Era uma vez uma serpente infinita. Como era infinita não havia maneira de se saber onde estava a sua cabeça. De
cada vez que se lhe tirava uma vértebra não fazia falta nenhuma. Podia-se mesmo parti-la deslocá-la emendá-la.
Ficava sempre infinita. Quem quisesse levar-lhe um bocado
para casa podia pô-lo na parede e contemplar um fragmento da serpente infinita.
Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra. Um dia encontraram-se num caminho muito estreito
e como não gostavam uma da outra devoraram-se mutuamente. Quando uma devorou a outra não ficou nada.
Esta história tradicional demonstra que se deve amar o próximo ou então ter muito cuidado com o que se come.
Era uma vez uma ausência que andava em missão de viagem. Quando chegava a uma encruzilhada dava três voltas sobre si própria para perder por completo a noção
do caminho por onde viera atingindo assim com regularidade as regiões efêmeras do esquecimento. Depois regressava a casa.
Ana Hatherly, Porto (Portugal), 1929-2015
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