Janelas, abri-vos!
Portas, abri-vos!
Deixai-me entrar, deixai-me entrar,
deixai-me por os pés na vossa casa humilde.
Entro com ramos de flores douradas,
entro com a fragrância da floresta,
entro com a luz e o calor,
entro com o corpo molhado de orvalho.
Levantai-vos depressa!
Erguei as cabeças da almofada,
abri os olhos estremunhados,
para presenciar a minha chegada.
Abri-me o coração, casa humilde,
construída de tábuas.
Abri-me as janelas há muito fechadas,
deixai-me encher teu coração de flores,
fragrâncias, luz, calor e orvalho.
***
Muro
um muro, como uma lâmina
a cortar uma cidade em metades
uma a leste
uma a oeste
qual a altura do muro?
tem qual espessura?
tem qual alcance?
e alto, e espesso e longo
e não é mais alto, mais espesso, mais longo
do que a grande muralha
mas também uma ruína da história
trauma das etnias
ninguém gosta deste tipo de muro
três metros de altura são como nada
cinquenta centímetros de espessura são como nada
quarenta quilômetros de alcance são como nada
mil vezes mais alta
mil vezes mais espessa
mil vezes mais longa
e ainda como poderia parar
as nuvens celestiais, o vento, a chuva,
os raios, o sol?
e ainda como poderia impedir
as asas das aves e o canto do rouxinol?
e ainda como poderia impedir
o fluxo das águas e dos ares?
e ainda como poderia impedir milhões de pessoas
com pensamentos ainda mais livres que o vento?
com uma vontade ainda mais profunda que a terra?
com as aspirações mais duráveis que o tempo?
Ai Qing (1910-1996), pseudônimo de Jiang Zhenghan, nasceu na província de Zhijiang, sudeste da China. Poeta, editor de periódicos e diretor do departamento de literatura da Universidade de Yucai de Chongqing.