DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

30/01/2012

+ 1 poema de Maria Teresa Horta

Henri Matisse



Anjos Mulheres - VI

As mulheres voam
como os anjos
Com as suas asas feitas
de cristal de rocha da memória

Disponiveis
para voar

soltas...

Primeiro
lentamente uma por uma

Depois,
iguais aos pássaros

fundas...

Nadando,
juntas

Secreta a rasar o
chão

a rasar a fenda
da lua

no menstruo
por entre a fenda das pernas

Às vezes é o aço
que se prende
na luz

A dobrarmos o espaço?

Bruxas
pomos asas em vassouras
de vento

E voamos

Como as asas
lhe cresciam nas coxas

diziam dela
que era um anjo do mar

Rondo alto,
postas em nudez de ombros
e pernas

perseguindo,

pelos espaços,
lunares
da menstruação

e corpo desavindo

Não somos violência
mas o voo

quando nadamos
de costas pelo vento

até à foz do tempo
no oceano denso
da nossa própria voz

Sabemos distinguir
a dormir
os anjos das rosas voadoras

pelo tacto?

Somos os anjos
do destino

com a alma
pelo avesso
do útero

Voamos a lua
menstruadas

Os homens gritam
- são as bruxas

As mulheres pensam
- são os anjos

As crianças dizem
- são as fadas

Fadas?

filigrama cintilante
de asas volteando
no fundo da vagina

Nadamos?

De costas,
no espaço deste século

Mudar o rumo
e as pernas mais ao
fundo

portas por trás
dobradas pelos rins

Abrindo o ar
com o corpo num só golpe

Soltas,
voando
até chegar ao fim

Dizem-nos
que nos limitemos ao espaço

Mas nós voamos
também
debaixo de água

Nós somos os anjos
deste tempo

Astronautas,
voando na memória
nas galáxias do vento...

Temos um pacto
com aquilo que
voa

- as aves
da poesia

- os anjos
do sexo

- o orgasmo
dos sonhos

Não há nada
que a nossa voz não abra

Nós somos as bruxas da palavra.

29/01/2012

Por dentro do cérebro





Entrevista da Revista Poder (eletrônica) com o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho


Revista Poder – O que fazer para melhorar o cérebro?

Dr.Paulo Niemeyer: Você tem de tratar do Espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, fazer exercício. Se está deprimido, com a auto-estima baixa, a primeira coisa que acontece é a memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória são por depressão, desencanto, desestímulo. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter motivação. Acordar de manhã e ter desejo de fazer alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a auto-estima no ponto.

PODER: Cabeça tem a ver com alma?

PN: Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma… Isso não dá para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo.

PODER: O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?

PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o tratamento. Dos 50% que não morrem, 30% vão ter uma seqüela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num checkup, antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que pode ser prevenida com um check-up.

PODER: Você acha que a vida moderna atrapalha?

PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém mais tem dor.

PODER: Existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro?

PN: O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um cérebro ir muito bem num corpo muito maltratado, e vice-versa.

PODER: Qual a evolução que você imagina para a neurocirurgia?

PN: Até agora a gente trata das deformidades que a doença causa, mas acho que vamos entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral, cirurgia genética, que serão cirurgias com introdução de cateter, colocação de partículas de nanotecnologia, em que você vai entrar na célula, com partículas que carregam dentro delas um remédio que vai matar aquela célula doente. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.

PODER: Você acha que nós somos a última geração que vai envelhecer?

PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas irão bem até morrer. É isso que a gente espera. Ninguém quer a decadência da velhice. Se você puder ir bem de saúde, de aspecto, até o dia da morte, será uma maravilha.

PODER: Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que isso muda o funcionamento cerebral das pessoas?

PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às necessidades. Você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de fazer isso porque o cérebro hoje vai funcionar nessa rapidez. Ele tem de entrar nesse clique, porque senão vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive e o cérebro vai correndo atrás, se adaptando.

PODER: Você acredita em Deus?

PN: Geralmente depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina toda, quando acabamos de operar, vai até a família e diz: “Ele está salvo”. Aí, a família olha pra você e diz: “Graças a Deus!”.

