Virá a morte e terá os teus olhos,
esta morte que nos acompanha
de manhã até à noite, insone,
surda, como um remorso antigo
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra inútil,
um grito reprimido, um silêncio.
Assim os vês todas as manhãs
quando sozinho te inclinas
diante do espelho. Ó cara esperança,
nesse dia saberemos também
que és a vida e és o nada.
Virá a morte e terá os teus olhos,
será como abandonar um vício,
como ver no espelho
ressurgir um rosto morto,
como escutar lábios fechados.
Mudos, desceremos ao abismo.
(tradução de Rui Caeiro)
***
E então, nós, covardes
E então, nós, covardes
que amávamos a noite
sussurrando, as casas,
os cursos dos rios,
as luzes rubras e sujas,
de tais lugares, a dor
adocicada e quieta -
nós rasgamos as mãos
da viva corrente
e calamo-nos, mas nossos corações
estremeceram-nos com sangue,
e não mais houve doçura,
e não mais abandonamo-nos
ao curso dos rios -
não mais servos, soubemos
estar sozinhos e vivos.
*Cesare Pavese, poeta, escritor, tradutor e crítico literário, nasceu em Turim (Itália). 1908-1950