DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

13/03/2024

Sobre o Tempo *

 



Soneto 123


De me fazer mudar, não te gabes, ó Tempo.

As pirâmides que de novo construíste

para mim nada têm de novo nem de estranho;

são elas do já visto a imagem disfarçada.

Os dias breves são: deixamo-nos arrebatar

por coisas bem senis, mas dadas como novas, [...]

Desafio a um tempo, a ti e a teus anais:

não me espanta ou me encanta o presente ou o passado;

falsa a tua lembrança e falso o que se vê,

que se aumenta ou reduz por tua presa incessante.

Faço este voto ao qual sempre me apegarei:

Fiel sempre, apesar de ti, de tua foice.


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Soneto 77


Ao espelho verás declinar-te a beleza

e a volúvel montra ir-se teu rico tempo;

[...]

As rugas que um sincero espelho mostrará

far-te-ão relembrar a tumba escancarada;

na montra, a hora que foge a ti ensinará

que para a eternidade o tempo a furto avança.


* William Shakespeare - 1564-1616

26/02/2024

Degraus em grãos






Tentar desatar os nós de todos nós; os dedos das mãos como crisálidas,

 movimentam-se em espirais, até se tornar circular, num movimento

 côncavo convexo. 

Na ponta dos dedos da noite, moldar a argila dos sonhos do dia. 

Somos como cascas de árvores que no outono submergem em seu pró-

pio suor para tornar-se o sumo de novas sementes.

18/02/2024

A Brevidade *

 




Por que és tão breve?

Não amas mais, como outrora, o canto?

Quando jovem, não chegavas, nos dias de esperança,

nunca ao fim, quando cantavas!


Tal qual minha sorte é meu canto -

Queres ao arrebol banhar-te alegremente?

Foi-se! E a terra está fria.

E o pássaro da noite esvoaça 

incomodamente aos olhos teus.


* Friedrich Hölderlin - Laufen (Alemanha) 1770-1843

Tradução: Antonio Cícero



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Vai-me apertando amargo, o coração, se penso em como tudo passa e 

passa, quase sem deixar rastro.


Giacomo Leopardi - Recanati(Itália) 1798-1837

11/01/2024

A Noite dissolve os homens *






Dias. Noites sem fim.

 Medo paralisante e uma coragem desenfreada mas esmorecida.

 Vida e morte bem juntinhas para não perder o costume...

Dias asfixiados e asfixiantes para noites escuras.

 Solidão branca, tão solar que cega o entorno; o óbvio beirando o banal, 

 lugar comum de dois, de milhares, de milhões de ilhas, de arquipélagos

 humanos... !


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A noite dissolve os homens


A noite desceu. Que noite!

Já não enxergo meus irmãos.

E nem tampouco os rumores

que outrora me perturbavam.

A noite desceu. Nas casas,

nas ruas onde se combate,

nos campos desfalecidos,

a noite espalhou o medo

e a total incompreensão.

A noite caiu. Tremenda,

sem esperança...Os suspiros

acusam a presença negra

que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho

na noite. A noite é mortal,

completa, sem reticências,

a noite dissolve os homens,

diz que é inútil sofrer,

a noite dissolve as pátrias,

apagou os almirantes

cintilantes! nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo...

O mundo não tem remédio...

Os suicidas tinham razão.


Aurora,

entretanto eu te diviso, ainda tímida,

inexperiente das luzes que vais acender

e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,

adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,

teus dedos frios, que ainda se não modelaram

mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.


Minha fadiga encontrará em ti o e termo,

minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam

os corpos hirtos adquirem uma fluidez,

uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer. O mundo

se tinge com as tintas da antemanhã

e o sangue que escorre é doce, de tão necessário

para colorir tuas pálidas faces, aurora.


* Carlos Drummond de Andrade, em Sentimento do Mundo


17/12/2023

"Natureza morta" *

 Adriana Varejão



Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.

Estou dependurada na parede feita um quadro.

Ninguém me segurou pelos cabelos.

Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova.

Espetaram, hein? a ave na parede.


Mas conservaram os meus olhos

É verdade que eles estão parados.

Como os meus dedos, na mesma frase.

As letras que eu poderia escrever

Espicharam-se em coágulos azuis.

Que monótono o mar!


Os meus pés não dão mais um passo.

O meu sangue chorando

As crianças gritando,

Os homens morrendo

O tempo andando

As luzes fulgindo,

As casas subindo,

O dinheiro circulando,

O dinheiro caindo,

Os namorados passando, passando,

Os ventres estourando

O lixo aumentando,

Que monótono o mar!


Procurei acender de novo o cigarro.

Por que o poeta não morre?

Por que o coração engorda?

Por que as crianças crescem?

Por este mar idiota não cobre o telhado das casas?

Por que existem telhados e avenidas?

Por que se escrevem cartas e existe jornal?

Que monótono o mar!


Estou espichada na tela com um monte de frutas apodrecendo.

Se eu ainda tivesse unhas

Enterraria os meus dedos nesse espaço branco

Vertem os meus olhos uma fumaça salgada

Este mar, este mar não escorre por minhas faces.

Estou com tanto frio, e não tenho ninguém...

Nem a presença dos corvos.


* Solange Sohl, pseudônimo de PATRÍCIA GALVÃO(Pagu), em

Diário de São Paulo, 15.08.1948.

