DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

27/11/2016

Associações livres


 
 


 
Nós não dominamos o nosso inconsciente
Sigmund Freud
 
Mudez há em demasia. Quantas línguas em tantas bocas desdentadas, estarão ou foram emudecidas? Estarão mudas as vossas, a minha língua? A Babel expandiu-se. A diversidade também, e as desdentadas bocas com suas línguas de fora cada vez mais caladas. 
A noite bateu asas, atravessou as janelas do corpo e foi pras calendas gregas.
Todos pó. O vento sopra frio anunciando "novas" palavras soltas e desconectadas: sentimentos avulsos são postos à venda no mercado mundial.
O pensamento é mais veloz do que a velocidade da luz, e Galileu (1564-1642)provou (a duras penas!) por a+b que "não somos o centro do Universo". Glosa, glossário, verbete, palavrário, palavraria são denominações subjetivas - transfugir, transfundir? Atresia é oclusão da voz, do verbo, da língua? O que existe por trás dos olhos, uma bola de fogo? O mar pode amarrar as marés, embalsamar
balsas em bancos de areia; o fogo inflama, clama, reclama da brasa que se espalhou sobre a cama.

25/11/2016

Bodarrada, poema de Luís Gama



Eu bem sei que sou qual Grilo
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
desta arenga receosos,
hão de chamar-me tarelo,
bode, negro, Mongibe.

Porém eu, que não me abalo,
vou tangendo o meu badalo
com repique impertinente,
pondo a trote muita gente.
Se negro sou, se sou bode,
pouco importa. O que isto pode?

Bodes há de toda a casta,
pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados,
 baios, pampas e malhados,
bodes negros, bodes brancos,
e sejamos todos francos,
uns plebeus e outros nobres,

bodes ricos, bodes pobres,
bodes sábios, importantes,
e também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra,
marram todos, tudo berra.



Luís Gama - advogado, jornalista, poeta e escritor, nasceu em Salvador (BA) em1830 e faleceu em São Paulo, em 1882 aos 52 anos de idade; era filho de
mãe negra (Luísa Mahin) e de pai branco, que o vendeu quando tinha dez anos de idade. Autodidata, tornou-se famoso por defender a causa dos escravos sem nada cobrar. Um dos raros intelectuais negros no Brasil escravocrata do século
XIX.

22/11/2016

ÁFRICA


 
 
Sou negro
Sou Banto
Sou sudanês
Sou gente
Sou pessoa.
Minha Pátria: o mundo
Minha terra: Áfricas.
Tenho identidade
Tenho nome
Nasci do ventre
Nasci gente.
Sou negro
Negro africanidades.
Negro por natureza.
Sou negro
Tenho cultura.
 Tenho história.
Sou negro
Sou pessoa como você.
Sou negro
Você!!!
Negro eu sou
Você eu não sei.
Honro a minha cor
A minha raça.
Negro de verdade,
de lutas,
de história.
Não sou negro de escravidão.
Sou negro de raça,
de vida
Negro de história.
Negro que colonizou o mundo.
NEGRO COM MUITA HONRA.
Negro das Minhas Áfricas
 
Genivaldo Pereira dos Santos


 


19/11/2016

Ebulição da escravatura

 


A área de serviço é senzala moderna,
Tem preta eclética que sabe ler "start"
"Playground" era o terreiro a varrer.
 
Navio negreiro assemelha-se ao ônibus cheio
Pelo cheiro vai assim até o fim-de-linha;
Não entra no novo quilombo da favela.
 
Capitão-do-mato virou cabo de polícia,
Seu cavalo tem giroflex (rádio-patrulha).
"Os ferros", inoxidáveis algemas.
 
Ração pode ser o salário mínimo,
Alforria só com aposentadoria
Lei dos sexagenários).
 
"Sinhô" hoje é empresário,
A casa-grande verticalizou-se.
O pilão está computadorizado.
Na última página são "flagrados" (foto digital)
Em cuecas, segurando a bolsa e a automática:
Matinal pelourinho.
 
A princesa Áurea canta,
Pastoreia suas flores.
O rei faz viaduto com seu codinome.
 
Quantos negros? Quanto furor?
Tantos tambores... tantas cores...
O que comparar com cada batida no tambor?
 
A escravidão não foi abolida; foi distribuída entre os pobres.
 
Luís Carlos Oliveira é mineiro, mora em Salvador(BA). É autor do livro de poemas Calo ou falo - Editora Writers, São Paulo, 2000.
 
