DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

30/11/2017

Pedir desculpas

 


Muita gente que joga pedra e esconde a mão pede desculpas justamente para continuar como antes. É que pedir desculpas não custa nada.Mais ou menos como a história dos arrependidos. Outrora, alguém que se arrependia de seus malfeitos primeiro tratava de repará-los de algum modo e depois se dedicava a uma vida de penitência, refugiava-se na Tebaida*, flagelando o peito com pedras pontiagudas ou ia tratar dos
leprosos na África Negra. Hoje, o arrependido se limita a denunciar seus ex-companheiros e depois ou goza de cuidados especiais com nova identidade em confortáveis apartamentos reservados ou sai mais cedo da cadeia e escreve livros, concede entrevistas, encontra chefes de Estado e recebe cartas apaixonadas de mocinhas românticas.
[...]
O problema é que, se quem fez o mal ainda está vivo, pode
pedir desculpas pessoalmente. Mas e se tiver morrido? Quando João Paulo II pediu desculpas pelo processo a Galileu, ele mostrou o caminho. Mesmo que o erro tivesse sido cometido por um antecessor, quem pede desculpas é o
herdeiro legítimo. Por exemplo: quem deve pedir desculpas
pelo massacre dos inocentes? O culpado foi Herodes, que governava Jerusalém e, portanto, seu herdeiro legítimo é
o governo israelense. Por outro lado, ao contrário do que são Paulo acabou de nos fazer acreditar, os verdadeiros e diretos responsáveis pela morte de Jesus não foram os infames judeus, mas o governo romano e quem estava aos pés da cruz eram os centuriões e não os fariseus. Com o desaparecimento do Sacro Império Romano, o único herdeiro que resta do governo romano é o Estado italiano e
portanto, é o presidente Giorgio Napolitano quem deve pedir desculpas pela crucificação. [...]
Haveria, aliás, alguns casos embaraçosos. Quem pede desculpas pelas confusões armadas por Ptolomeu, verdadeiro inspirador da condenação de Galileu? Se, como se diz, ele nasceu em Ptolemaida, que fica na Cirenaica, o desculpante deveria ser Ghedafi, mas se nasceu em Alexandria, deveria ser o governo egípcio. Quem pede desculpas pelos campos de extermínio? Os únicos herdeiros vivos do nazismo são os vários movimentos naziskin, que realmente não têm o menor jeito de quem pretende pedir desculpas; na verdade, se pudessem fariam tudo de novo.
[...] O problema é saber quem são hoje os "verdadeiros" herdeiros do fascismo e confesso que esta questão me embaraça.
 
Umberto Eco (1932-2016) em Pape Satàn Aleppe - crônicas de uma sociedade líquida - Edit. Record, 2017
 
* Tebaida é derivada da palavra Tebas, antiga capital do
Egito, às margens do mar Mediterrâneo. No século V d.C.,
foi refúgio de cristãos e eremitas.

25/11/2017

Almas mortas

 
 
 
Depressa tudo se transforma no ser humano: nem ele próprio percebe como cresce dentro dele um verme terrível
que se apropria de toda a seiva vital. E, mais de uma vez,
 a paixão - grande ou mesquinha - cresce em um indivíduo que nasceu para coisas melhores, obrigando-o a esquecer seus deveres, transformando o que é grande em trivialidades mesquinhas.
Incontáveis como as areias do mar são as paixões humanas
e todas elas diferem entre si; e todas elas, as vis como  as
nobres, a princípio são dominadas pelo homem, para logo depois se transformarem em seus tiranos.
[...] Sim, meus leitores, vós preferiríeis não tomar conhecimento da miséria humana. Para que, dizeis vós, qual
é a utilidade disso? Então não sabemos que existe muita coisa ridícula e desprezível na vida? Melhor seria se nos mostrassem o belo, o aprazível. Melhor seria que esquecêssemos, que escapássemos disso! Para que me dizeis que os negócios vão mal em minha terra? Isso, meu amigo, sei sem a tua ajuda. Será que não tens outros assuntos para mim? Deixa-me esquecer essas coisas, não
quero saber delas, só assim ficarei feliz. E assim o dinheiro
que poderia servir para colocar os negócios em ordem será
empregado em recursos que levam ao esquecimento.
 
