Um dia sementes de ideias brotaram na imaginação para hoje se espalharem em folhas de papel. Meus olhos vislumbraram caminhos até então desconhecidos; mostraram-me pontos obscuros inundados de sombras movediças. Não era noite nem era dia, e tudo era atemporal. Águas jorravam velozes e tenazmente, como cavalos selvagens quando perseguidos. Tateando no escuro abri portas, arrastei-me pelas paredes, mergulhei em pântanos e emergi insone. Rasguei as malhas de uma cortina de renda escura feita de medo e solidão.
Dois olhos - um triste, outro alegre - tentam caminhar juntos; um olho caído e ferido, o outro desdobrando-se atento. Olhares de soslaio a espreitarem pelos cantos, pelas esquinas do rosto. A ampulheta do tempo vai liberando rapidamente uma fina camada de areia: tudo arde e dói, e tudo se torna irremediavelmente seco em volta do olho ferido.
O vento sopra e a malha da renda balança num vaivém de contradições depositadas nesse minúsculo oceano de emoções imprevisíveis. Dois olhos boiam numa bacia de água; flutuam em câmera lenta. Como disse Paul Klee, "um olho vê, o outro sente", e quando um deles não vê, o outro sente ainda mais. Um mergulho no escuro é como mergulhar em si mesmo, se é que me faço entender. Eu mesma ainda estou tentando entender-me.
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