DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

24/04/2021

Se...

 




Eu poderia enfeitar-me toda de mentiras, se fosse romântica. Escancarar minhas portas internas, abrir todas as janelas do meu sótão, se tivesse uma casa de alicerces sólidos o suficiente para enfrentar vendavais e tempestades. Porém, minha morada não tem teto, é feita de pele transparente onde as palavras voam por asfixia indo pousar no asfalto das ruas mal iluminadas, nas calçadas ocupadas por carros e corpos ao relento, sob olhares indiferentes, apressados e ensimesmados.               Eu poderia rir, e até zombar da desgraça alheia, se o alheio não estivesse entranhado na pele do meu ser; poderia também, cuspir no prato que como, se não soubesse que a porcelana só é bela porque é um pó concentrado, enquanto eu serei apenas poeira um dia...

18/04/2021

Mariposa

 


Fui ali mas não voltei. Quando cheguei lá encontrei-o debaixo de uma mesa. Ziguezagueava, zumbia feito louco em torno da luz até arder em  em chamas!


13/04/2021

Partida





Vi demais. A visão se revia pelos ares.

Tive demais. Sons da cidade, à tarde, e ao sol, e sempre.

Soube demais. As paradas da vida.

 - Ó sons e Visões.

Partida entre afetos e ruídos novos!


Arthur Rimbaud, 1854-1891


***


No alto

 do viaduto o louco colava pedacinhos de céu

na camisa de força

destruindo o horizonte a marteladas

a Morte

é

um refrão no crânio sem janelas.


*

O arco-íris

é o colar do feiticeiro

que apaga o dia

com a mão direita

& inaugura a noite

com a mão esquerda.


Roberto Piva - São Paulo, 1937-2010

04/04/2021

E no entanto...

 


Vivemos à sombra de uma sombra que dá saltos aleatórios, mas persistentes, a zombar de nossas vidas, do nosso desassossego. Do alto, seu olho ciclópico observa, e tenta controlar todos os nossos passos e pensamentos. Embalde. O mundo gira à revelia das sombras, esses espectros fantasmagóricos de um passado de triste memória.