve, como o nosso Ato 5: tinha um preâmbulo de algumas linhas e cinco artigos. Em essência, dizia que o Gabinete Executivo - presidido por Hitler - tinha poderes para decretar leis sem aprova-las no Parlamento, e que estas leis estariam acima da Constituição, que não poderia ser invocada para contesta-las. Dizia que a exceção se referia ao Bundestag e ao Bundesrat, coisa que, evidentemente, foi desrespeitada depois. Ou seja, como hoje no Brasil, rasgava-se a Constituição “legalmente”, e abria-se o período de exceção, diante de uma pequena burguesia (hoje diríamos alta classe média) gessificada pelo medo da ascenção dos “debaixo”. Mas tanto lá como hoje, nesta classe média isto não era unânime, diga-se de passagem. Por isto a repressão que se seguiu foi generalizada. E hoje, não será?

Mas houve também o processo de votação. Como o nosso presidente da Câmara, Göring se dedicou a criar regras próprias para a votação. Depois do incêndio do Reichstag, no final de fevereiro de 1933, Hitler desejou que na nova votação que haveria no começo de março ele tivesse assegurada uma maioria absoluta no Bundestag. Isto não aconteceu. O Partido Nacional-Socialista precisava ainda do apoio de partidos de coalizão (basicamente o Partido do Centro, católico - parecido com os evangélicos de hoje - e o Partido Nacional do Povo Alemão, coligado com os nazistas. Por isto os nazis decidiram adotar o caminho da Lei do Empoderamento, para prescindirem deste apoio futuramente. E os outros morderam a isca.

Mas houve mais. A Constituição alemã previa que para uma votação destas, que a modificava, era necessária a presença de dois terços dos deputados, ou seja, 432 dos 584 membros. Para vencer esta dificuldade, Göring inventou uma nova conta. Como os comunistas tinham sido acusados pelo recente incêndio do prédio do Reichstag (o Parlmento se reunia num teatro, a Casa da Ópera Kroll), os deputados do KDP (Kommunist Deutsche Partei) tinham sido presos, banidos, ou estavam foragidos. Assim Góring simplesmente descontou os 81 que eles eram da soma geral, e o quorum ficou reduzido a 378. Boa matemática, não?

Além disto, Göring abriu as portas do Parlamento aos Nazisturmabtellung, os SA, Camisas-Pardas (que depois seriam sacrificados para ratificar o poder dos SS). Hoje, no Brasil, não há SA, mas há as tratativas entre a presidência da Câmara e a Rede Globo, fazendo a votação no domingo, com esta mudando horários de jogos… enfim, cada momento tem a SA que pode e merece.

O processo de votação foi uma farsa. Estaremos falando de 1933 ou de 2016? Tanto faz. Aquele não foi transmitido pela TV, porque TV não havia, pelo menos na escala de hoje. O de hoje foi, para vergonha dos deputados perante o mundo inteiro. Vários deputados do SPD tinham sido presos, ou já haviam fugido para o exterior. Mas o inventivo Göring criou uma nova cláusula, ad hoc: deputados que não comparecessem, mas que não tivessem apresentado uma justificativa por escrito, deviam ser contados como presentes, para para garantir o quorum. (Lembram da alegação de um um deputado pró-impeachment que os deputados ausentes teriam de apresentar atestado médico?).

Bom, na sessão, apenas o líder do que restava do SPD, Otto Wels, que terminaria morrendo exilado na França antes da ocupação, falou contra a nova Lei. Os outros discursos foram acachapantemente ridículos (alguma coincidência será mera semelhança?). Bom, ninguém invocou a mãezinha ou o vizinho, mas saíram coisas como a Pátria e a Ordem. Resultado: 444 a favor da nova lei, 94 contra, todos estes do SPD.

Um detalhe muito interessante: Hitler negociara com Ludwig Kaas, o líder católico, que respeitaria o direito da Igreja e os funcionários católicos nos cargos de Estado, além das escolas. No dia seguinte ao da votação, que foi logo aprovada no Bundesrat e assinada por Hindenburg, Ludwig Kaas foi despachado para o Vaticano para explicar a nova situação ao então Cardeal Pacelli, futuro Papa Pio XII, de triste memória (alguma semelhança com a viagem do ex-companheiro Mateus, hoje senador Aloysio Nunes Ferreira, despachado aos States logo depois da votação na Câmara?) Ele cumpriu a missão religiosamente, como o Mateus. Porém, Hitler lhe prometera (a Kaas) uma carta com as garantias. Ela nunca foi entregue.

Satisfeitas e satisfeitos? É, mas tem mais…

Porque ainda resta o triste papel do Judiciário. Em primeiro lugar, juízes alemães legalizaram a perseguição aos comunistas porque eram “traidores” incendiários do Reichstag. Depois, fizeram vista grossa para as demais perseguições que vieram. Quando não apoiaram. Deve-se lembrar que quem inaugurou a queima de livros em 10 de maio de 1933, na hoje Bebelplatz, foi o diretor da Faculdade de Direito, ao lado, trazendo uma braçada de livros “degenerados” da sua biblioteca.

Hitler acusou um comunista holandês, Marinus Van der Lubbe, e mais quatro outros militantes búlgaros pelo incêndio, que ocorreu em fevereiro de 1933, alguns dias antes da eleição de março. Eles foram levados a julgamento no segundo semestre de 1933. Lubbe foi réu confesso - sabe-se lá como sua confissão foi obtida, mas pode-se julgar pela declaração em juízo de um dos outros acusados, Georgi Dimitrov, de que passara sete meses acorrentado em sua cela, dia e noite. Bem, a gente pode pensar numa justificativa: naquela época não havia delação premiada… Era pancadaria mesmo. Os outros quatro foram absolvidos por falta de provas, mas Lubbe foi condenado à morte e executado no começo de 1934.

Farsa? Sim, mas o pior vem depois.

Em 1967 um juiz da Alemanha Ocidental, na reabertura do processo promovida pelo irmão do condenado, Jan, “comutou” a pena de van der Lubbe de condenação à morte para 8 anos de prisão (!), quando o réu já estava, bem, digamos, no outro mundo. Em 1980, novo julgamento anulou a decisão de 1933 e de 1967. Mas em 1983 nova decisão anulou a de 1980, a pedido do… Ministério Público (!). O caso só foi resolvido definitivamente em 06 de dezembro de 2007 (!), 71 anos depois da decisão original, quando o equivalente ao nosso Promotor Geral da República proclamou “o perdão" de van der Lubbe, com base em uma lei de 1998 que declarara todas os julgamentos da época do nazismo juridicamente nulos.

Até hoje as alegações de que o incêndio foi provocado pelos próprios nazistas para começar sua série interminável de desmandos nunca foi oficialmente investigada. É um bom exemplo para quem acha que o caso das omissões e vagarosidade do Judiciário brasileiro é algo único na história.

Depois deste exercício de história comparada, que as leitoras e os leitores tirem suas próprias conclusões.


                  
  Extraído de www.cartamaior.com.br