***
 
Esse pixaim é uma sarna, que não me deixa sossegar!
Ele é um escudo e uma arma - por ele comecei a lutar.
É...ele me assusta e encoraja,
com jeito persistente, rude e firme
ele faz com que eu reaja.
Ele é mesmo uma "mola", eu reconheço,
aquela que me impulsiona
e me incita todos os dias ao recomeço;
que me exime, liberta e redime,
e sempre e sempre me emociona!
Ah, esse pixaim não me dá trégua:
"- Vai nega, vai nega, não se entrega!"
 
 
Lina Efigênia Barnabé Cruz (São Paulo)


12/11/2016

Sobre a escova e a dúvida


 
 
II
 
 
A matemática não pôde progredir,
até que os hindus inventassem o zero.
 
O domador de baleias.
 
 
Meu duvidar é da realidade sensível aparente - talvez só um escamoteio das percepções. Porém, procuro cumprir. Deveres de fundamento a vida, empírico modo, ensina: disciplina e paciência. Acredito ainda em outras coisas, no boi, por exemplo, mamífero voador, não terrestre. Meu mestre foi, em certo sentido,
o Tio Cândido.
Era ele pequeno fazendeiro, suave trabalhador, capiau comum, aninhado em meios-termos, acocorado. Mas também parente meu em espírito e misteriousanças. (...) Tinha fé - e uma mangueira. Árvore particular, sua, da gente.
Tio Cândido aprisionara-a num cercado de varas, de meio acre, sozinha ela lá, vistosa, bem cuidada: qual bela mulher que passa, no desejo de perfumada perpetuidade. Contemplava-lhe, nas horas de desânimo ou aperto, o tronco duradouramente duro, o verde-escuro quase assustador da frondosa copa, construída. [...]
Dizia o que dizia, apontava à árvore: - Quantas mangas perfaz uma mangueira, enquanto vive? - isto, apenas. Mais, qualquer manga em si traz, em caroço, o maquinismo de outra, mangueira igualzinha, do obrigado tamanho e formato. Milhões, bis, tris, lá sei, haja números para o infinito. (...)
Daí, um dia, deu-me uma incumbência:
- Tem-se de redigir um abreviado de tudo.
Ando a ver. O caracol sai ao arrebol. A cobra se concebe curva. O mar barulha de ira e de noite. Temo igualmente angústias e delícias. Nunca entendi o bocejo e o pôr-do-sol. Por absurdo que pareça, a gente nasce, vive, morre. Tudo se finge, primeiro; germina autêntico é depois. Um escrito, será que basta? Meu duvidar é uma petição de mais certeza.
 
João Guimarães Rosa em Tutameia, seu último livro publicado em vida. Guimarães Rosa faleceu poucos meses depois de lançada sua primeira edição,
em 1967.   

07/11/2016

Minha tristeza de porcelana

Kate Macdowell


Minha tristeza de porcelana, minha tristeza
de todos os momentos, disse: queres casar comigo?
Hoje estás tão esquiva e tão vulgar,
tão cotidiana, tão humana,
minha pobre tristeza.
Ouve: quero beijar-te toda;
beijar-te dos pés à cabeça,
doidamente, num arrepio
E possuir o teu pequeno corpo,
teu frágil e pequenino corpo,
onde escondes uma alma tiritante de frio.
Minha tristeza de porcelana,
és como um vaso chinês, onde floresce, longo,
o lírio artificial da minha dor.
Se alguém te esfacelasse.
se alguém, um pobre alguém,
te apertasse entre os dedos,
e eu te perdesse,
que seria de mim?
Não tenho o luxo dos prazeres ricos,
não tenho o dinheiro que é preciso
para vestir a minha alma um pijama de seda
com que ela passeia o seu tédio na alameda
vazia e branca da minha vida.
Vê, eu só tenho dois olhos
para te olhar, minha tristeza;
só tenho duas mãos para apertar as tuas mãos.
 
Carlos Drummond de Andrade


03/11/2016

Palavras tiradas de uma ilha para criptografar na "nuvem"





Não dominamos o nosso inconsciente
 
Sigmund Freud
 
Trans
 
parecer formar portar bordar correr sexualizar ferir figurar fundir
mutar pirar plantar passar por tornar vasar fugir fundir fusão;
transcender trancrever transitar transgredir transir transmitir transviar
transigir...