12/11/2020

Do sentimento trágico da vida (trechos)

 Ismael Nery



Há, sem dúvida, algo de tragicamente destrutivo no fundo do amor, tal como se nos apresenta na sua forma animal primitiva, nesse instinto irresistível que leva o macho e a fêmea a confundir as suas entranhas, num estreitamento furioso. Aquilo mesmo que une os corpos, separa sob certos aspectos, as almas; ao abraçarem-se, odeiam-se tanto como se amam, e sobretudo lutam, lutam por um terceiro, que ainda não vive. O amor é uma luta, e há espécies animais em que o macho, ao unir-se com a fêmea, maltrata esta; e outras espécies há em que a fêmea devora o macho logo que este a fecundou.                                                 Tem-se dito que o amor é um egoísmo recíproco. E, de fato, cada um dos dois amantes procura possuir o outro; e se ele procura por este outro, sem nisso pensar, nem propor a sua própria perpetuação, procura portanto, o seu prazer. Cada um dos dois amantes é para o outro, diretamente,, um instrumento de prazer, e indiretamente, de perpetuação. E assim, são tiranos e escravos; cada um deles é ao mesmo tempo, tirano e escravo um do outro.


Miguel de Unamuno, Bilbau (Espanha) - 1864-1900 

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