DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

30/01/2016

Calypso Rose *

 
* Calypso Rose nasceu em Trinidade e Tobago, ilha do Caribe situada a Nordeste da Venezuela e ao Sul de Granada(Pequenas Antilhas) em 1940. É considerada a embaixadora internacional do Calypso.

27/01/2016

Ao deus kom unik assão


 

Eis-me prostrado a vossos peses que sendo tantos todo plural é pouco.
Deglutindo gratamente vossas fezes vai se tornando são quem era louco.
Nem precisa cabeça pois a boca nasce diretamente do pescoço e em vosso esplendor de auriquilate faz sol o que era osso.
Genuncircunflexado vos adouro Vos amouro, a vós sonouro Deus da buzina;
 da morfina que me esvazias enchendo-me de flato e flauta e fanoipéia e fone e feno.
Vossa pá lavra o chão de minha carne
E planta beterrabos balouçantes de intenso carneiral belibalentes
em que disperso espremo e desexprimo o que em mim aspirava a ser eumano
Salva, deus compacto cinturão da Terra calça circular unissex, rex do lugarfalar comum.
Salve, meio-fim De finrinfinfim Plurimelodia Distriburrida no planeta.
Nossa goela sempre sempre sempre escãocarada engole elefantes engole catástrofes tão naturalmente como se.
E PEDE MAIS.
A carne pisoteada de cavalos reclama pisaduras mais.
A vontade sem vontade encrespa-se exige contravontades mais.
E se consome no consumo.
Senhor dos lares e lupanares Senhor dos projetos e do pré-alfabeto Senhor do ópio
E do cor-no-copo Senhor! Senhor! De nosso poema fazei uma dor que nos irmane,
 Manaus e Birmânia pavão e Pavone pavio e povo pangaré e Pan
e Ré Dó Mi Fá Sol- apante salmoura n'alma, cação podrido.
Tão naturalmente como se Como ni ou niente.
Se estou doente, devo estar doentes.
Se estou sozinho devo estar desertos.
Se estou alegre deve estar ruidosos. Se estou morrendo, devo estar morrendos?
Cumpro. Sou geral. É pouco? Multi versal. É nada? Sou al.
Dorme na tumba a cultura oral.
Era uma vez a cultura visual. Quando que vem a cultural anal na recompensa aldeia tribal?
O meio é a mensagem O meio é a massagem O meio é a mixagem O meio é a micagem
A mensagem é o meio de chegar ao Meio. O Meio é o ser Em lugar dos seres, isento de lugar, Dispensando meios de fluorescer. Salve, Meio. Salve, Melo.
A massa vos saúda em forma de passa. Não quero calar junto do amigo.
Não quero dormir abraçado ao velho amor. Não quero ler a seu lado.
Não quero falar a minha palavra a nossa palavra.
Não quero assoviar a canção parceria de passarinho/aragem.
Quero komunikar em código descodificar recodificar eletronicamente.
Se komuniko que amorico me centimultiplico scotch no bico paparico
rio rico salpico de prazer meu penico em vosso honor, ó Deus komunikão.
Farto de komunikar
Na pequenina taba subo ao céu em foguete até a prima solidão
levando o som a cor, o pavilhão da komunikânsia interplanetária interpatetal.
Convoco os astros para o coquetel os mundos esparsos para a convenção
a inocência das galáxias para a notícia a nivola o show de bala o sexpudim o blabladum.
E quando não restar O mínimo ponto a ser detectado a ser invadido a ser consumido e todos os seres se atomizarem na supermensagem do supervácuo e todas as coisas se apagarem no circuito global e o Meio deixar de ser Fim e chegar ao fim, Senhor! Senhor! Quem vos salvará de vossa própria, de vossa terríbil estremendona inkomunikhassão?
 
Carlos Drummond de Andrade

26/01/2016

A Paulicéia de Mário de Andrade



 
O cortejo
 
Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões. "Bom giorno, caro."
 
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulcade
pus e de mais de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
 
Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.
 
 
Colloque Sentimental
 
 
Tenho os pés chagados nos espinhos das calçadas...
Higienópolis!...As Babilônias dos meus desejos baixos...
Casas nobres de estilo...Enriqueceres em tragédias...
Mas a noite é toda um véu-de-noiva ao luar!
 