Patrícia Galvão nasceu em São João da Boa Vista(SP) 1910-1962.

09/12/2023

Do silêncio ensurdecedor

 




Tudo é silêncio. Corro até o mar em busca de uma voz desaparecida. O ir e vir das ondas termina calmamente em meus pés sem nada dizer. Apuro o ouvido, e ouço apenas um débil sussurrar de espumas misturado ao forte ruído das ondas, o ronco surdo da Terra. Vozes em agonia penetraram no silêncio do mar, formando lagos de lágrimas, blocos de vocábulos brancos, geleiras de palavras, nuvens de parágrafos suspensos sobre.

A voz penetrou o silêncio, caiu no mar, perdeu-se nas ondas - e o coração partido: pedaços boiando sobre as ondas no vaivém do mar. Tão débil a voz, tão inominável o sentimento misturado a esse mar tenebroso do viver, esse alarido de vozes silentes! 

24/11/2023

Saudade...

 




Dos blogues com suas postagens muitas vezes polêmicas, e enriquecidas de ideias novas; das leituras provocadas ou sugeridas por blogueiras(os) amantes da boa leitura; das bibliotecas com seus corredores, labirintos silenciosos repletos de prateleiras de livros que nos sussurravam palavras saídas do bico dourado de um papagaio, dando asas à imaginação; das araras azuis, do canto dos pássaros, das matas e dos jardins: melros, sabiás, bem-te-vis; das tartarugas que enterravam seus ovos na praia e corriam para o mar. Do marulhar das ondas e dos barcos ao longe nos levando a uma ilha desconhecida.

        Quantas saudades...!?

26/10/2023

William Shakespeare em Macbeth (trechos) *

 



"Esta terna estrutura, a terra, me parece que se tornou uma estéril excrecência e a excelsa abóbada celeste, o firmamento solidamente suspenso sobre nós, majestoso teto marchetado de ouro flamejante, surge  como uma mistura explosiva de vapores perniciosos".


" Os que dormem, e os que já estão mortos, não passam de pinturas.É tão  somente o olhar de uma criança que se amedronta diante de um diabo desenhado."


" E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco - faz isso por uma hora e, depois não se escuta mais sua voz. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e vazia de significado".


William Shakespeare (1564-1616) nasceu e morreu em Stratford, Inglaterra. Começou a escrever poemas desde cedo, até tornar-se um dos mais consagrados dramaturgos do seu tempo. Além de Macbeth escreveu inúmeras peças, entre as quais: Hamlet, Rei Lear, Otelo, A tempestade, Romeu e Julieta. Macbeth foi escrita entre 1605 e 1606.

24/09/2023

Dos secretários que os príncipes têm junto de si *

 




Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros, os quais são bons ou não, segundo a prudência do governante. E a primeira conjectura a se fazer da inteligência de um senhor resulta da observação dos homens que o cercam; quando são capazes e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube reconhecê-los competentes e conservá-los. Mas quando não são assim, sempre se faz mau juízo do príncipe, porque o primeiro erro dele reside nessa escolha. [...] E porque são de três espécies as inteligências - uma que entende as coisas por si; outra que discerne o que os outros entendem; e a terceira que não entende nem por si, nem por intermédio dos outros, sendo a primeira excelente, a segunda muito boa e a terceira inútil, - estavam todos acordes que, se o príncipe não se classificava no primeiro grau, estava, necessariamente, no segundo. Porque, toda vez que alguém tem a capacidade de conhecer o bem e o na fala ou no ato de uma pessoa, mesmo que por si não consiga solucionar os problemas, discerne as más e as boas obras do ministro, exalta estas e corrige aquelas; e o ministro não pode enganá-lo, e então se conserva bom.

Mas, para que um príncipe conheça o ministro, existe um método infalível. Quando vires o ministro pensar mais em si do que em ti, e que em todas as ações procura o interesse próprio, podes concluir que jamais será um bom ministro, e nele nunca poderás confiar; aquele que tem o Estado de outrem em suas mãos não deve pensar nunca em si, mas sempre no príncipe, e não recordar nunca algo que não seja da sua competência. Por outro lado, o príncipe, para conservá-lo bom ministro, pense nele, honre-o, faça-o rico, vinculando-o a sua pessoa, fazendo-o participar das honrarias e cargos, a fim de que veja não poder ficar sem a proteção principesca; mas que as muitas honras não o façam desejar mais honras, as muitas riquezas não façam desejar maiores riquezas, e os muitos cargos o façam temer as mudanças. Pois, quando os ministros e o príncipe relacionam-se assim preparados, podem confiar um no outro; do contrário, o fim será sempre danoso, para um para o outro.


Extraído de O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, Florença(Itália) - 1469-1527 - Diplomata, poeta, historiador e músico. 

03/09/2023

"Mensagem"

 

Os deuses vendem quando dão.

Compra-se a glória com desgraça.

Ai dos felizes, porque são

só o que passa!


Baste a quem baste o que lhe basta

O bastante de lhe bastar!

A vida é breve, a alma é vasta.

Ter é tardar.


Foi com desgraça e com vileza

que Deus ao Cristo definiu:

assim o opôs à Natureza

e o Filho o ungiu.



Fernando Pessoa