DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

27/02/2012

De anoiteceres...

noiteça-se

e esvoace-se

caia!

mergulhe profundo

adormeça!

queda livre

voo rasante sem asa

partida ao meio

onde opostos se encontram

desafio...


*****


pássara noturna

sobrevoa sonhos

acordada

passara por alí

por (a)caso pensado

caiu na árvore (vida)

estatelou-se no horizonte

acorda!


*****


brinque com (as) estrelas

caminhe sobre nuvens

perambule pelos sonhos

mas não

abandones tua casa!


Téssia Medrando, Cajuína (MG)

25/02/2012

Relembrando 1922










Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.


Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".


O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.


Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.


O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.


Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.


Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."


Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".


Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.


Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".


Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".


Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;


Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é


Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


O poema "Os sapos", foi escrito por Manuel Bandeira em 1918, publicado em 1919 e declamado por Ronald de Carvalho na Semana de Arte Moderna em 1922 na cidade de São Paulo dando início ao Modernismo na Literatura e nas Artes no Brasil.

Nesse poema, Manuel Bandeira satiriza os poetas parnasianos, comparando-os ao coaxar dos sapos, pois só aceitavam a poesia rimada, formal.

24/02/2012

O belo e o feio

Mulher a chorar - Picasso




Calíope, musa da poesia épica


Dizer que belo e feio são relativos aos tempos e às culturas (ou até mesmo aos planetas) não significa, porém, que não se tentou, desde sempre, vê-los como padrões definidos em relação a um modelo estável. Pode-se sugerir também, como Nietzsche no Crepúsculo dos ídolos, que "no belo o ser humano se coloca como medida da perfeição." (...) "adora nele a si mesmo (...) No fundo, o homem se espelha nas coisas, considera belo tudo o que lhe devolve a sua imagem(...) O feio é entendido como sinal e sintoma da degenerescência(...) Cada indício de esgotamento, de peso, de senilidade, de cansaço, toda espécie de falta de liberdade, como a convulsão, como a paralisia, sobretudo o cheiro, a cor, a forma da dissolução, da decomposição (...) tudo provoca a mesma reação: o juízo de valor 'feio'. (...) O que odeia aí o ser humano? Não há dúvida: o declínio de seu tipo".



Em História da Feiúra, Organização de Humberto Eco - Editora Record

21/02/2012

"De quem é o olhar ..."

Romina de Novellis




De quem é o olhar

Que espreita por meus olhos?

Quando penso que vejo,
Quem continua vendo

Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,

Não os meus tristes passos,
Mas a realidade

De eu ter passos comigo? Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu

Para mim próprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido

Em mim o Universo -
E uma nódoa esbatida

De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.

Fernando Pessoa

15/02/2012



De mil experiências que fazemos, no máximo conseguimos traduzir uma em palavras, e mesmo assim de forma fortuita e sem o merecido cuidado. Entre todas as experiências mudas permanecem ocultas aquelas que, imperceptivelmente, dão às nossas vidas a sua forma, o seu colorido e a sua melodia. Quando depois, tal qual arqueólogos da alma, nós nos voltamos para nossos tesouros, descobrimos quão desconcertantes elas são. O objeto da observação se recusa a ficar imóvel, as palavras deslizam para fora da vivência e o que resta no papel no final não passa de um monte de contradições. Durante muito tempo acreditei que isso era um defeito, algo que deve ser vencido. Hoje penso que é diferente, e que o reconhecimento de tamanho desconcerto é a via régia para compreender essas experiências ao mesmo tempo conhecidas e enigmáticas. Tudo isso parece estranho, eu sei, até mesmo extravagante. Mas desde que passei a ver as coisas assim, tenho a sensação de, pela primeira vez,

estar atento e lúcido.

