DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

23/08/2022

Imaginem !

 Osvaldo Goeldi



Buscar estrelas no espaço celeste, e ver  apenas um quadro branco no quadrado do quarto. No entanto, nem todo quadro é quadrado assim como um quarto não é a quarta parte da casa, mas um enlatado debaixo de um viaduto qualquer, onde os os pássaros de aço cantam durante a noite inteira. Imaginem! Imaginem um sonho esquartejado num quarto de hora, em um quarto a céu aberto... onde as palavras, minúsculas gotículas que respingam sobre a cabeça ribombam como raios, como se estrelas cadentes fossem, deslocando-se pelo espaço cerebral. Imaginem! Palavras soltas, desgarradas, mas que aos poucos vão se juntando, aglomerando-se umas às outras; uma multidão de estrelas, digo sons, falo de pessoas amontoadas, de um grande cordão de corpos desvalidos, chumbados e boquiabertos. Onde encontrar estrelas? 

13/08/2022

Paradoxos




Azuis eram as linhas por onde passava o trem que ía da Caixa Prego a Lugar Nenhum. Até que um dia tentaram passar uma cortina de ferro sobre os trilhos, e tudo ficou na penumbra. Hoje em dia, quem passa por aquela estação vê que tudo não passou de uma ilusão de ótica: o que não parece é exatamente o que é!                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

05/08/2022

Ai de ti, Copacabana (trechos)




Ai de ti, Copacabana, porque eu já te fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.

Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite.

Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniquidades e de tua malícia.

Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação.

Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia.

Antes de te perder eu agravarei a tua demência - ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus mrros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.

Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!

Rio de Janeiro, 1958


Rubem Braga, Cachoeiro de Itapemirim(ES) - 1913-1990