Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o
peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó
desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário
o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a
chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora
lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho
o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do
real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exatamente quando assentava na sua
fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.
Herberto Helder, Funchal 1930-Cascais 2015. Os passos em volta
* Peço desculpas ao pintor, poeta e editor do azultemporario.blogspot.com.br, por antecipar-me a sua permissão publicando esta sua tela, que considero belíssima!