Nicolai Vassilievitch Gogol (Ucrânia, 1809-1852) em
Almas Mortas

20/11/2017

Dia da Consciência Negra


Renata Éssis, backing vocal de Liniker e os Caramelows
 
Ainda precisamos do Dia da Consciência Negra porque vivemos em uma sociedade na qual pessoas negras são
tratadas como cidadãos de segunda classe. Na qual ofensas
graves a pessoas negras são levadas como piadas ou amenidades. Na qual a completa inexistência de oportunidades é vista como falta de mérito. Esse dia existe
para mostrar que há uma dívida histórica com a população
negra - não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
 
Miriam Alves, escritora e poeta com publicações nos Cadernos Negros
 
Precisa de um Dia da Consciência Negra? Na verdade não
precisaria. Era só um dia, que passamos a comemorar por
uma semana e agora comemoramos o mês todo como sendo da Consciência Negra. (...) A gente é preto de janeiro
a janeiro, então a discussão precisa ser feita de janeiro a janeiro.
 
Cida Bento, coordenadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEER)
 
Precisamos do Dia da Consciência Negra para nos apropriarmos do nosso poder enquanto maioria da população do Brasil e utilizarmos pra dar um basta na bandalheira que estamos vivenciando em nosso país.

 



 
A nossa escrivivência não pode ser lida como histórias para "ninar os da casa grande", e sim para incomodá-los em seus
sonos injustos.
Conceição Evaristo, escritora - Belo Horizonte,1946
 
***
 
Ferro
 
Primeiro o ferro marca
a violência nas costas.
Depois o ferro alisa
a vergonha nos cabelos.
Na verdade o que se precisa
é jogar o ferro fora
e quebrar todos os elos
dessa corrente
de desesperos.
 
Cuti, em Batuque detocaia
 
 
O negro pronto
está se fazendo sempre
ponto por ponto
 
atento contra o jogo da humilhação e
do cansaço
 
chegando a ficar tonto
de tanta lucidez
sem porre de talvez
ou preguiça
 
mergulha de vez
no sumo de ser-se
no húmus do outro
 
se funde em tudo que for possível
ou mesmo se confunde
ou até cai no
poço
do
nada
mas foge da cela
ludibria ciladas
 
com suor dilui espinhos
do horizonte cria músculos
e semeia o novo crepúsculo
 
o negro pronto
está se fazendo sempre
ponto por ponto
na decifração das marcas
transfigurando povo
em Flash crioulo
 
Cuti (Luís Silva - nasceu em Ourinhos-SP, mestre em Literatura Comparada e doutor em Literatura Brasileira pela Unicamp-SP)

17/11/2017

Economia

 
 
Nos nossos trens de subúrbios passam-se às vezes coisas bem divertidas. Já não se fala das altercações entre os auxiliares e os passageiros por causa de passagens, passes etc. Os regulamentos são tão exigentes, e o público está tão disposto a lesar o Estado, que esses atritos hão de se dar sempre.
Há também as conversas que são interessantes.
Um companheiro de banco volta-se para nós e diz, depois de ler o seu jornal:
- Veja só, o senhor, como vai este país. Ladroeira sobre ladroeira. Não há governo que conserte isso. Eu endireitava isso em oito dias...Não querem emissão de papel-moeda...
Que querem? Ouro. Nuca vi disto aqui desde que me conheço...E são financeiros?
Um outro, logo que se senta, pergunta:
- O senhor é empregado público?
Afirmamos que somos e dizemos de que repartição. Ele continua:
- É uma boa repartição. A minha não presta para nada. Estou lá há vinte anos e ainda não tive uma promoção. Se estivesse na sua, talvez já fosse chefe de seção. Demais, na
minha, há uns tantos que não fazem nada, mas não deixam nós sermos chefes. No comércio, eu já estava rico, mas quis
casar-me cedo, foi essa desgraça...
Como essas muitas outras que não contamos para não enfadar. Entretanto, vamos narrar esta pequena anedota bem cômica.
Um dia destes, viajando num carro de segunda classe, havia um passageiro que trazia cuidadosamente um embrulho. Chegou a hora da cobrança das passagens, e ele colocou com cuidado no colo, preso às pernas, o volume. Pôs-se a procurar pelas algibeiras o bilhete de passagem.
Chega o condutor, ele faz um movimento qualquer, o embrulho move-se, abre-se, salta uma galinha a cantar
- Cocorococó! Cocorococó!
O passageiro corre atrás do bicho e o condutor atrás:
- Pague a multa! Pague a multa!
A galinha corre pelo carro todo e o passageiro atrás.
O condutor continua correndo atrás do passageiro:
- Pague a multa!
O passageiro, atrás sempre do bicho, contesta:
- Espere! Espere! Deixe-me apanhar a minha galinha primeiro.
Esta voou pela janela, e o homem teve que entrar com alguns níqueis para os cofres do Estado.

