DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

25/12/2018

Da solidão

Oswaldo Guayasamin, - Quito(Equador)


Névoa azulada. Pálida. E sazonal.
É fumaça espiralada. Fechada e
inexprimível. É vazio. Invisibilidade.
Fiascos de quinquilharias.

O vento bate forte nas folhas,
pássaros voam e revoam. Debandada.
A chuva cai sobre o lago escuro porque
profundo. Forte.
A chuva...

Quem sabe o que ela é?
A solidão?
Busca incessante. Interminável.
Raios alternados de claridade. 
E escuridão.
E a presença permanente
do perigo.

17/12/2018

IDIOSSINCRASIA

René Magritte



Genibalde é genial! Sua mulher nem tanto. Mas o balde da família é tão pesado que não há quem o carregue.

*****

Ceia de natal

Comprei um peru, um pato e um porco. Vou regá-los com o vinho da minha ira. Assá-los em forno brando,
ad eternum...!

*****

O fantasma da ópera.

Vocês estão ouvindo alguma coisa? E agora, estão escutando algo? Pois é, nem eu. Mas a imagem ilusória muitas vezes apavora; surge como uma sombra, um espectro. Reaparece sob disfarce, e pode transformar-se em farsa ou tragédia.
 Pode até transfigurar-se em fantoche e ser manipulado por mãos invisíveis tornando-se um títere, um testa-de-ferro.
A "Ópera" está apenas começando, ocupem seus lugares...!

12/12/2018

Sonambulismos




Ao atravessar a rua mergulhou numa poça d'água. Nadou até a terceira margem do rio e alcançou o canal da mancha.

***

Sua nudez era tão pequena que dava para exibir num
quadro. Usava a tela para esconder as maçãs.

***

Pegou o ônibus na Gare du Nord em Paris. Acordou num quarto de hotel barato da Av. São João em São Paulo.

08/12/2018

Nos poços




Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em
cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar
noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço
do poço você vai descobrir quê.

Caio Fernando Abreu (Santiago-RS, 1948-1996), em O ovo apunhalado.

02/12/2018

Prenúncio de gaivotas




Sou uma alma pequena
pousada na Terra.
Mais precisamente pousada numa pedra
na Urca, esta tarde.
As nuvens, o céu, 
as gaivotas, o mar.
Tudo passa.
Adiante caminham
no calçamento da encosta da praia,
dezenas de pessoas iguais a mim.
Todas passam, mas não notam
o esplendor da natureza.
Todas passam, e pensam,
e são seus pensamentos que limitam o mar.
Seria a mente o limite do tempo?
Estamos todos vivendo menos,
presos dentro de nós mesmos.
Sós
neste planeta azul, sob o sol.
Mas sinto que se der um salto,
aprendo a voar.

***

Ímpar

Nem homem, nem mulher, nem anjo,
nem cachorro, nem demônio
nada
que tenha par
estranho

e no entanto anda
e fala

Renato Rezende - São Paulo, 1964

***

Janela para o céu

Abri a janela
e vi um céu
onde não havia deuses,
só anjos
que não tinham asas,
só vontade de voar.

***

Alvo sem corpo

O vazio
 não é o cotidiano de miudezas,
a sensação de ser engolido
feito sopa rala.
O vazio sou eu
estendido sobre a roda giratória,
indiferente ao seu movimento
e à mira do atirador de facas.

Maurício Barros de Castro - Niterói, 1973

Extraído de Inquietação-Guia - 15 Poemas em torno da AZOUGUE.

26/11/2018

Por que cantamos




Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel

você perguntará por que cantamos

se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha

você perguntará por que cantamos

se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro

você perguntará por que cantamos

cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio/soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino

cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes
e nossos mortos querem que cantemos

cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota

cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta

cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos e não queremos
deixar que a canção se torne cinza.

Mario Benedetti (Paso de los Toros, Uruguai - 1920-2009) em Antologia Poética.

