Até parece um bicho de sete cabeças. E é mesmo. Uma serpente cuja cabeça ao ser cortada se multiplica em várias, simultaneamente. Já que não se sabe qual direção tomar para atingir o alvo desejado, qualquer tentativa serve, não é mesmo? Mas, vender terrenos que estão na lua é desejar o máximo de confinamento para as pessoas. Aparentemente tudo não passa de um engano, mas as cabeças hidrófobas vão se multiplicando, se espalhando sorrateiramente, como quem não quer nada, e querendo. Se colar, colou. Bingo! Constroem-se cortinas de fumaça para embaçar a visão dos desavisados, para desviar a atenção do real objetivo que se deseja alcançar. Estaremos voltando à época da mitologia, ao tempo das cavernas? Peneiras jamais conseguirão tapar a luz do sol. Bicho de sete cabeças, lobisomem, capiroto ou quaisquer outros tipos de avatares sempre serão criados para ludibriar as pessoas. No entanto, mais dia, menos dia, às vezes até séculos podem passar, a história real prevalecerá.
DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)
30/10/2020
19/10/2020
OLHARES
Um dia sementes de ideias brotaram na imaginação para hoje se espalharem em folhas de papel. Meus olhos vislumbraram caminhos até então desconhecidos; mostraram-me pontos obscuros inundados de sombras movediças. Não era noite nem era dia, e tudo era atemporal. Águas jorravam velozes e tenazmente, como cavalos selvagens quando perseguidos. Tateando no escuro abri portas, arrastei-me pelas paredes, mergulhei em pântanos e emergi insone. Rasguei as malhas de uma cortina de renda escura feita de medo e solidão.
Dois olhos - um triste, outro alegre - tentam caminhar juntos; um olho caído e ferido, o outro desdobrando-se atento. Olhares de soslaio a espreitarem pelos cantos, pelas esquinas do rosto. A ampulheta do tempo vai liberando rapidamente uma fina camada de areia: tudo arde e dói, e tudo se torna irremediavelmente seco em volta do olho ferido.
O vento sopra e a malha da renda balança num vaivém de contradições depositadas nesse minúsculo oceano de emoções imprevisíveis. Dois olhos boiam numa bacia de água; flutuam em câmera lenta. Como disse Paul Klee, "um olho vê, o outro sente", e quando um deles não vê, o outro sente ainda mais. Um mergulho no escuro é como mergulhar em si mesmo, se é que me faço entender. Eu mesma ainda estou tentando entender-me.
12/10/2020
Serventia
caminho imóvel,
minha voz é emudecida;
mesmo com todas as portas e janelas
fechadas sinto um cheiro
podre no ar;
vejo a fumaça de olhos fechados,
um rio de sangue além fronteiras
espalhando-se nas ruas
das cidades.
ai! até arderam meus pulmões.
tantas línguas são faladas no mundo,
quantas vozes são ouvidas?
Sherazade é o símbolo da poesia
iraquiana onde também viveram
os quarenta ladrões, hoje espalhados
mundo afora...
uns criam a guerra
outros tentam abafar o estrondo
dos canhões; genocídios, holocaustos,
erros repetidos, lições
não aprendidas
o quê fazem os poetas
com a sua poesia?
08/10/2020
De sabiás e palmeiras
Em territórios de cipós e terra seca o chicote come solto o lombo dos desavisados. Em terras de sabiás e juritis, sempre tem um gavião que os carrega pelo bico para o abismo do silêncio.
Em terras onde sabiás ainda cantam em palmeiras, existem homens que têm cara de cavalo e dão coices com esporas. O sertão já foi mar um dia. Estaria se transformando em deserto?
Dizem que "quem canta seus males espanta", mas os cara de cavalo estão devastando as florestas para acabar com o canto dos passarinhos.