DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

21/12/2008

Aos que vão nascer

Realmente, eu vivo um tempo sombrio.
A inocente palavra é um despropósito.
Uma fronte sem rugas demonstra insensibilidade.Quem etá rindo
é porque não recebeu ainda a notícia terrível!
Que tempo é este, em que uma conversa sobre árvores
é quase uma falta, pois implica em silenciar tantos crimes?
Esse que vai cruzando a rua calmamente, então já não está
ao alcance dos amigos necessitdados?
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Dizem-me: Vai comendo e bebendo! Alegra-te pelo que tens!
Mas como hei de comer e beber, se o que como é tirado
de quem tem fome e meu copo de água falta a quem tem sede?
No entanto eu como e bebo.
Eu bem que gostaria de ser um sábio.
Nos velhos livros está o que é sabedoria:
manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve
deixar correr sem medo.
Também saber passar sem violência, pagar o mal com o bem,
os próprios desejos não realizar e sim esquecer,
conta-se como sabedoria.Não posso nada disso:
Realmente, eu vivo num tempo sombrio!
Vós, que vireis na crista da maré em que nos afogamos, pensai,
quando falardes em nossas fraquezas, no tempo sombrio
do qual escapastes.
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E entretanto sabíamos:
também o ódio à baixeza endurece as feições:
também a raiva contra a injustiça torna a voz mais rouca.
Ah, e nós que pretendíamos preparar o terreno para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião de ser o homem um parceiro
para o homem, pensai em nós com simpatia.
Bertolt Brecht - 1898-1956

11/12/2008

Primeiro levaram os negros,
mas não me importei com isso.
Eu não sou negro.
Em seguida, levaram alguns operários,
mas não me importei com isso.
Eu também não sou operário.
Depois prenderam os miseráveis,
mas não me importei com isso,
porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados,
mas como tenho meu emprego,
também não me importei.
Agora estão me levando,
mas já é tarde.
Como não me importei com ninguém,
ninguém se importa comigo
Bertold Brecht, dramaturgo alemão (1898-1956)

03/12/2008

No Japão do período Heian (794-1192), assim como na Grécia clássica, no islã,
na India pós-védica e em tantas outras sociedades, as mulheres estavam proibidas de ler o que se considerava literatura "séria": deviam confinar-se ao
reino da diversão banal e frívola, que os eruditos confucianos desprezavam, e havia uma distinção clara entre literatura e linguagem "masculina"(com temas heróicos e filosóficos e voz pública) e "feminina"(trivial, doméstica e íntima). Essa distinção foi levada para muitas áreas diferentes: Por exemplo, como os modos chineses continuavam a ser admirados, a pintura chinesa era chamada de "masculina", enquanto a pintura japonesa, muito leve, era "feminina".
Mesmo que todas as bibliotecas de literatura chinesa e japonesa estivessem abertas para elas, as mulheres do período Heian não encontrariam o som de suas vozes na maioria dos livros do período.Portanto, em parte para aumentar
seu estoque de material de leitura, em parte para obter acesso a material de leitura que respondesse às suas preocupações específicas, elas criaram uma literatura própria.Desenvolveram uma transcrição fonética da língua que tinham permissão para falar, o kanabungaka, um japonês expurgado de quase todas as construções com palavras chinesas. Essa língua escrita veio a ser conhecida como "escrita das mulheres" e, estando restrita à mão feminina, adquiriu, aos olhos dos homens que as dominavam, uma qualidade erótica. Para ser atraente, uma mulher precisava não apenas possuir encantos físicos, mas também escrever com caligrafia elegante, bem como ser versada em música e saber ler, interpretar e escrever poesia. Essas realizações no entanto, jamais eram equiparáveis às dos artistas e estudiosos masculinos.

"Uma História da Leitura" - Alberto Manguel