DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

20/11/2019

Dois poemas de Miriam Alves






C
omecei chorando, agora grito palavras e
lágrimas, os soluços e as agulhas da opressão
que ferem fundo minha pele negra.


Fumaça

Estou a toque de máquina
corro louca, voo, suo
a fumaça sou eu

Estou a toque de nada
vivo, ando,
como a comida envenenada
e o comido sou eu

Estou a toque de selva
os ferros torcidos, sacudidos
dentro de uma marmita
e a marmita sou eu

Nego, mas vivo dizendo
Sim
a tudo que me dói na cabeça
e o doído sou eu


Paro, mas estou sempre correndo
doem as pernas, os pés
e este corpo é o meu

A manhã me encontra acordada
como a noite deixou
e o insone sou eu

Indago, mas não estou escutando
a pergunta anda solta
e ninguém explicou
que a resposta sou eu.
(Cadernos Negros, n.5, 1982)

Pedaços de mulher

Sou eu
que no leito abraço
mordisco seu corpo
com lascivo ardor

Sou eu
cansada inquieta
lanço-me a cama
mordo nos lábios
o gosto da ausência,
sou eu essa mulher

A noite
no eito da ruas procuro,
vejo-me agachada nas esquinas
chicoteada por uma ausência.
Desfaleço
faço-me em pedaços

Mulher
sou eu esta mulher
rolando feito confete
na palma de sua mão

Mulher - retalhos
a carne das costas secando
no fundo do quintal
presa no estendal do seu esquecimento.

Mulher revolta
agito-me contra os prendedores
que seguram-me neste varal
Eu mulher
arranco a viseira da dor
enganosa.

Miriam Alves é natural de São Paulo, assistente social e membro do grupo Quilomhoje. Tem publicado
Momentos de busca, Estrelas nos dedos, Terramara (teatro), entre outros




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