lágrimas, os soluços e as agulhas da opressão
que ferem fundo minha pele negra.
Fumaça
Estou a toque de máquina
corro louca, voo, suo
a fumaça sou eu
Estou a toque de nada
vivo, ando,
como a comida envenenada
e o comido sou eu
Estou a toque de selva
os ferros torcidos, sacudidos
dentro de uma marmita
e a marmita sou eu
Nego, mas vivo dizendo
Sim
a tudo que me dói na cabeça
e o doído sou eu
Paro, mas estou sempre correndo
doem as pernas, os pés
e este corpo é o meu
A manhã me encontra acordada
como a noite deixou
e o insone sou eu
Indago, mas não estou escutando
a pergunta anda solta
e ninguém explicou
que a resposta sou eu.
(Cadernos Negros, n.5, 1982)
Pedaços de mulher
Sou eu
que no leito abraço
mordisco seu corpo
com lascivo ardor
Sou eu
cansada inquieta
lanço-me a cama
mordo nos lábios
o gosto da ausência,
sou eu essa mulher
A noite
no eito da ruas procuro,
vejo-me agachada nas esquinas
chicoteada por uma ausência.
Desfaleço
faço-me em pedaços
Mulher
sou eu esta mulher
rolando feito confete
na palma de sua mão
Mulher - retalhos
a carne das costas secando
no fundo do quintal
presa no estendal do seu esquecimento.
Mulher revolta
agito-me contra os prendedores
que seguram-me neste varal
Eu mulher
arranco a viseira da dor
enganosa.
Miriam Alves é natural de São Paulo, assistente social e membro do grupo Quilomhoje. Tem publicado
Momentos de busca, Estrelas nos dedos, Terramara (teatro), entre outros
Nenhum comentário:
Postar um comentário