23/11/2018

Noite vazia





Crescimento do silêncio a devorar as nuvens
Voo invisível e monótono das aves brancas do cérebro.
Florida e ondulada suspensão da mágoa.
As ferocidades são ternuras desmaiando na estepe adivinhada.
O amor abre goelas bocejantes nos côncavos da ausência do espaço.
E a morte espreitando a lentidão
Irradia baçamente a sua despedida.
Noite vazia,
As aves brancas do cérebro
Inutilmente abatem as suas  asas!

Edmundo de Bettencourt, Funchal (Ilha da Madeira) - 1889-1973

19/11/2018

Serão sempre as terras do Senor?



É invasão 
quando gente do campo
planta o espírito de Palmares
e dá vazão ao desejo de criar
um Quilombo
e trabalhar com seus pares?
É invasão 
se as terras do Senhor
cobrem-se de mato
enquanto olhares à espreita
esperam que uma estrela
traga-lhes justiça e
desfaça o temor?
É invasão 
quando em Luíza Mahin
outra mulher se transforma
pra acabar com a dor
de ser tratada como
coisa-ruim?
É invasão 
o homem
fincar os pés na terra, pois
será a própria Tera que
vai devorá-lo como
um joão-ninguém?
Um dia, quem sabe,
despois dos 300, 400, 1000 anos de Palmares
gestaremos novos Zumbis, Acotirenes
para redesenhar
a Nação
e talvez do rubro solo
verdes frutos surgirão.


Ensinamentos

Ser invisível quando não se quer ser
é ser mágico nato.
Não se ensina, não se pratica, mas se aprende
no primeiro dia de aula aprende-se
que é uma ciência exata.
O invisível exercita o ser "zero à esquerda"
o invisível exercita a cidadania
as aulas de emprego, casa e comida
são excluídas do currículo da vida.
Ser invisível quando não se quer ser
é ser um fantasma que não assusta ninguém.
Quando se é invisível sem querer
ninguém conta até dez,
ninguém tapa ou fecha os olhos
a brincadeira agora é outra
os outros brincam de não nos ver.
Saiba que nos tornamos invisíveis
sem truques, sem mágicas.
Ser invisível é uma ciência exata,
mas o invisível é visto no mundo financeiro,
é visto pra apanhar da polícia,
é visto na época das eleições,
é visto para acertar a conta com o Leão,
para pagar prestações e mais prestações.
É tanto zero à esquerda que o invisível
na levada da vida soma-se
a outros tantos zeros à esquerda
para assim construir-se humano.

Esmeralda Ribeiro nasceu em São Paulo em 1958.
É jornalista e escritora com vários livros publicados. Faz parte do grupo Quilombhoje, além de textos publicados nos Cadernos Negros.

13/11/2018

LABIRÍNTICO

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............! $$$$$$$$$$$$. ###### + $$$$$$$$$$$$$$$$$ = - @ % + § = ????
- ...........................................................[ ...........................] ............................................................;.......!




- ......................................................................................................................??! ....................................



<<<<<<<<<< >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>& §§§§§§§§§§§ & % + # + @ + § = 0 . - ..............................................................................; .......................................? ....................................!




A + B + C - H + P = RAIZ QUADRADA ELEVADA a ZERO


O que é, o que é?
Decifra-te, a esfinge já foi devorada!!!

05/11/2018

Poemas de novembro




Ausência

Por muito tempo achei
que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegado nos meus braços
que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade


***
O que eu gosto do teu corpo

o que eu gosto do teu corpo é o sexo
o que eu gosto do teu sexo é a boca
o que eu gosto da tua boca é a língua
o que eu gosto da tua língua é a palavra

Julio Cortázar


***

Papagaio

estranho o poder do poeta
escolhe entre quase e cais
quais palavras lhe convêm
depois as empilha papagaio
e as solta no céu do papel

Chacal


***

Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado entre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas

Ana Cristina Cesar


***


O bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase

por onde ele passa
nascem palavras
e frases

com frases
se fazem asas
palavras
o vento leve

o bicho alfabeto
passa
fica o que não se escreve

Paulo Leminski


***

Reclame

Se o mundo vai bem
a seus olhos, use lentes
- ou transforme o mundo

ótica olho vivo
agradece a preferência

Chacal