Lima Barreto em Sátiras e outras subversões

14/11/2017

Quem são os 18 homens (?) que querem legislar sobre o corpo das mulheres


do Intercept

Quem são os 18 homens que querem legislar sobre o corpo das mulheres

por João Filho

EM UMA MANOBRA pouco republicana e nada cristã, a bancada da bíblia incluiu uma mudança constitucional em uma PEC que pretendia apenas ampliar a licença-maternidade para mães de bebês prematuros. A alteração, feita por uma comissão especial da Câmara, torna ilegal qualquer tipo de aborto, inclusive em casos de estupro e anencefalia do feto. A aprovação da malandragem foi feita durante um rápido intervalo em que a sessão do plenário foi derrubada por falta de quórum e sem a presença da oposição.
Em 2012, o STF permitiu o aborto em caso de anencefalia. O Código Penal de 1940, implementado há quase 80 anos, permite o aborto em casos de estupro. Mas nada disso importa para a bancada da bíblia, que segue em sua missão divina de reverter esses avanços civilizatórios.
Sem nenhum respeito pela laicidade do Estado, um grupo de homens medievais impôs suas crenças goela abaixo de todas as mulheres brasileiras. Por 18 votos masculinos contra 1 feminino — o de Erika Kokay (PT-DF) — a comissão aprovou a barbaridade aos gritos de “Vida sim, aborto não!”.  Só ficou faltando empunharem tochas para completar o cenário.
A decisão da comissão ainda passará pelo crivo do plenário da Câmara, onde dificilmente será aprovada, mas mostra do que as forças reacionárias são capazes.
Mas quem são os 18 deputados que querem legislar sobres os corpos das mulheres com base nas sua convicções religiosas? Tracei um breve perfil desses homens de Deus:
Evandro Gussi (PV-SP):  Advogado, empresário e professor de instituto ligado à Renovação Carismática Católica, este católico carismático foi quem presidiu a comissão que tornou ilegal o aborto em qualquer circunstância. Ele venceu a eleição em 2014 com ajuda decisiva da TV Canção Nova, onde aparecia com frequência. Aborto sempre foi o tema principal da sua campanha e depois na sua atuação como  parlamentar. Apesar da religião ter papel fundamental na sua vida, Gussi jura de pés juntos que sua posição favorável à criminalização é puramente racional: “Eu tenho a minha religião, mas em toda a minha argumentação eu não recorro a nenhum argumento religioso para ser contrário ao aborto, meus argumentos são totalmente racionais, a partir de um raciocínio filosófico e que a Constituição garante que eu posso tê-lo”
Mauro Pereira (PMDB-RS): Conhecido em Caxias do Sul por aparecer ao lado de políticos importantes nas fotos dos jornais e TV, o papagaio de pirata é também autor das seguintes frases: “Michel Temer é trabalhador e honesto”, “Quem votar contra (arquivamento de denúncia contra Temer) detesta o Brasil”. Foi um fiel escudeiro de Cunha até o dia da votação da sua cassação, quando decidiu abandonar o companheiro ferido na estrada.
Givaldo Carimbão (PHS-AL): Coordenador da Frente Parlamentar Católica da Câmara, o católico fervoroso Givaldo se mostrou um dos mais indignados com a mostra Queermuseu. Em audiência pública na Câmara, o valoroso cristão disse para o ministro da Cultura que “queria pegar a mãe e a filha do ministro e colocar de perna aberta como nas fotos”. Quanto respeito pelas mulheres, não?
Alan Rick (DEM-AC): Jornalista, apresentador de TV e pastor evangélico, o acreano foi eleito pelo PRB, partido da Igreja Universal, antes de mudar para o DEM. Usou verba parlamentar para contratar empresa para monitorar seus críticos nas redes sociais.
luismacedo-1510341768 Evandro Gussi, João Campos e Jorge Tadeu Mudalen conversam durante comissão especial da Câmara (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Marcos Soares (DEM-RJ): Filho do pastor Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como Missionário R. R. Soares, o deputado tem uma atuação tímida, quase nula na Câmara. Mas em 2015, Marcos Soares apresentou um projeto de lei que pretendia transformar as autorizações para as TVs por assinatura, transmitidas em canais UHFs, em canais abertos de televisão. Se o projeto tivesse sido aprovado, o seu papi passaria a ter sua própria TV aberta para divulgar sua religião.
Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP): É frequentador da Igreja Internacional da Graça de Deus e amigo do seu proprietário, o pastor RR Soares. Segundo levantamento feito pela Folha, o deputado apareceu em primeiríssimo lugar como o que mais viajou pelo mundo com tudo pago (passagem aérea, hospedagem, alimentação e transporte local) pela Câmara. De 2010 a 2016, Mudalen fez 28 viagens e visitou países das Américas, Europa e Ásia.
Leonardo Quintão (PMDB-MG): Filho do pastor evangélico, fazendeiro e prefeito de Ipatinga, Sebastião Quintão, Leonardo cumpre seu terceiro mandato consecutivo. É representante das mineradoras e teve 42% da sua última campanha financiada por empresas ligadas à mineração. Seu irmão é empresário da área de mineração e foi um dos doadores da campanha. Aliado forte de Eduardo Cunha, Quintão foi um dos seus principais defensores no Conselho de Ética que cassou seu mandato. Foi também o deputado mineiro que mais recebeu recursos via emendas parlamentares nos meses que antecederam a votação da primeira denúncia contra Temer na Câmara. Conhecido por suas posições moralistas e conservadoras, Quintão tentou em 2015 beneficiar um shopping com um empréstimo milionário do BNDES de forma sorrateira. De 2010 a 2015, o patrimônio do nobre deputado cresceu apenas 584%.
