Livre!
Livre! Ser livre da matéria escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.
Livre da humana, da terrestre lava
Dos corações daninhos que regelam,
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.
Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu Amor, de todas as justiças.
Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Painel de Rodrigo Rizo, em Florianópolis(SC)
Quando será?!
Quando será que tantas almas duras
Em tudo, já libertas, já lavadas
Nas águas imortais, iluminadas
Do sol do Amor, hão de ficar bem puras?
Quando será que as límpidas frescuras
Dos claros rios de ondas estreladas
Dos céus do Bem, hão de deixar clareadas
Almas vis, almas vãs, almas escuras?
Quando será que toda a vasta Esfera,
Toda esta constelada e azul Quimera,
Todo este firmamento estranho e mudo,
Tudo que nos abraça e nos esmaga,
Quando será que uma resposta vaga,
Mas tremenda, hão de dar de tudo, tudo?!
Cárcere das almas
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!
João da Cruz e Sousa nasceu na antiga cidade Desterro, atual Florianópolis(SC), em 1861. Era filho de escravos alforriados, e recebeu uma educação formal através do marechal Guilherme Xavier de Sousa, ex-proprietário de seus pais. Tornou-se jornalista, professor e poeta, sendo considerado o precursor da poesia simbolista no Brasil. Faleceu em 1898, aos 36 anos, vítima de tuberculose. Deixou publicados os livros Tropos e Fantasias (contos), Missal e Broquéis (marcos do Simbolismo no Brasil).
São de publicação póstuma os livros Evocações, Faróis, Últimos Sonetos, O livro derradeiro e Dispersos.