"Divindade a água" - Adriana Varejão
Tempo é espaço interior. Espaço é tempo exterior.
Novalis
A gaivota determinada mergulha na água
verde. Há um tempo para o peixe
e um tempo para o pássaro
e dentro e fora do homem
um tempo eterno de solidão.
Muita vezes, fixando o meu olhar no morto,
vi espaços claros, bosques, igapós,
o sumidouro de um tempo subterrâneo
(patético, mesmo às almas menos presentes).
Vi, como se vê de um avião,
cidades conjugadas pelo sopro do homem,
a estrada amarela, o rio barrento e torturado,
tudo tempos de homem, vibrações de tempo, vertigens.
Senti o hálito do tempo doando melancolia
aos que envelhecem no escuro das boates,
vi máscaras tendidas para o copo e para o tempo
com uma tensão de nervos feridos, e corações espedaçados.
Se acordamos e ainda não é madrugada,
sentimos o invisível fender do silêncio,
um tempo que se ergue ríspido na escuridão.
Cascos leves de cavalos cruzam a aurora.
O tempo goteja
como o sangue.
Os cães discursam nos quintais, e o vento,
grande cão infeliz,
investe contra a sombra.
O tempo é audível;
também se pode ouvir a eternidade.
* Paulo Mendes Campos, jornalista, cronista e poeta.
Belo Horizonte(MG), 1922-1991