DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

29/09/2020

Às escuras




Amanhece. Nada é igual, tudo difere, mas nada mudou. De qualquer forma, aquele galo que cantava ao anunciar a aurora, e mandava nas galinhas, desapareceu por falta de quintais. Já as galinhas, tiveram um aumento exponencial. Nem por isso têm vez ou voz, ao contrário, são geradas em chocadeiras e socadas vinte e quatro horas por dia, ininterruptamente. O galo, aparentemente invisível, não canta mais, só dá ordens aos galinheiros do país.  

22/09/2020

Canção de outono



As pulsações dos violinos outonais

fazem o ser esmorecer sempre iguais.

E todo arfando pálido,

quando soa a hora,

minha alma invade

velha saudade

e após chora.


Se eu assim vago,

vento pressago

me transporta

ao deus-dará

semelhante à

folha morta.


Paul Verlaine, França 1844-1896

13/09/2020

Mãos

Jano, deus do Tempo


as mãos de alguns
(muitos)
estão sujas de sangue
(de) terra lodo lama

 o suor das mãos
do sal que escorre das lágrimas
e se esvai em sangue é a mesma
que escreve em vermelho
a lixiviação da mente

na lavoura diária
a lama espalha-se
sobre a vida de povos
vulneráveis e indefesos

mãos que torturam
atiram pedras e balas
de borracha e pólvora
mãos lavadas
no lixo da História

05/09/2020

Re[Fluxo de (in)Consciência]




Se jabuti fosse tatu e se a Terra fosse ainda o "paraíso", qual bicho serias tu? Se cobra voasse e fosses um pássaro, em qual tipo de galho pousarias?
Sóssocando o sono para transformá-lo em sonho.
Delírio-delivery. Rio porque é preciso, senão afogo-me nos olhos d'agua do marasmo, asma, almas mortas todas tortas nas ruas, direita, volver! Veremos quão veraz é a veracidade da feroz cidade. Cantar no entanto, é preciso gritar, uivar, urrar, grunhir, zunir;é preciso que chamemos os lobos, os tolos, as gaivotas, os doidos, os animais canibais, mamelucos tupinambás,carajás, caiapós, tupiniquins, guajajaras...Rio, rio, canoa, balsa, barco, rio, rio... Atravessemos cachoeiras, cordilheiras rioabaixo, rioacima, rio, rio naveguemos, porque é urgente urgentíssimo. Jangadas ao mar, à vida, à luta, ao amor, ao sonho! Resistir quem não há de? Não importa se como farsa ou se como tragédia, importa
é que a fome é grande e o que vier  traçamos, para não ter um troço por aí, com uma folha de saudade debaixo do braço, mutatis mutandis, o avesso de tudo é a realidade nua e crua nessa pandêmica panamérica anêmica do sul, que de maravilhosa quase nada tem.
Deixemo-nos ir, precisamos andar, correr, ver o sol;  renascer, sair desse labirinto, desse ziguezague interminável. Deixemo-nos ir aos trancos e troncos e barrancos, aos vômitos. Regurgitando, transbordando tentemos saltar desse navio-fantasma encalhado. Fluxo, refluxo de (in)consciência. Rioriorio, transbordo, gargalho aos borbotões de rosas, de blusas e de calças. Descalça e nua como a lua vista de um alpendre. Não há escolha quando não se tem opção.
 Mas tu, anônimo leitor, não és obrigado a ler o que escrevo, até porque sou um oxímoro, uma ilustre desconhecida. E rio..., como gosto de rir, apesar de tudo!