A preamar dos brilhos das mansões...
O jazz-band da cor...O arco-íris dos perfumes...
O clamor dos cofres abarrotados de vidas...
Ombros nus, ombros nus, lábios pesados de adultério...
E o rouge - cogumelo das podridões...
Exércitos de casacas eruditamente bem talhadas...
 
 
Mário de Andrade, em Paulicéia Desvairada (1922)

24/01/2016

Conflito cerebral


Estamos tão condicionados, desde o nosso nascimento, que temos dificuldades para aceitar o que é visivelmente óbvio. De qualquer maneira, sempre temos oportunidades para nos exercitarmos para além do que vemos aparentemente...
 
 



21/01/2016

Dois poemas de Manuel Antonio Pina




Narciso

Quando me dizes "Vem",
 já eu parti e já estou tão próximo de ti
que sou eu quem me chama,
 e quem te chama é o meu amor
que em ti me ama.
 
Se me olhas sou eu que me contemplo
longamente através do teu olhar e moro em ti
 e sou eu o lugar
e demoro-me em ti e sou o tempo.
 
Eu sou talvez aquilo que me falta
(a alma se sou corpo, o corpo se sou alma)
em ti, e afogo-me na tua vida
como na minha imagem desmedida:
Sol, Lua, água, ouro, horizontalidade,
 concordância, indiferente ordem da infância,
união conjugal, morte, repouso.
 

Na biblioteca

O que não pode ser dito
guarda um silêncio feito de primeiras palavras diante do poema,
que chega sempre demasiadamente tarde,
quando já a incerteza e o medo se consomem em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro, em cada página sobre si recolhida,
às horas mortas em que a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro, as palavras dormem
talvez, sílaba a sílaba, o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.
Aí, onde não alcançam nem o poeta nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.

Manuel Antônio Pina, em Cuidados Intensivos
Manuel Antônio Pina nasceu em Sabugal(Portugal) em 1943; foi jornalista e escritor laureado com o Prêmio Camões em 2011. Faleceu em 2012 na cidade do Porto.

17/01/2016

O círculo da vida humana




 
As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores,
que, umas, os ventos atiram no solo, sem vida; outras, brotam
na primavera, de novo, por toda a floresta viçosa.
Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira.
 
 
Virgílio, (Públio Virgílio Maro - 70 a.C) Ilíada

12/01/2016

Machado de Assis e a virada do século XX

Sísifo, de Max Klinger, 1914
 

Se a pedra de Sísifo não andasse já tão gasta, era boa a ocasião de dar com ela na cabeça dos leitores, a propósito do ano que começa. Mas tanto tem rolado esta pedra, que não vale um dos paralelepípedos das nossas ruas. Melhor é dizer simplesmente que aí chegou um ano, que veio render o outro, montando guarda às nossas esperanças, à espera que venha rendê-lo outro ano, o de 1896, depois o de 1897, em seguida o de 1898, enfim o de 1900...
Que inveja que tenho ao cronista que houver de saudar desta mesma coluna o sol do século XX! Que belas coisas ele há de dizer, erguendo-se na ponta dos pés, para crescer com o assunto, todo auroras e folhas, pampeiros e terremotos, anarquia e despotismo, coisas que não trará consigo o século XX, um século que se respeitará, que amará os homens, dando-lhes a paz, antes de tudo, e a ciência, que é o ofício dos pacíficos.
A doutrina microbiana, vencedora na patologia, será aplicada à política, e os povos curar-se-ão das revoluções e maus governos, dando-se-lhes um mau governo atenuado e logo depois uma injeção revolucionária. Terão assim uma pequena febre, suarão um tudo nada de sangue e no fim de três dias estarão curados para sempre. Chamfort, no século XVII, deu-nos a célebre definição da sociedade, que se compõe de duas classes, dizia ele, uma que tem mais apetite que jantares, outra que tem mais jantares que apetite.
Pois o século XX trará a equivalência dos jantares e dos apetites, em tal perfeição que a sociedade, para fugir à monotonia e dar mais sabor à comida, adotará um sistema de jejuns voluntários. Depois da fome, o amor. O amor deixará de ser esta coisa corrupta e supersticiosa; reduzido à função pública e obrigatória, ficará com todas as vantagens, sem nenhum dos ônus. [...]
Mas não roubemos o cronista do mês de janeiro de 1900. Ele, se lhe der na cabeça, que diga alguma palavra dos seus antecessores, boa ou má, que é também um modo de louvar ou descompor o século extinto. Venhamos ao presente.
O presente é a chuva que cai menos que em Petrópolis, onde parece que o dilúvio arrasou tudo, ou quase tudo, se devo crer nas notícias; mas eu creio em poucas coisas, leitor amigo. Creio em ti, e ainda assim é por um dever de cortesia, não sabendo quem sejas, nem se mereces algum crédito. Suponhamos que sim. Creio em teu avô, uma vez que és seu neto, e se já é morto; creio ainda mais nele que em ti. Vivam os mortos! Os mortos não nos levam os relógios. Ao contrário, deixam os relógios, e são os vivos que os levam, se não há cuidado com eles. Morram os vivos!
Podeis concluir daí a disposição em que estou. Francamente, se esta chuva que vai refrescando o verão fosse, não digo um dilúvio universal, mas uma calamidade semelhante a de Petrópolis, eu aplaudiria d'alma, contanto que me ficasse o gosto do poeta, e ver da minha janela o naufrágio dos outros.
[...]
 
