O bom negociante do lugar notava sempre com tristeza que a estrada que lhe passava nas portas
estava cheia da buracos, inconveniente fácil de remediar.
Pediu a um amigo que se dava nos jornais o favor de
chamar a atenção das autoridades competentes para
fato tão escandaloso. Os jornais falaram, mas as tais autoridades competentes, muito interessadas em dotar Botafogo de mais um "refúgio", não se incomodaram com os buracos da Estrada Real.
Entretanto, essa velha azinhaga presta imensos serviços. Por ela se faz um trânsito intenso da lenha, do carvão, dos produtos hortícolas que os arredores do Rio produzem.
O bom negociante olhava os buracos e tinha pena. Arranjou um abaixo-assinado e levou-o às autoridades competentes. Elas não se moveram, e ele continuou a considerar com tristeza o lamentável estado da via pública. Foi ainda ao amigo e pediu que
reclamasse pelos jornais. Não houve nada.
Certo dia, o seu aborrecimento foi imenso ao ver que
um dos burros de uma carroça de carvão quebrara as
pernas e ficara a arquejar na margem da estrada, a espera de ser abatido. Pensou em fazer gratuitamente os reparos; e teve até aquela ideia luminosamente feudal dos legisladores de São Paulo:
achou de boa ideia que o governo tornasse obrigatório, em certos dias da semana, para os habitantes de certas localidades, prestarem gratuitamente determinados serviços públicos. Era a corvée medieval, mas ele não sabia disso. Pôs mãos à obra e alugou trabalhadores, carroças, barro, etc.
Aplainou aqui, aterrou ali, e o trecho que lhe passava
às portas ia ficando uma lindeza. Quando ia acabando o serviço, apareceu uma "autoridade competente" e intimou o benfeitor:
- Está multado.
- Por quê?
- Não pode escavar a via pública.
E o bom negociante pagou a multa sem tugir nem mugir, travando conhecimento com a gratidão da lei.
Lima Barreto - Revista Careta de 14.08.1915
Obs: Os tempos mudaram, mas a história continua a
mesma!
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