Pastor Eurico (PHS-PE): O pastor da Assembleia de Deus é um entusiasta do período de chumbo e chegou a afirmar que “o governo militar foi solução para o Brasil”
Joaquim Passarinho (PSD-PA):  Católico, o sobrinho de Jarbas Passarinho é conhecido no estado do Pará como Quinzinho. Foi autor da inacreditável lei que tornou obrigatório o fornecimento de fio dental por bares e restaurantes do estado.
Gilberto Nascimento (PSC-SP): Advogado e ex-delegado de polícia ligado à Assembleia de Deus. Em seu primeiro mandato como deputado federal em 2003, foi denunciado por participar do Escândalo dos Sanguessugas e acabou sendo indiciado pela Polícia Federal em 2007 por formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ): Além de ser apadrinhado por Silas Malafaia, dono da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Sóstenes é pastor da mesma igreja. Em 2015, numa audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o nobre pastor sugeriu a criação de uma “bolsa ex-gay” para homossexuais que se convertessem à heterossexualidade.
Antônio Jácome (PODE-RN): Ah, esse aqui é um caso muito interessante. Ex-pastor da Assembleia de Deus, Jácome virou manchete em todos os jornais do Rio Grande do Norte em 2011. É que ele foi alvo de uma investigação da cúpula da Igreja e foi condenado por unanimidade pelas acusações de adultério e por ter incitado um…aborto. Segundo o jornal potiguar “O Mossoroense”, o parlamentar enviou carta admitindo os pecados, mas de nada adiantou. Jácome perdeu o título de pastor e ficou proibido de subir ao púlpito das igrejas da Assembleia de Deus. Ele não pode mais pregar na igreja, mas continua pregando normalmente na Câmara.
João Campos (PRB-GO): É pastor auxiliar da Igreja Assembleia de Deus de Vila Nova, Goiás. Em 2011, quando era do PSDB, foi o autor do hediondo projeto conhecido como “Cura Gay”. Foi também autor da PEC99/2011, que dá às igrejas o poder de questionar leis junto ao STF. Passou a ser investigado pelo Ministério Público após ser acusado por uma ex-funcionária de ficar com parte do salário dela entre 2004 e 2008.
Jefferson Campos (PSD-SP): É pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular. Quando vereador em Sorocaba, tentou emplacar uma lei que incluía o Criacionismo no currículo da rede municipal da cidade. O valoroso cristão teve seu nome presente em diversos casos de corrupção. No Escândalo dos Sanguessugas em 2006, foi acusado por corrupção passiva, associação para o crime e fraude em licitações. Ele teria recebido R$ 15 mil de propina para direcionar verbas de emendas parlamentares para compra de ambulâncias acima do preço, além de um ônibus para a campanha de um cunhado candidato a vereador. Foi absolvido pelo STF por falta de provas. Mas Deus tinha planos maiores na vida deste homem. Em 2007, ele conseguiu ser denunciado duas vezes: a primeira pelo MPF de São Paulo por improbidade administrativa, a segunda pelo MPF do Mato Grosso por formação de quadrilha, corrupção passiva e fraude em licitações.
Diego Garcia (PHS-PR):  Considerado o principal líder da bancada da bíblia, o paranaense é ligado à Renovação Carismática Católica. Diego também foi relator do projeto de lei que cria o Estatuto da Família e deu o parecer no qual define a família como a união entre homem e mulher. O mesmo moralismo que apresenta como parlamentar parece não se repetir em sua vida privada. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por corrupção ativa sob acusação de subornar uma agente do Detran. Essa criaturinha de Deus foi flagrada em escutas telefônicas comprando a CNH. O caso prescreveu em 2015. Em 2016, este católico carismático teve a ousadia de enviar um projeto de lei à Câmara para tornar a cidade de Curitiba a Capital Nacional Anticorrupção, uma singela homenagem à Operação Lava Jato.
Flavinho (PSB-SP): Missionário na comunidade católica Canção Nova por 27 anos, Flavinho é um antissocialista do partido socialista. Se posicionou contra a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara e afirmou que “as mulheres não querem empoderamento. Querem ser amadas, querem ser cuidadas”
Eros Biondini (PROS-MG): Integrante da Renovação Carismática Católica e fundador da Missão Mundo Novo, o deputado mineiro é o idealizador do “Cristo é o Show”, maior evento musical católico do país, além de ter sido apresentador do programa “Mais Brasil” da TV Canção Nova. Tem vários discos de músicas religiosas lançados. Este homem de Deus  esteve na mira da PGR por apresentar notas frias para justificar gastos públicos quando estava na Assembleia Legislativa de Minas. Logo após ser denunciado, virou secretário de Esportes do governo Antonio Anastasia (PSDB-MG).
Paulo Freire (PR-SP): É pastor  da Assembleia de Deus. Seu pai e seus irmãos também são pastores. Foi acusado pelo Ministério Público de integrar a Máfia do Asfalto.

