DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

24/02/2020

Encontros e desencontros com as palavras





Umas e outras

não gosto do gosto que
já não tens; gostava
daquele gosto que tinhas:
sabor forte e
persistente.

***

uma faixa de gaze
um feixe de lenha
uns caras - minguados
com medo de
rinoceronte?
ou seria de hipopótamo?
Apenas hipóteses...

Babá bebé bibi
bobó de camarão
aguapé e sururu
regado a vinho branco
lá, detrás daquele muro...

***

Ai caí
do caramanchão e
com a cara no chão
me esparramei
com as palavras

entre a língua e os dentes
estão todas escondidas;
ora mudas, ora soltas,
no meio da boca sempre
tem uma que
quer sair
quer voar
quer falar...

20/02/2020

Buscando o sentido




O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universo.
Relação, não coisa, entre a consciência, a vivência, e
as coisas e os eventos.
O sentido dos gestos. O sentido dos produtos.
O sentido do ato de existir. Me recuso a viver num mundo sem sentido.
Estes anseios/ensaios são incursões em busca de sentido. Por isso o próprio da natureza do sentido:ele
não existe nas coisas, tem que ser buscado, numa busca que é sua própria fundação.
Só buscar o sentido faz realmente, sentido.
Tirando isso, não tem sentido.

Paulo Leminski (Curitiba, 1944-1980), em
Ensaios e anseios crípticos.

14/02/2020

O homem com a cabeça de abóbora



Era uma vez um homem que, em vez de uma cabeça, tinha uma abóbora oca sobre os ombros.Com ela,não
podia ir muito longe.E, no entanto, queria ser sempre
o primeiro. Era desse tipo! Em lugar da língua uma folha de carvalho pendia-lhe da boca, e os dentes tinham sido talhados a faca. Em vez de olhos tinha apenas dois buracos redondos. Atrás dos buracos, chamejavam dois tocos de velas. Eram seus olhos. Com eles, não via muito longe. E, no entanto, dizia que seus olhos eram os melhores que havia, o fanfarrão! Sobre a cabeça levava um chapéu alto; tirava-o quando alguém se dirigia a ele, era gentil a
esse ponto.Então, um dia, saiu a passear.Mas o vento
soprava tão forte que apagou seus olhos. Ele quis acendê-los de novo, mas não tinha fósforos. Aí, começou a chorar com seus restinhos de vela,porque
não tinha mais como encontrar o caminho de casa. Sentado, pois, ele segurou sua cabeça de abóbora com as duas mãos e quis morrer. Mas não conseguiu morrer assim tão facilmente. Antes, veio um besouro e comeu a folha de carvalho que pendia de sua boca. Antes, veio um passarinho que, com o bico, abriu um buraco em seu crânio de abóbora. Antes, veio uma criança e tomou-lhe os dois tocos de vela. Depois, então, ele pôde morrer. O besouro segue comendo a folha, o passarinho continua bicando e a criança ainda brinca com as velinhas.

Robert Walser nasceu em Biel, na Suíça, em 1878
e faleceu em 1956 numa clínica psiquiátrica de Berna. É autor de Os irmãos Tanner, O ajudante e
Jakob von Gunten, além de vários volumes de prosas
curtas e inúmeros textos publicados em jornais e revistas.

12/02/2020

Oh Minas Gerais!

Barragem do Fundão - O que restou



Minas Gerais...!
Tão Doce foi teu rio,
tão amargas(e traiçoeiras) são
as águas lamacentas da ganância 
e da impunidade.

À noite todos os gatos
são pardos, e os ratos
pulam do navio.
São fardos que a noite
lança ao grande transatlântico
ancorado no submundo
dos desesperados.

Oh Minas Gerais!
Quem te reconhece
ainda?

06/02/2020

A moral e os moralistas



O que é moral? Quem determina a moral de uma sociedade? Existem vários conceitos e definições sobre esse termo tão controvertido; na maioria dos casos, beira a hipocrisia. Segue abaixo algumas opiniões de personalidades bastante respeitáveis e respeitadas mundialmente:

Bertrand Russel: Moralistas são pessoas que renunciam às alegrias corriqueiras para poder, sem culpa e recriminação, estragar a alegria dos outros.
(filósofo e matemático - Reino Unido, 1872-1970)

Guerra Junqueiro: Há moralistas imoralíssimos!
(poeta, escritor e político - Lisboa, 1850-1923)

Stanislaw Ponte Preta(ou Sérgio Porto): os valores morais são os únicos que conservaram os preços de antigamente.
(jornalista e escritor - Rio de Janeiro, 1923-1968)

Marcel Proust: Assim que uma pessoa se sente infeliz, torna-se moralista.
(escritor, França, 1871-1922)

Friedrich Nietzche: É preciso ser-se imoral para por a moral em ação. Os meios dos moralistas são os mais asquerosos que já foram usados. Quem não tiver coragem de ser imoral, pode servir para tudo, exceto para ser moralista.
(filósofo, Alemanha, 1844-1900)

Vitorio de Sica: A indignação moral é, na maioria dos casos, uns 2% de moral, uns 48% de indignação
e uns 50% de inveja.
(cineasta, Itália, 1901-1974)