Então, a gente acredita que não fomos apenas nós.

27/01/2012

+ 1 poema de Astrid Cabral






POR TODA PARTE O RIO

Por toda a parte o rio
solta serpente a rojar-se
na paisagem da planície
cobra domada à força por
barrancas e algemas de pontes
ou cativo fragmento no pote
na palma côncava do púcaro
no copo translúcido e mínimo
leite a pojar o seio das cuias.
Em águas batismais comungo
e mergulho o arcaico corpo de
remotíssimo passado anfíbio
nós todos tão sáurios tão
irmãos de peixes e quelônios
e espelho o rosto em fuga por
águas igualmente fugitivas
e comigo vai o rio rente rindo
roendo ruindo riando submim
num subsolo de sonhos.



Astrid Cabral nasceu em Manaus(AM), em 1936. É poeta e contista.

25/01/2012

+ 1 poema de Antonio Brasileiro



ESTUDO 157

Minha poesia é ríspida.
Não há maneira de nublá-la. É ríspida.
Estas lições não aprendi com o vento.
Sou homem.
O vento
permaneça nas alfombras,
nas frondes. Eu, sou homem.
E sinto dores, fomes, injustiças.
Não sou o vento que tange árias dúcteis
nos eucaliptos: sou um homem;
e vejo os homens de banda.
Não aprendi com o vento estas lições.
O vento é o vento, eu
sou um soluço.
É ríspida minha poesia.
Não aprendi com o vento, mas com os homens.
E os homens não passam – os homens doem.

23/01/2012

Pastora do corpo




Não ficas a guardar

o silêncio

do corpo

Nem a dor

nem a culpa

quando a vida fenece

Queres de ti lapidar

as rosas sanguíneas

Os rubis do teu útero

quando o tempo se esquece



Maria Teresa Horta, Lisboa, 1937.

20/01/2012

Entre ir e ficar





Entre ir e ficar hesita o dia,
de sua transparência enamorado.

A tarde circular é já baía:
em seu quieto vaivém se mexe o mundo.
Tudo é visível e tudo elusivo,
tudo está perto e tudo é intocável.

O lápis, os papéis, o livro, o vaso
abrigam-se na sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo, latejar-me à fonte,
teimosa, a mesma sílaba de sangue.

A luz tece no muro indiferente
um espectral teatro de reflexos.

Bem no centro de um olho me descubro:
não me fita, me fito em seu olhar.
O instante se dissipa. Sem mover-me,
eu me quedo e me vou: sou uma pausa.

Octavio Paz, México - 1914-1998 - Trad. Anderson Braga Horta

18/01/2012

Contemplação da nuvem



p/ Luis Alberto


a vida é a contemplação daquela nuvem.

E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
passando.

E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros um milhão de homens.

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
Passando.

Antonio Brasileiro, em Cantar de amiga, 1996.

16/01/2012

Leitura & Corpo

Itálico Iman Maleki


Faz alguns milhares de anos que a espécie humana se adaptou à leitura. O olho lê e o corpo inteiro entra em ação. Ler significa também encontrar uma posição apropriada, é um ato que envolve o pescoço, a coluna vertebral, os glúteos. E a forma do livro, estudada durante séculos e ajustada sobre formatos ergonomicamente mais adequados, é a forma que esse objeto deve ter para ser segurado pela mão e levado à correta distância do olho. Ler tem a ver com a nossa fisiologia.

O ritmo da leitura acompanha o do corpo, o ritmo do corpo acompanha o da leitura. Não se lê apenas com o cérebro, lê-se com o corpo inteiro, e por isso sobre um livro nós choramos, e rimos, e lendo um livro de terror se nos eriçam os cabelos na cabeça. Porque, mesmo quando parece falar só de ideias, um livro nos fala sempre de outras emoções, e de experiências de outros corpos. E, se não for somente um livro pornográfico, quando fala de corpos sugere ideias. Tampouco somos insensíveis às sensações que as polpas dos dedos experimentam ao tocá-lo, e certos infelizes experimentos feitos com encadernações ou até páginas de plástico nos dizem o quanto a leitura é também uma experiência tátil.

