DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

19/03/2022

Pesquisa *

  "Divindade a água" - Adriana Varejão




Tempo é espaço interior. Espaço é tempo exterior.

Novalis


A gaivota determinada mergulha na água

verde. Há um tempo para o peixe

e um tempo para o pássaro

e dentro e fora do homem

um tempo eterno de solidão.

Muita vezes, fixando o meu olhar no morto,

vi espaços claros, bosques, igapós,

o sumidouro de um tempo subterrâneo

(patético, mesmo às almas menos presentes).

Vi, como se vê de um avião,

cidades conjugadas pelo sopro do homem,

a estrada amarela, o rio barrento e torturado,

tudo tempos de homem, vibrações de tempo, vertigens.

Senti o hálito do tempo doando melancolia

aos que envelhecem no escuro das boates,

vi máscaras tendidas para o copo e para o tempo

com uma tensão de nervos feridos, e corações espedaçados.

Se acordamos e ainda não é madrugada,

sentimos o invisível fender do silêncio,

um tempo que se ergue ríspido na escuridão.

Cascos leves de cavalos cruzam a aurora.

O tempo goteja

como o sangue.

Os cães discursam nos quintais, e o vento,

grande cão infeliz,

investe contra a sombra.

O tempo é audível;

também se pode ouvir a eternidade.


* Paulo Mendes Campos, jornalista, cronista e poeta.

Belo Horizonte(MG), 1922-1991

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