DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

17/02/2016

Myriam Fraga (1937-2016)

Ars Poética

Poesia é coisa
De mulheres.
Um serviço usual,
Reacender de fogos.
Nas esquinas da morte
Enterrei a gorda
Placenta enxudiosa

E caminhei serena
Sobre as brasas
Até o lado de lá
Onde o demônio habita.

Poesia é sempre assim:
Uma alquimia de fetos.
Um lento porejar
De venenos sob a pele.

Poesia é a arte da rapina.
Não a caça, propriamente,
Mas sempre nas mãos
Um lampejo de sangue.

Em vão
Procuro meu destino:
No pássaro esquartejado
A escritura das vísceras.

Poesia como antojos,
Como um ventre crescendo,
A pele esticada
De úteros estalando.

Poesia é esta paixão
Delicada e perversa,
Esta umidade perolada
A escorrer de meu corpo
Empapando-me as roupas
Como uma água de febre.

 

Ingres - Édipo e a esfinge


A esfinge
 
Revesti-me de mistério
Por ser frágil,
Pois bem sei que decifrar-me
É destruir-me.

No fundo, não me importa
O enigma que proponho.

Por ser mulher e pássaro
E leoa,
Tendo forjado em aço
As minhas garras,
É que se espantam
E se apavoram

Não me exalto.
Sei que virá o dia das respostas
E profetizo-me clara e desarmada

E por saber que a morte
É a última chave,
Adivinho-me nas vítimas que estraçalho.

Myriam Fraga, escritora e poeta nascida em Salvador(BA), foi diretora da Fundação Casa de Jorge Amado e membro da Academia de Letras da Bahia. 


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