Como se vê, a moral e os bons costumes dos patrulheiros do corpo alheio não resistem a uma googlada.

13/11/2017

De Manuel Alegre*



 
Trova do vento que passa

 Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi meu poema na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
 
Manuel Alegre (de Melo Duarte)
Portugal, 1936-


09/11/2017

A raposa e os perus

Marc Chagall

 
Contra os assaltos da raposa
Uma árvore aos perus servia de cidadela.
A pérfida, a rondar esse abrigo, gulosa
Vendo-os de sentinela,
Exclamou: "Quê! Essa gente vai zombar de mim?!
Não, pelos deuses! não." E manteve a conduta.
O luar claro, contra a senhorinha astuta,
Parecia ajudar a perueira raça.
Ela, nada noviça em assediar caça,
Recorreu ao seu saco de astúcias piratas,
Fingiu querer subir, levantou-se nas patas,
Bancou a morta e já ressuscitou depressa.
Arlequim não teria essa
Gama de tantas personagens.
Ela estalava a cauda, a fazia brilhar,
E cem mil outras marotagens.
Enquanto isso nenhum peru quis cochilar:
A inimiga os deixava assim de olhar fixado
No mesmo objeto mostrado.
Os coitados, ficando ao longo embevecidos,
Sempre caía algum: tantos já recolhidos,
Tantos postos à parte; quase a metade deles.
A companheira os põe no seu guarda-comida.
 
Dar atenção demais aos perigos da vida
Não raro faz cairmos neles.
 
Jean de La Fontaine - Chateau-Tierry(França) 1621-1695

06/11/2017

 



Nas ruas de chumbo portas e janelas estão fechadas. O chão está vermelho, e das gargantas sangram gritos e impropérios. Pássaros empalhados vociferam cantos dissonantes numa linguagem afiada como lâmina. Camaleões desfilam sobre o asfalto mal polido.
Línguas de fogo rasgam o céu da boca; rasgam corpos de borboletas sem asas que se misturam e se transformam em
letras amontoadas que se transmutam em palavras que formam um texto, um leito de rio turbulento repleto de pedaços, de fragmentos de palavras aparentemente sem
nexo. Sem ilusão o rio corre desenfreado para encontrar-se
com um mar de incertezas...