Crônica escrita em 6 de janeiro de 1895 


03/01/2016

Anotações III


 
 
Sangria
 
 
...E dos olhos sangraram estilhaços de letras, quase pó coagulado, matizados em preto e branco, azul, amarelo, violeta, verde, lilás; sangraram sangue até chegar à escuridão! Tateando pelas paredes pelas portas e janelas do corpo foi a pouco e pouco reconhecendo os odores, ressentindo seus ossos, seus antigos passos, sua sombra avulsa. Pela transparência de sua pele viu o azul prussiano de suas veias; ouviu o ruído das letras borbulhando no leito do sangue percorrendo todo o corpo num ritmo acelerado, quase frenético, rumo ao coração num movimento ininterrupto...
Os cabelos foram cortados, os fios espalhados sobre as ruas e avenidas das grandes cidades - cemitérios de automóveis - onde pessoas e pernas desfilam nos subterrâneos dos trens e metrôs, locomotivas ambulantes que mastigam e depois trituram os pensamentos, palavras e obras das pessoas.
Maldizendo os estatutos do tempo com suas regras e convenções, avistou aquele pássaro que não tem plano de voo, que nunca segue uma linha reta, que está sempre recriando, reconstruindo seu ninho onde for possível sobreviver são e salvo de predadores. Fechou os olhos e dormiu profundamente. Ao levantar-se viu sobre o chão uma babel de palavras, um quebra-cabeça que ainda está por ser montado. Ou desmontado. Você já viu isso ? Uns olhos que lacrimejam pedrinhas de sangue para ver tão somente um pássaro  carregando-as para longe, em busca de um novo ninho? Nem eu. Foi apenas um sonho!
 Pensando melhor, pode ser também um pesadelo, ou talvez uma falha de memória. Já não sei ao certo o que é sonho, pesadelo ou realidade. Estão todos juntos e separados e misturados. O mundo é vasto e diversificado, tanta coisa acontece por aí, por acolá, por aqui. cá dentro, lá fora...Ficção e realidade andam de mãos dadas, mas podem caminhar na contramão e se encontrarem num mesmo lugar, no próprio corpo da palavra, à revelia de muitos pensamentos...

01/01/2016

Um poema de Michelangelo

Michelangelo - Capela Sistina(detalhe)
 
Nenhum pedaço de madeira preserva
Sua umidade própria fora de seu próprio lugar,
E, tocado mesmo de leve por algum grande calor,
Não tem como não secar e arder e queimar.
Assim também o coração, levado por quem não o devolverá,
Vivendo em lágrimas e nutrindo-se de chamas,
Longe de seu próprio lar e lugar -
Que golpe não lhe será fatal?
 
 
Michelangelo Buonarroti nasceu em Caprese, em 1475 e faleceu em Roma em 1564. Era arquiteto, pintor, escultor e poeta.