DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

26/11/2018

Por que cantamos




Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel

você perguntará por que cantamos

se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha

você perguntará por que cantamos

se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro

você perguntará por que cantamos

cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio/soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino

cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes
e nossos mortos querem que cantemos

cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota

cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta

cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos e não queremos
deixar que a canção se torne cinza.

Mario Benedetti (Paso de los Toros, Uruguai - 1920-2009) em Antologia Poética.

23/11/2018

Noite vazia





Crescimento do silêncio a devorar as nuvens
Voo invisível e monótono das aves brancas do cérebro.
Florida e ondulada suspensão da mágoa.
As ferocidades são ternuras desmaiando na estepe adivinhada.
O amor abre goelas bocejantes nos côncavos da ausência do espaço.
E a morte espreitando a lentidão
Irradia baçamente a sua despedida.
Noite vazia,
As aves brancas do cérebro
Inutilmente abatem as suas  asas!

Edmundo de Bettencourt, Funchal (Ilha da Madeira) - 1889-1973

19/11/2018

Serão sempre as terras do Senor?



É invasão 
quando gente do campo
planta o espírito de Palmares
e dá vazão ao desejo de criar
um Quilombo
e trabalhar com seus pares?
É invasão 
se as terras do Senhor
cobrem-se de mato
enquanto olhares à espreita
esperam que uma estrela
traga-lhes justiça e
desfaça o temor?
É invasão 
quando em Luíza Mahin
outra mulher se transforma
pra acabar com a dor
de ser tratada como
coisa-ruim?
É invasão 
o homem
fincar os pés na terra, pois
será a própria Tera que
vai devorá-lo como
um joão-ninguém?
Um dia, quem sabe,
despois dos 300, 400, 1000 anos de Palmares
gestaremos novos Zumbis, Acotirenes
para redesenhar
a Nação
e talvez do rubro solo
verdes frutos surgirão.


Ensinamentos

Ser invisível quando não se quer ser
é ser mágico nato.
Não se ensina, não se pratica, mas se aprende
no primeiro dia de aula aprende-se
que é uma ciência exata.
O invisível exercita o ser "zero à esquerda"
o invisível exercita a cidadania
as aulas de emprego, casa e comida
são excluídas do currículo da vida.
Ser invisível quando não se quer ser
é ser um fantasma que não assusta ninguém.
Quando se é invisível sem querer
ninguém conta até dez,
ninguém tapa ou fecha os olhos
a brincadeira agora é outra
os outros brincam de não nos ver.
Saiba que nos tornamos invisíveis
sem truques, sem mágicas.
Ser invisível é uma ciência exata,
mas o invisível é visto no mundo financeiro,
é visto pra apanhar da polícia,
é visto na época das eleições,
é visto para acertar a conta com o Leão,
para pagar prestações e mais prestações.
É tanto zero à esquerda que o invisível
na levada da vida soma-se
a outros tantos zeros à esquerda
para assim construir-se humano.

Esmeralda Ribeiro nasceu em São Paulo em 1958.
É jornalista e escritora com vários livros publicados. Faz parte do grupo Quilombhoje, além de textos publicados nos Cadernos Negros.

13/11/2018

LABIRÍNTICO

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............! $$$$$$$$$$$$. ###### + $$$$$$$$$$$$$$$$$ = - @ % + § = ????
- ...........................................................[ ...........................] ............................................................;.......!




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<<<<<<<<<< >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>& §§§§§§§§§§§ & % + # + @ + § = 0 . - ..............................................................................; .......................................? ....................................!




A + B + C - H + P = RAIZ QUADRADA ELEVADA a ZERO


O que é, o que é?
Decifra-te, a esfinge já foi devorada!!!

05/11/2018

Poemas de novembro




Ausência

Por muito tempo achei
que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegado nos meus braços
que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade


***
O que eu gosto do teu corpo

o que eu gosto do teu corpo é o sexo
o que eu gosto do teu sexo é a boca
o que eu gosto da tua boca é a língua
o que eu gosto da tua língua é a palavra

Julio Cortázar


***

Papagaio

estranho o poder do poeta
escolhe entre quase e cais
quais palavras lhe convêm
depois as empilha papagaio
e as solta no céu do papel

Chacal


***

Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado entre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas

Ana Cristina Cesar


***


O bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase

por onde ele passa
nascem palavras
e frases

com frases
se fazem asas
palavras
o vento leve

o bicho alfabeto
passa
fica o que não se escreve

Paulo Leminski


***

Reclame

Se o mundo vai bem
a seus olhos, use lentes
- ou transforme o mundo

ótica olho vivo
agradece a preferência

Chacal