Dentro da noite por fim construída
há tempo para tudo, e muito espaço.
Longas janelas.
Cortinas corridas.
Nos armários vazios,
grandes chumaços de algodão
a preencher cada centímetro e gaveta.
Na parede, um termômetro no qual
ninguêm dá corda há muito tempo.
Nas prateleiras, livros entulhados
de palavras que escorrem devagar,
formando umas poças ralas no chão.
É uma espécie de véspera. Calados,
os cômodos esperam o raiar de
alguma coisa como um dia. Ou não.
( de Nenhum mistério, 2018)
Toda vida é provisória,
todo poema é fragmento.
Cada dia, cada hora, cada verso
é só um momento de alguma totalidade
que você sequer concebe.
Viva e escreva e não se abale.
Você não é o que você escreve.
( de Fim de verão, 2022)
Paulo Henriques Britto, nasceu no Rio de Janeiro em 1951. É poeta, contista e tradutor.