Trecho extraído do romance Trem noturno para Lisboa, de Pascal Mercier, pseudônimo de Peter Bieri - Berna, Suíça

13/02/2012

So-Neto Jorge, Luíza

Mulher esférica, Jorge Jimenez Deredia



A silabar que o poema é estulto
o amado abre os dentes e eu deslizo;
sismos,orgasmos tremem-lhe no olhar
enquanto eu, quase a rimar, exulto.

Conheço toda a terra só de amar:
sem nós e sem desvãos, um corpo liso.
Tenho o mênstruo escondido num reduto
onde teoricamente chega o mar.

Nos desertos-íntimos, insuspeitos-
já caem com a calma as avestruzes
ou a distância, com os oásis, finda;

à medida que nos arcaicos leitos
se vão molhando vozes e alcatruzes
ao descerem ao fundo pego, e à vinda.

Luíza Neto Jorge, Lisboa (1939-1989)

11/02/2012

Sobre o amor...

Você publicou um livro sobre o amor, que é de uma sabedoria comovedora. Para um filósofo comprometido com a ação política e cujo pensamento integra as matemáticas, a aparição do tema do amor é pouco comum.

O amor é um tema essencial, uma experiência total. O amor está ameaçado pela sociedade contemporânea. O amor é um gesto muito forte porque significa que é preciso aceitar que a existência de outra pessoa se converta em nossa preocupação. No amor, o fundamental está em que nos aproximamos do outro com a condição de aceita-lo em minha existência de forma completa, inteira. Isso é o que diferencia o amor do interesse sexual. Este se fixa sobre o que os psicanalistas chamaram de “objetos parciais”, ou seja, eu extraio do outro alguns emblemas fetiches que me interessam e que suscitam minha excitação desejante. Não nego a sexualidade, pelo contrário. Ela é um componente do amor. Mas o amor não é isso. O amor é quando estou em estado de amar, de estar satisfeito e de sofrer e de esperar tudo o que vem do outro: a maneira como viaja, sua ausência, sua chegada, sua presença, o calor de seu corpo, minhas conversas com ele, os gostos compartilhados. Pouco a pouco, a totalidade do que o outro é torna-se um componente de minha própria existência. Isso é muito mais radical que a vaga ideia de preocupar-me com o outro. É o outro com a totalidade infinita que representa e com o qual me relaciono em um movimento subjetivo extraordinariamente profundo.

Em que sentido o amor está ameaçado pelos valores contemporâneos?

Está ameaçado porque o amor é gratuito e, desde o ponto de vista do materialismo democrático, injustificado. Por que deveria me expor ao sofrimento da aceitação da totalidade do outro? O melhor seria extrair dele o que melhor corresponde aos meus interesses imediatos e aos meus gostos e descartar o resto. O amor está ameaçado hoje porque é distribuído em fatias. Observemos como se organizam as relações nestes portais de internet onde as pessoas entram em contato: o outro já vem fatiado em fatias, um pouco como a vaca nos açougues. Seus gostos, seus interesses, a cor dos olhos, o corte dos cabelos, se é grande ou pequeno, loiro ou moreno. Vamos ter uns 40 critérios e, ao final, vamos nos dizer: vou comprar este. É exatamente o contrário do amor. O amor é justamente quando, em certo sentido, não tenho a menor ideia do que estou comprando.

E frente a essa modalidade competitiva das relações, você proclama que o amor deve ser reinventado para nos defendermos, que o amor deve reafirmar seu valor de ruptura e de loucura.
O amor deve reafirmar o fato de que está em ruptura com o conjunto das leis ordinárias do mundo contemporâneo. O amor deve ser reinventado como valor universal, como relação em direção da alteridade, daquilo que não sou eu e onde a generosidade é obrigatória. Se não aceito a generosidade, tampouco aceito o amor. Há uma generosidade amorosa que é inevitável. Sou obrigado a ir na direção do outro para que a aceitação do outro em sua totalidade possa funcionar. Essa é uma excelente escola para romper com o mundo tal como é. Minha ideia sobre a reinvenção do amor quer dizer o seguinte: uma vez que o amor se refere a essa parte da humanidade que não está entregue à competição, à selvageria; uma vez que, em sua intimidade mais poderosa, o amor exige uma espécie de confiança absoluta no outro; uma vez que vamos aceitar que este outro esteja totalmente presente em nossa própria vida, que nossa vida esteja ligada de maneira interna a esse outro, pois bem, já que tudo descrito acima é possível isso prova que não é verdade que a competitividade, o ódio, a violência, a rivalidade e a separação sejam a lei do mundo.

