DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

26/12/2013

Meus poemas de dezembro




Ausência

Por muito tempo achei
que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegado nos meus braços
que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade


***

O que eu gosto do teu corpo

o que eu gosto do teu corpo é o sexo
o que eu gosto do teu sexo é a boca
o que eu gosto da tua boca é a língua
o que eu gosto da tua língua é a palavra

Julio Cortázar


***

Papagaio

estranho o poder do poeta
escolhe entre quase e cais
quais palavras lhe convêm
depois as empilha papagaio
e as solta no céu do papel

Chacal


***

Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado entre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas

Ana Cristina Cesar


***


O bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase

por onde ele passa
nascem palavras
e frases

com frases
se fazem asas
palavras
o vento leve

o bicho alfabeto
passa
fica o que não se escreve

Paulo Leminski


***

Reclame

Se o mundo vai bem
a seus olhos, use lentes
- ou transforme o mundo

ótica olho vivo
agradece a preferência

Chacal


22/12/2013

Dos espaços gelados




[....] Só uma pessoa muito delicada pode entrar em um quarto vazio onde há um espelho vazio, e com tal leveza, com tal ausência de si mesma, que a imagem não marca. Como prêmio essa pessoa delicada terá então penetrado em um dos segredos invioláveis das coisas: viu o espelho propriamente dito.
E descobriu os enormes espaços gelados que ele tem em si, apenas interrompidos por um ou mais blocos de gelo. Espelho é frio e gelo. Mas há a sucessão de escuridões dentro dele - perceber isso é instante muito raro - e é preciso ficar à espreita dias e noites, em jejum de si mesmo, para poder captar e surpreender a sucessão de escuridões que há dentro dele. [...] É preciso entender a violenta ausência de cor de um espelho para poder recriá-lo, assim como se recriasse a violenta ausência de gosto da água.
Não, eu não descrevi o espelho - eu fui ele. E as palavras são elas mesmas, sem tom de discurso.


Clarice Lispector, em  Água Viva.


15/12/2013

Habitar o tempo






Para não matar seu tempo, imaginou:
vivê-lo enquanto ele ocorre, ao vivo;
no instante finíssimo em que ocorre,
em ponta de agulha e porém acessível;
viver seu tempo: para o que ir viver
num deserto literal ou de alpendres;
em ermos, que não distraiam de viver
a agulha de um só instante, plenamente.
Plenamente: vivendo-o de dentro dele;
habitá-lo, na agulha de cada instante,
em cada agulha instante: e habitar nele
tudo o que habitar cede ao habitante.
 
E de volta de ir habitar seu tempo:
ele corre vazio, o tal tempo ao vivo;
e como além de vazio, transparente,
o instante a habitar passa invisível.
 
Portanto: para não matá-lo, matá-lo;
matar o tempo, enchendo-o de coisas;
em vez do deserto, ir viver nas ruas
onde o enchem e o matam as pessoas;
pois como o tempo ocorre transparente
e só ganha corpo e cor com seu miolo
(o que não passou do que lhe passou),
para habitá-lo: só no passado, morto.
 
João Cabral de Melo Neto

12/12/2013

A voz do escritor

 
 
imageria, libertação, vocabulário saltam do corpo e do passado do escritor, e gradualmente passam a ser os próprios reflexos de sua arte. embora sob o nome de estilo, uma linguagem autossuficiente é desenvolvida, e tem suas raízes somente nas profundezas da mitologia pessoal e secreta do autor...sua moldura de referencia é biológica ou biográfica e não histórica.
 
Roland Barthes
 
 


08/12/2013

Na minha cidade tem poetas, poetas, poetas...

 Composição do uruguaio Leo Masliah, versão de Carlos Sandroni 
 


07/12/2013

Chico Albuquerque 
 
 


05/12/2013

Nelson Mandela - 1918-2013




"Ainda há gente que não sabe,  quando se levanta,  de onde virá a próxima refeição e há crianças com fome que choram."

03/12/2013

Os mandamentos do escritor

 

 
 

El decálogo de Juan Carlos Onetti
 
I.  No busquen ser originales.  El ser distinto es inevitable cuando uno no se preocupa de serlo.
 
II. No intenten deslumbrar al burgués. Ya no resulta. Éste sólo se asusta cuando le amenazan el bolsillo.
III. No  traten  de  complicar al  lector,  ni  buscar  ni  reclamar  su  ayuda.
 
 IV. No escriban jamás pensando en la crítica,  em  los  amigos o parientes,  en la dulce novia o esposa.  Ni siquiera en el lector hipotético.
 
V. No  sacrifiquen la sinceridade  literaria  a  nada. Ni a la política ni al triunfo.  Escriban siempre para ese otro,  silencioso e implacable,  que llevamos dentro y no es posible engañar.
 
VI. No sigan modas,  abjuren del  maestro sagrado antes del tercer canto del gallo.
 
VII. No se limiten a leer los libros ya consagrados. Proust y Joyce fueron despreciados cuando asomaron la nariz, hoy son genios.
 
VIII.  No olviden la frase, justamente famosa: 2 más dos son cuatro; pero ¿y si fueran 5?
 
IX.  No desdeñen temas con extraña narrativa, cualquiera sea su origen. Roben si es necesario.
 
X. Mientan siempre.
 
XI. No  olviden que Hemingway escribió: “Incluso di lecturas de los trozos ya listos de mi novela, que viene a ser lo más bajo en que un escritor puede caer.”


Juan Carlos Onetti, escritor uruguaio (1909-1994)

01/12/2013

Os buracos do espelho


 
 

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
 
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar,  e não se ouve
 
já tentei dormir a noite inteira
quatro,  cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
 
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
 
Arnaldo Antunes