DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

28/01/2019

O maior trem do mundo




O maior trem do mundo
leva minha terra
para a Alemanha
leva minha terra para o Canadá
leva minha terra para o Japão

O maior trem do mundo
puxado por 5 locomotivas a óleo diesel
engatadas geminadas desembestadas
leva meu tempo, minha infância, minha vida
triturada em 163 vagões de minério e destruição

O maior trem do mundo transporta a coisa mínima do mundo,
meu coração itabirano.

Lá vai o trem maior do mundo
vai serpenteando, vai sumindo
e um dia, eu sei não voltará
pois nem terra nem coração existem mais.

(publicado no jornal Cometa Itabirano-1984)

Vila da utopia

Parecia-me que um destino mineral, de uma geometria dura e inelutável, te prendia, Itabira, ao dorso fatigado da montanha, enquanto outras alegres
cidades, banhando-se em rios claros ou no próprio mar infinito, diziam que a vida não é uma pena, mas um prazer. A vida não é um prazer, mas uma pena. Foi esta segunda lição, tão exata como a primeira, que aprendi contigo, Itabira, e em vão meus olhos perseguem a paisagem fluvial, a paisagem marítima:
eu também sou filho da mineração, e tenho os olhos vacilantes quando saio da escura galeria para o dia claro.

Lira Itabirana

O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

A dívida interna.
A dívida externa.
A dívida eterna.

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

(Publicado no jornal Cometa Itabirano - 1984)

Carlos Drummond de Andrade - 1902-1987

22/01/2019

O Azul do Nada

Iberê Camargo


sobre o azul
dos meus olhos
passa uma cortina
encobre o teu rosto
mascara as palavras

no raso da água rasgo
meus olhos para
te ver
mas nada: as palavras
nadam

meus olhos sombras
sob o azul Nadir

15/01/2019

O galo e a raposa




No meio dos galhos de uma árvore bem alta um galo estava empoleirado e cantava a todo o volume. Sua voz esganiçada ecoava na floresta. Ouvindo aquele som tão conhecido, uma raposa que estava caçando se aproximou da árvore. Ao ver o galo lá no alto, a raposa começou a imaginar algum jeito de fazer o outro descer. Com a voz mais boazinha do mundo, cumprimentou o galo dizendo: - Ó  meu querido primo, por acaso você ficou sabendo da proclamação de paz e harmonia universal entre todos os tipos de bichos da terra, da água e do ar? Acabou essa história de ficar tentando agarrar os outros para comê-los. Agora vai ser tudo na base do amor e da amizade. Desça para a gente conversar com calma sobre as grandes novidades! O galo, que sabia que não dava para acreditar em nada do que a raposa dizia, fingiu que estava vendo uma coisa lá  longe. Curiosa, a raposa quis saber o que ele estava olhando com ar tão preocupado. -  Bem –  disse o galo –,  acho que estou vendo uma matilha de cães ali adiante. -  Nesse caso é melhor eu ir embora – disse a raposa.   -  O que é isso, prima? – disse o galo. – Por favor, não vá ainda! Já estou descendo! Não vá me dizer que está com medo dos cachorros nesses tempos de paz?!   -  Não, não é medo – disse a raposa –,  mas ... e se eles ainda não estiverem sabendo da proclamação?

Fábula de Esopo -  Tradução de Heloísa Jahn. São Paulo. Companhia das Letrinhas.

06/01/2019

Transitoriedade




Foi ali não voltou. Entrou num beco sem saída desceu uma ladeira despencou numa montanha mágica. Quando deu por si estava em plena selva - sumaúma
jequitibá pau-brasil igarapé rio caudaloso - um sobe e desce infernal cheio de pesadelos. Ao acordar estava navegando num rio de águas paradas. Meteu os pés debaixo da cama e enfiou a cabeça no subterrânico travesseiro do tempo. 
E como o tempo não para, vamos dar tempo ao tempo para continuar...

03/01/2019

Eia, Mário se Andrade!!!




Eu nem sei se vale a pena
Cantar São Paulo na lida,
Só gente muito iludida
Limpa o gosto e assopra a avena,
Essa angústia não serena,
Muita fome pouco pão,
Eu só vejo na função
Miséria, dolo, ferida,
Isso é vida?
[...]
Mas o pior desta nação
É ter fábrica de gás
Que donos da vida faz
Ianques e ingleses de ação,
Tudo vem de convulsão
Enquanto se insulta o Eixo,
Lights, Tramas, Corporation,
E a gente de trás pra trás.
Isso é paz?

O Cortejo

Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões.
"Bom giorno, caro"

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e o jorro dentre a língua trissulcade
pus e de mais distinção...
guiam homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.

*****

Comunismo pra brasileiro é uma espécie de assombração medonha. Brasileiro nem bem escuta a palavra, nem quer saber o que é, fica danado. Bem, é verdade que danação de brasileiro tem cana-de-açúcar pra adoçar, baunilha pra perfumar e no fim um sorvo de caninha de alambique de barro, bem boa pra rebater: acaba tudo em dança. Mas nem por isso deixa de ser dum ridículo cansativo esse apavorante pânico que tomou o Brasil por ordem da Inglaterra.

Trecho da crônica publicada em 30.11.1930, no Diário Nacional.

01/01/2019

Das notícias que as pessoas não querem saber




No Brasil existem cerca de 1 milhão e trezentas mil pessoas com Alzheimer; 3 em 4 pessoas não
têm a doença diagnosticada.
Linguagem, distúrbio de comportamento, depressão, não é hereditário, mas genético. A medicação que existe para tais distúrbios é apenas sintomática, isto
é, funciona como um analgésico. Gasta-se 1 trilhão de dólares no mundo para o "tratamento" da depressão. Espera-se pelo menos um controle dessa
doença, como o que já existe para a hipertensão, a
diabetes, a Aids, etc...