Alain Badiou, nasceu em Rabat, Marrocos, em 1937. É professor de Filosofia na Universidade de Vincennes e no Collège International de Philosophie, além de professor emérito da École Normale Supérieure de Paris. Alguns de seus livros publicados: Teoria do sujeito - O ser e o evento - Ética: um ensaio sobre a consciência do mal.

09/02/2012

Partida

Confrontation, Cyril Berthault-Jacquier


Vi demais. A visão se revela pelos ares.

Tive demais. Sons de cidade à tarde,

e ao sol, e sempre.

Soube demais. As paradas da vida.

- Ó sons e Visões

Partida entre afeto e ruídos novos!


Arthur Rimbaud, Charleville, França - 1854-1891

07/02/2012

Aniquilamento



Meu coração esbanjou vaga-lumes
se acendeu e apagou
de verde em verde
fui contando

Com minhas mãos plasmo o solo
difuso de grilos
modulo-me
com
igual submisso
coração

Bem-me-quer mal-me-quer
esmaltei-me
de margaridas
enraizei-me
na terra apodrecida
cresci
como um cardo
sobre o caule torto
colhi-me
no tufo
do espinhal

Hoje
como o Isonzo
de asfalto azul
me fixo

Giuseppe Ungaretti, Alexandria, Egito (1888-1970)

05/02/2012

Escritos de Paul Valéry (Trechos)

No poeta:

A orelha fala,

A boca escuta;

É a inteligência, o despertar, quem procria e sonha;

É o sonho quem vê claro;

É a imagem e o fantasma quem olha,

É a falta e a lacuna quem cria.

Littérature, 1929

Emquanto o interesse pela prosa é exterior a ela mesma e nasce do consumo do texto, na poesia o interesse não o abandona nem dele pode se afastar.

A poesia é uma supervivência.

Numa época de simplificação da linguagem, alteração das formas, insensibilidade a respeito delas e especialização, a Poesia é coisa preservada. Quero dizer com isso que não se inventariam os versos hoje. Nem, por outro lado, ritos de qualquer espécie.

Littérature, 1929

A ideia de Inspiração contém: O que nada custa é o que tem maior valor. O que tem maior valor nada deve custar.

E também: Glorifica-se o máximo aquilo do que menos responsável se é.

Littérature, 1929


Ambroise-Paul-Toussaint-Jules Valéry, Sète, França (1871-1945)

02/02/2012

O prazer de ler





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O prazer que a leitura promove não é apenas fruição. É um prazer estético. Prazer que pode, inclusive, ser ensinado. Afinal, a matéria-prima da literatura são as palavras. Palavras artisticamente elaboradas. Assim, o prazer da leitura reside na possibilidade que as palavras têm de encantar, de construir diante de nós um universo novo, mágico, possível, com seu reserva de vida paralela, com carga emotiva, que permite o deslocamento do próprio eixo, que permite que nos coloquemos no lugar do outro.
Precisamos, pois, perceber que, quando oferecemos um livro como caminho para o preenchimento de horas vagas, estamos ofertando muito pouco (ou quase nada). O prazer literário é mais: é encanto com as próprias palavras, é maravilhamento diante de uma construção sonora, de uma arquitetura narrativa ou poética.

Caio Riter, doutor em Literatura Brasileira e professor, autor de O rapaz que não era de Liverpool, Porto Alegre, RS - O texto completo encontra-se no blog do autor: http://caioriter.blogspot.com/