Se a experiência do livro ainda os intimida, comecem, sem temor, a ler livros no banheiro. Descobrirão que também os senhores têm uma alma.


Umberto Eco, em Memória Vegetal - Editora Record.

13/01/2012

"Um amor feliz"

Nikolaos Gysis




(...) a maravilha que deve ser escrever um livro: a invenção dentro da memória; a memória dentro da invenção; e toda essa cavalgada de uma grande fuga, todo esse prodígio de umas poligâmicas núpcias, secretas e arrebatadas, com a feminina multidão das palavras que se entregam, as que se esquivam; as que é preciso perseguir, seduzir, ludibriar; as que por fim se deixam capturar, palpar, despir, penetrar e sorver, assim proporcionando, antes de se evaporarem, as horas supremas de um amor feliz. Não há matéria mais carnalmente incorpórea, nem outra mais disposta a por amor ser fecundada.

Como se pode interpretar de outro modo esse velho lugar-comum de ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro? Só se em todos os casos se tratar de grandes e inevitáveis actos de amor: com a Mulher, com a Terra, com a Língua. Mas de plantar árvores e ter filhos haverá sempre muita gente que se encarregue. De destruir árvores também; de estragar filhos igualmente. Em compensação, um livro que viva, multiplicado, durante alguns anos ou alguns séculos, e que depois vá morrendo, sem ninguém dar por isso, mas nunca de uma só vez, até ser enterrado na maior discrição ou até se ver de súbito renascido, inesperadamente ressuscitado, um livro com semelhante destino - luminoso por mais obscuro, obscuro por mais luminoso, - isto é que foi sempre o que me empolgou.


David Mourão-Ferreira, Lisboa (1927-1996)

11/01/2012

À Vida




Não roubarás minha cor
Vermelha, de rio que estua.
Sou recusa: és caçador.
Persegues: eu sou a fuga.

Não dou minha alma cativa!
Colhido em pleno disparo,
Curva o pescoço o cavalo
Árabe —
E abre a veia da vida.

Marina Tzvietáieva
(tradução de Haroldo de Campos )

10/01/2012

Monólogo interior de um e-book (trechos)



Até há pouco, eu não sabia o que sou. Nascí vazio, se é que posso me exprimir assim. Não era capaz de dizer "eu". Então alguma coisa entrou em mim, um fluxo de letras, sentí-me pleno e comecei a pensar. Naturalmente, comecei a pensar aquilo que me havia entrado dentro. Uma sensação belíssima, porque pude sentir em bloco aquilo que mantinha em minha memória, ou percorrê-lo linha por linha, ou saltar de uma página a outra.
O texto que eu era chamava-se "do livro ao e-book". É um golpe de sorte o fato de alguém, creio dever chamá-lo meu usuário ou meu dono, ter colocado dentro de mim aquele texto, pelo qual aprendí muitas coisas sobre o que é um texto. Se ele tivesse colocado em mim alguma outra coisa (aprendí a partir do meu texto que existem textos dedicados somente, digamos, ao elogio da morte), eu pensaria outras coisas e acreditaria ser um moribundo, ou um túmulo. Em vez disso, sei que sou um livro e o que são os livros.
Sou uma coisa maravilhosa: um texto é um universo, e - pelo que entendí - um livro se torna aquele texto que imprimiram nele. Pelo menos, isso acontece aos livros tradicionais, sobre os quais o meu texto narra uma história minuciosa. (...)
Imagino que, para um livro de papel, trazer impresso um texto terrível seja um inferno. Como será a vida de um livro que conta uma história de amor infeliz? Será infeliz, também ele? E se seu texto conta uma história de sexo, ele se sente em contínua excitação? É bom não poder sair nunca do texto que se traz impresso sobre as próprias páginas? Talvez, porém, um livro de papel tenha uma vida belíssima, porque a passa concentrado sobre o mundo do seu texto, e vive sem dúvidas, sem suspeitar daquilo que pode acontecer fora dele - e sobretudo sem a suspeita de que existam outros textos que contradizem o seu.

