Palavras trôpegas tropeçam pelas ruas da linguagem. Andarilham ao relento; como curtos-circuitos, desencapam fios, desconectando a chave geral da comunicação. Obscuridade. Caminham num arquejar de soluços cansados; cambaleiam entre as linhas que equilibram seu corpo frágil. É preciso resistir para que outras venham auxiliá-las, a despeito de máquinas ou avatares. Pássaros sobrevoam telhados para criar seus ninhos. Palavras voam à procura de vozes que as representem; seus pêlos se eriçam, saltam, transpiram, transbordam no suor que desliza sobre o fio da imaginação... E imaginação é uma capacidade, um direito,e a disponibilidade para voar tão ou mais alto do que os pássaros; não tem fronteiras, nem barreiras que a impeçam de ir além das coisas comezinhas, de preconceitos e falsos moralismos. Antes das palavras, ela já andarilhava embrionariamente no líquido amniótico que a gerou. Talvez seja por isso que as palavras têm força; sua matriz é o começo de tudo, é a própria vida, e sobreviverá ad infinitum...!
DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)
25/04/2022
19/04/2022
Ao Tempo
Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida
A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando, andando, andando.
Tempo, vais para diante ou para trás?
Dante Milano, Rio de Janeiro - 1899-1991
12/04/2022
Perguntas sem respostas...
Decifra-me ou te devoro
Onde está o menino que eu fui?
Está dentro de mim ou se foi?
Sabe que jamais o quis e que tampouco me queria?
Por que andamos tanto tempo crescendo para nos separarmos?
Por que não morremos os dois quando minha infância morreu?
E se minha alma se foi por que me segue o esqueleto?
( Pablo Neruda, O esqueleto)
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Quem fez a primeira pergunta?
Quem fez o mundo?
Quem disse a primeira palavra?
Por que se morre?
Por que se ama?
Por que se odeia?
Por que há o som?
Por que há o silêncio?
( Clarice Lispector, A descoberta do mundo)
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O olho que te vê
Não é olho porque tu o vês.
É olho porque te vê.
Antonio Machado
03/04/2022
Ora, bolhas!
O ovo criou asas e voou, para ver a uva! Coitada, ficou viúva porque não via nada à sua volta. The book is on the table, pero ceci n'est pas un crayon; os livros não são mais escritos a bico de pena ou a lápis, viraram a mesa, ninguém mais senta-se em torno dela. Quem será que virou a mesa? As cabeças que outrora supunha-se pensantes, estão curvadas, hipnotizadas diante do seu objeto de desejo: o smartphone. Tudo indica que esse aparelhozinho é mesmo inteligente. Realizar tal façanha não é tarefa para qualquer um: - não me vejo, não te vejo, não olho para a frente, muito menos para trás ou para os lados. Ora, bolhas...!?