{.....}

(continuarei na próxima postagem)


Humberto Eco em A Memória Vegetal - Editora Record - 2011

09/01/2012

Água



Água

transforme minha dureza

em correnteza

Água

transforme minha queda

em cachoeira

Água

transforme meu medo

em corredeira

Água

me transforme em vapor

me alivie por inteira.


Martha Galrão, em A Chuva de Maria - Editora Kalango - Salvador-BA

Martha Galrão é editora do blog http://mariamuadie.blogspot.com/

08/01/2012

O escritor e sua missão

Doença: antes de mais nada, tudo depende de quem está doente, de quem está louco, epiléptico, paralítico - uma pessoa medianamente tola, em cujo caso a doença prescinde do aspecto intelectual ou cultural, ou um Nietzsche, um Dostoiévski. Em ambos os casos, aquilo que resulta da doença é mais importante e estimulante para a vida e sua evolução do que qualquer normalidade aprovada do ponto de vista médico. A verdade é que a vida nunca prescinde da doença, e dificilmente haverá uma afirmação mais idiota do que "a doença só pode gerar coisas doentias." A vida não é suave com as pessoas, e podemos dizer que ela prefere mil vezes a doença criativa, doença que doa genialidade, doença que enfrentará os obstáculos a cavalo, saltando de rocha em rocha com audaz embriaguez, à saúde que anda a pé. A vida não é delicada e está longe de querer fazer qualquer distinção moral entre saúde e doença. A vida toma o resultado ousado da doença, ingere-o, digere-o e, da maneira que ela o acolhe, aquilo significa saúde. Toda uma horda de geração de rapazes receptivos e saudáveis se lança sobre a obra do gênio doente, transformado em gênio pela doença, admirando, elogiando, elevando, prosseguindo, transformando, legando-a para a cultura que não vive apenas do pão ordinário da saúde. (...)

Em outras palavras: certas conquistas da alma e do conhecimento não podem existir sem a doença, a loucura, o crime intelctual, e os grandes doentes são crucificados e vítimas sacrificadas em prol da humanidade e de sua evolução, em prol da ampliação de seu sentir e de seu saber - em suma, sacrificados em prol de sua saúde superior. Daí a aura religiosa que envolve tão nitidamente a vida dessas pessoas e também influencia tão profundamente a sua autoconsciência.


Thomas Mann, escritor alemão (1875-1955)

07/01/2012

Com o tempo a sabedoria...

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;

ao longo dos enganadores dias da mocidade,

oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores.

Agora posso murchar no coração da verdade.


William Buttler Yeats, Dublin, Irlanda (1865-1939)

05/01/2012

Verbo

Henri Matisse

Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.


Nuno Júdice, em “As Coisas Mais Simples”, Ed. Dom Quixote, Lisboa 2007

02/01/2012

Ensaiando partidas


Cadeiras de balanço mastigavam os soalhos
ensaiando partidas, embalando fundas ânsias
contra bojos de navios trancados a âncoras.
Caolhos os rádios acendiam as mágicas pupilas
de gato e vozes espetrais sem apoio de bocas
e rostos chegavam, de que mundo, de que mapa?
Ventiladores giravam as corolas metálicas
no chão invertido dos tetos criando brisas
que não se aventuravam pelas ruas polidas
de sol nem ousavam soprar a fuga de velas.
Na praça São Sebastião galeras de bronze
destinavam-se a longínquos continentes mas
imóveis não singravam ondas de lusas pedras
deixavam-se estar molhadas tão só de chuvas
proas frustradas de horizontes e azuis.
Que estranha calmaria as conjurara, quilhas
vacinadas contra a vertigem dos ventos?
Ou estariam desde sempre fundeadas nas
invisíveis correntes d’água dos séculos?
Dobravam os sinos abafando os frenéticos
pianos a planger nos salões dos sobrados
mas o que sempre se ouvia, pouco importa
se baixo e rouco, era o gargarejar do rio
a vocação de foz e mar drenando fragmentos
de terra, arrastando de roldão os corações.


Astrid Cabral, Manaus(AM), 1936. Poeta e contista.